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GLOBALIZAÇÃO
Sociólogo Rafael Díaz-Salazar diz que o Pacto de Moncloa, modelo de Lula, debilitou o movimento sindical
Espanhol propõe criar "Internacional Social"
LIA HAMA
DA REDAÇÃO
A pluralidade de movimentos
do Fórum Social Mundial e sua
atuação como "nuvens de mosquitos" -que incomodam de
forma pontual o poder econômico e político mundial sem mudar
a sua estrutura- exigem a formação de um grupo que articule
as demandas e prepare um programa concreto de alternativas ao
atual modelo de globalização.
A análise é do sociólogo espanhol Rafael Díaz-Salazar, professor da Universidade Complutense de Madri, que defende a criação
de uma espécie de Internacional
dos movimentos sociais.
Díaz-Salazar é autor do livro
"Justicia Global - Las Alternativas
de Los Movimientos del Foro de
Porto Alegre" (Barcelona, Icaria,
2002), lançado em dezembro na
Espanha. O livro será vendido durante a terceira edição do fórum,
que ocorre na capital gaúcha entre os dias 23 e 28 deste mês.
Em entrevista à Folha, ele comenta a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva e critica o Pacto de
Moncloa, modelo do pacto social
de Lula. Em 12 de agosto, o petista
disse: "Vou fazer uma coisa que o
Fernando Henrique Cardoso falava muito em 1982, o famoso Pacto
de Moncloa. Queremos construir
uma espécie de um novo contrato
social". Segundo Díaz-Salazar,
"não se deve idealizar o pacto."
Folha - O que querem os protagonistas do Fórum Social Mundial? O
que existe em comum entre grupos
de interesses tão diversos, que incluem desde o movimento sem terra até feministas e ambientalistas,
passando por sindicalistas e ativistas de direitos humanos?
Rafael Díaz-Salazar - Creio que o
que há em comum é o desejo por
justiça global. Por justiça global
entendo, por um lado, que se universalize o modelo de bem-estar
social que se construiu na Europa.
O segundo objetivo é uma justiça global multidimensional, que
leve em conta dimensões ecológicas, econômicas, de gênero, de direitos humanos. Por fim, querem
aproveitar o processo de globalização para promover uma maior
distribuição da riqueza mundial.
Folha - Ao citar em seu livro a escritora canadense Naomi Klein,
que caracteriza essas redes internacionais de movimentos sociais
como "nuvens de mosquitos", o sr.
afirma que é necessário uma concentração mais organizada e sistemática desses esforços. Como?
Díaz-Salazar - Necessitamos
criar um contrapoder social popular em escala mundial. E, para
isso, o que proponho é a criação
de uma espécie de Internacional
[Comunista, central coordenadora dos partidos comunistas em todo o mundo] de movimentos sociais pela justiça global.
Por que creio que isso é necessário? Porque o poder se caracteriza
por concentração de energias e o
contrapoder também tem de se
articular assim. Para constituir essa Internacional de movimentos,
em primeiro lugar, teria que se
criar uma coordenação. Pessoas
dos cinco continentes que se dedicariam exclusivamente a isso.
Em segundo lugar, creio que há
que se organizar grupos de debate
para discutir as estratégias.
Folha - Haveria uma coordenação
com instituições políticas?
Díaz-Salazar - Não. O Fórum
tem que permanecer tal como está, um espaço de encontro de gente diversa, que não é obrigada a
chegar a consensos. O que eu proponho é algo complementar.
Outra missão seria oferecer um
programa concreto de justiça internacional. No Fórum de Porto
Alegre, se apresentam muitos documentos. Mas não há um programa em que os movimentos digam: "Estamos de acordo".
Folha - O sr. argumenta que o movimento por justiça global não apenas protesta, mas oferece propostas. O sr. poderia dar um exemplo?
Díaz-Salazar - Se você entrar nas
páginas de internet dos 20 movimentos mais importantes de Porto Alegre vai ver que existem não
só protestos, mas alternativas.
Não é necessário inventar as alternativas, elas já existem. Há que organizá-las. Criar um consenso sobre quais são as mais importantes, as mais prioritárias e oferecê-las à comunidade internacional.
Folha - O sr. poderia dar um
exemplo de uma proposta viável?
Díaz-Salazar - Sim, há uma proposta muito concreta: a taxa Tobin [imposto sobre as transações
financeiras internacionais para
custear gastos sociais]. Um exemplo: segundo as Nações Unidas, o
programa de erradicação da pobreza em todo o mundo custaria
US$ 250 bilhões. Se conseguirmos
implantar a taxa Tobin, se arrecadaria US$ 1,5 trilhão ao ano.
Outro exemplo muito concreto
é o alívio da dívida externa.
Folha - Quais seriam os critérios
para o alívio da dívida externa?
Díaz-Salazar - [O programa] Começaria pelos países mais pobres.
Além disso, não se pediria simplesmente a anulação das dívidas
externas, mas a reinversão da dívida. Por exemplo, o que o Brasil
tem a pagar aos EUA. Essas quantias se transformariam em projetos sociais no próprio país.
Folha - Em matéria publicada pelo "El País", o sr. afirma que há
"programa, orçamento e energia
militante" para efetuar as mudanças, mas faltam "políticos à altura
das circunstâncias". Um político
como Luiz Inácio Lula da Silva estaria à altura das circunstâncias?
Díaz-Salazar - Creio que sim,
agora ele tem que demonstrar. A
grande responsabilidade que Lula
e o PT têm é conseguir se tornar
uma referência internacional de
políticas sociais. Necessitamos de
um novo modelo que não seja comunista nem neoliberal. Cremos
que este modelo possa ser o que
de alguma forma simboliza Lula.
Na Europa, estávamos sem esperança. Não víamos modelos para
o Terceiro Mundo. Parecia que
aos países da América Latina e da
África só restava neoliberalismo
ou Fidel Castro. Duas coisas horrorosas. Por fim se vê uma saída.
Folha - Há quem compare Lula a
Felipe González, um homem de um
partido de esquerda, que assumiu
o país em condições difíceis e promoveu a construção da Espanha
moderna. Até que ponto essa comparação faz sentido?
Díaz-Salazar - Creio que Lula e
González são políticos muito distintos. O que González tinha era
um projeto de modernização da
Espanha, não de mudança social
profunda. O que fez foi um programa de reformas políticas importantes, mas a sua política trabalhista foi a que mais acelerou o
emprego precário. Creio que Lula
é um político mais à esquerda e
tem um projeto de mudança social mais profundo.
Folha - Outra citação frequente é
ao Pacto de Moncloa, que seria
uma referência ao Pacto Social.
Díaz-Salazar - Não se deve idealizar o Pacto de Moncloa [realizado
na Espanha em 1977, com líderes
trabalhistas e empresariais, que
permitiu a estabilização da economia e a retomada do crescimento]. O pacto teve um componente
positivo, que foi gerar um acordo
entre os setores. Mas teve um aspecto negativo que o PT deveria
evitar: a partir do pacto, a Espanha começa uma precarização do
emprego, que é a maior da Europa. O pacto serviu para debilitar o
movimento sindical porque cedia
muito aos empresários.
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