São Paulo, quarta-feira, 21 de janeiro de 2004

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ELIO GASPARI

O AeroLula e a Mbeki Airline

"Isto é viver como se aprova", disse Juca Chaves, referindo-se a Juscelino Kubitschek, o presidente bossa-nova. JK atravessava o país num reles quadrimotor turboélice levando consigo o sorriso do progresso, a energia de um prefeitão e o prazer de "desfrutar da maravilha de ser o presidente do Brasil".
Lula conseguiu ser o primeiro governante de Pindorama, desde Tomé de Souza, que não abriu um só metro de trilha asfaltada no seu primeiro ano de mandato. Progresso é coisa que falta na sua prateleira. Energia de prefeitão, nem pensar. O presidente adora aquilo que JK mais detestava: reuniões.
Depois de perseverar no estilo duty-free, rodando num Omega australiano, fumando (escondido) cigarrilhas holandesas, tendo licitado roupões de algodão egípcio, Lula decidiu comprar um avião.
Aqui vão as opiniões de dois leitores.
Primeiro a de Henoélio Hermenegildo Sapopemba, do Rio de Janeiro:
"Lamento que a Presidência da República vá comprar um Airbus 309 para transportar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em suas intermináveis viagens nacionais e internacionais. E se isso não bastasse, a nova aeronave que vai substituir a atual custará US$ 56,7 milhões, pagos com o dinheiro do povo brasileiro. Enquanto isso, os reis da Suécia, da Dinamarca e da Noruega e governantes de vários países "pobres" viajam em aviões de carreira".
Fala Paulo Roberto Leme, de São Paulo:
"O novo avião do presidente vai custar cerca de R$ 160 milhões, a Petrobras torra R$ 50 milhões em publicidade na comemoração dos seus 50 anos, o Congresso Nacional vai gastar R$ 50 milhões com a convocação extraordinária e a Prefeitura de São Paulo gastou R$ 136 milhões em publicidade em três anos. Somente nesses quatro exemplos -e deve haver muito mais-, a administração do PT torra R$ 397 milhões. E o presidente fala em CPMF mundial contra a fome".
Falta ao governo de Lula a frugalidade que se esperava da nação petista. Família com desempregado à mesa não troca de carro. Um presidente que expandiu o desemprego e contraiu o PIB não deveria comprar avião.
Se o papa e mais os reis da Suécia, Dinamarca e Noruega não precisam de um Airbus para suas movimentações, por que Lula precisa? Se tivesse paciência, poderia comprar um dos últimos modelos da Embraer. Caberiam ele, suas comitivas e, apertando um pouco, até os egos do comissário José Dirceu e do senador Aloizio Mercadante. Não teria autonomia para voar direto a Paris, mas não sendo um potentado saudita, Lula suportaria essa exclusão.
A diferença entre um avião da Embraer e um roupão de pano egípcio, um Omega australiano, cigarrilhas holandesas e um Airbus europeu é que a Embraer (financiada pelo BNDES) gera empregos no Brasil.
Alguém foi capaz de provar a Lula que, sem um Airbus presidencial, o Brasil se torna ingovernável ou, pelo menos, ele não poderá governá-lo como prometeu. Havendo o dinheiro (e a vontade de gastá-lo), as necessidades aparecem. Veja-se o caso do rei Khaled, da Arábia Saudita. Primeiro ele precisou de um avião. Comprou um Boeing 747. Precisava orar, voltado para Meca. Instalou no nariz do jato um espaço que rodava como um giroscópio. Era cardíaco. O avião tinha uma UTI. Conta a lenda que Khaled temia que lhe faltasse um doador caso precisasse de um transplante. Por isso, levava um nas viagens, vivo. (Alô, alô, ministro Humberto Costa, uma idéia para transplantes de medula?) Khaled morreu em 1982, em casa. O doador, caso tenha existido, tornou-se um feliz desempregado.
Numa patifaria da sociedade de consumo globalizado, o mundo tem hoje dois presidentes comprando Airbus. Um é Lula, o retirante dos anos 50, operário dos 60 e sindicalista dos 70. O outro é o presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, filho de ativistas negros, militante comunista, líder estudantil exilado por mais de dez anos entre Londres e Moscou (onde fez treinamento militar), protegido de Nelson Mandela.


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