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JANIO DE FREITAS
Enfim, a pólvora
A boca mal começara a desentortar, para recompor-se
dos 21 anos de ditadura, e sobreveio o tal "pensamento único",
uma espécie de ditadura de pretensas idéias que nunca foi mais
do que ditadura de interesses financeiros em voracidade aguda.
É natural, pois, que já surjam inquietações e reclamações por
causa de meia dúzia de dias de
divergências públicas, em torno
da reforma da Previdência.
A rigor, por ora não houve debate, mas tão só discussão, porque idéias e argumentos ainda
não entraram em campo -exceto só na discordância, ainda
por aprofundar, entre as teses
dos ministros Marco Aurélio Mello e Carlos Velloso sobre a extensão do direito dos servidores à
aposentadoria integral. Debate
apenas incipiente, mas bastante
para confirmar o despreparo dos
jornalistas para enfrentar o tema
(ou qualquer tema menos simplório).
A posição do ministro Velloso é
saudada pela negação, aos servidores ativos, de direito já adquirido à aposentadoria integral,
cumprido o tempo necessário.
Ninguém atentou, no entanto,
para o complemento da tese de
Velloso: "Cabe ao poder público
devolver aquilo que o servidor
pagou sobre a totalidade dos
vencimentos para ter uma aposentadoria integral". A tese do
ministro Carlos Velloso não evita que o problema do direito adquirido se substitua por outro
não menos complicado para a
reforma. Se não o for ainda mais
que o anterior.
A intervenção de Luiz Inácio
Lula da Silva força o governo a
descobrir a pólvora, o que deveria ser transmitido a todos os ministros ainda antes da posse.
Mas o complemento toma sentido oposto. Lula: "Precisamos primeiro fechar um projeto internamente, e não discutir pontualmente a reforma. Precisamos ouvir mais a sociedade e falar menos".
Por sua vez, o ministro Ricardo
Berzoini, da Previdência, quer
transferir a origem do mal-estar
em torno da reforma: "Houve
uma precipitação [cá de fora] ao
classificar o debate genérico como proposta fechada do governo". Escapismo barato, que a
formulação pretensiosa não atenua. Como ministro da Previdência, Berzoini deu
entrevistas sucessivas
sobre itens da pretendida reforma previdenciária. A cada dia um petardo, sem maiores
argumentos, sem demonstrações
de seus motivos e efeitos previstos, tudo exposto com ares de posição definida.
Seja no conselho a ser criado, e
do qual deverão sair as decisões
sobre a reforma, seja cá fora, é
óbvio que só pode haver debate
em torno de uma base preliminar de idéias. Assim como é óbvio que, se o desejo de providenciar a reforma é do governo, cabe-lhe a responsabilidade de
apresentar suas idéias, ordenadas e fundamentadas. Sem a base não há debate, sem debate
não há participação, sem participação é voltar ao regime do
"pensamento único".
Por isso mesmo, não faz sentido o "precisamos ouvir mais a
sociedade e falar menos". A sociedade já falou: pelas urnas que
escolheram entre dois candidatos e suas respectivas mensagens.
Fale agora o governo, com seus
"projetos fechados internamente", e a palavra então voltará à
sociedade. Esperemos que seja
ouvida e considerada.
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