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PERFIL
DILMA ROUSSEFF
"Vivi bastante para estar cheia de vida"
Depois de quimioterapia, médicos atestam que não há sinais de linfoma
O esforço e o treinamento
não foram suficientes. Alguns
meses depois Dilma foi presa
em São Paulo, pois havia saído
do Rio no final de 1969. Morava
em uma pensão na avenida Celso Garcia, no bairro do Brás (região central da capital paulista).
Era um quarto precário,
compartilhado com Maria Celeste Martins, hoje sua assessora na Casa Civil. Não tinha banheiro. A pré-candidata do PT a
presidente lembra-se de um
hábito de higiene curioso: "Você tem de comprar um tamanco
para poder tomar banho. Todo
mundo toma banho de tamanco, para não pisar no chão". Os
banheiros eram imundos.
Qual era a função de Dilma
naquela pensão? "As pessoas
iam sendo presas e a gente ia
limpando tudo que tinha nas
casas das pessoas e trazendo.
Não tinha lugar de guardar. Todos estavam sendo presos. Debaixo da cama era uma espécie
de depósito. Tinha tudo o que
você imaginar. Roupa, calça
jeans, camiseta, carta, armas. A
pessoa ia presa e tinha um revólver na casa dela".
Em 16 de janeiro de 1970, segundo Dilma, "às 16h10, mais
ou menos", ela foi presa. Tinha
ido ao encontro de um companheiro clandestino, no centro
de São Paulo. Não sabia que ele
tinha sido capturado e obrigado
a contar sobre o encontro. Detida, foi enviada para a sede da
Operação Bandeirantes, a
Oban -um centro de investigações e interrogatórios dos militantes da esquerda armada.
Não há registro sobre quanto
tempo Dilma permaneceu na
Oban antes de ser levada para o
Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Nas contas da ministra, ela saiu da
Oban "depois do Carnaval",
que em 1970 caiu na primeira
semana de março. Foram cerca
de 45 dias sendo interrogada,
com várias sessões de tortura.
Em abril de 2009, a ministra
relatou assim as sessões de tortura à Folha: "Você não sabe o
que é a quantidade de secreção
que sai de um ser humano
quando ele apanha e é torturado. Porque essa quantidade de
líquidos que nós temos, o sangue, a urina e as fezes aparecem
na sua forma mais humana".
Foram quase três anos de
prisão, condenada pela Justiça
Militar em três Estados: Rio,
São Paulo e Minas Gerais. A
ministra nega ter participado
de ações armadas de maneira
direta. Entrevistas realizadas
pela Folha nas últimas semanas com ex-combatentes de esquerda na década de 60 não foram conclusivas. Ninguém relatou, entretanto, ter presenciado Dilma atuando na linha
de frente, dando tiros em alguma operação de guerrilha.
Ao negar sua participação
em ações armadas, a ministra
sempre aumenta um pouco o
tom de seu discurso: "Santo
não há. Eu não passaria incólume se tivesse uma ação armada. Você acha que eles não me
julgariam? Você acha que eles
não me manteriam presa? Eu
nunca participei de uma ação
armada e nunca fui julgada,
condenada e interrogada por
eles [sobre isso]".
Rio Grande do Sul
Libertada no final de 1972,
passou o Natal com a mãe, em
Belo Horizonte. Antes de ser liberada, foi levada à Oban para
ouvir um sermão. "Eles faziam
a ameaça clássica: "Se você voltar vai morrer com a boca cheia
de formiga". Gente, eu pensei,
nessa altura do campeonato?".
Em 1973, começou vida nova
no Rio Grande do Sul. Mudou-se para Porto Alegre e foi viver
na casa dos sogros. O marido
Carlos Araújo continuava preso na cidade. Ele só foi libertado em junho de 1974. Dilma então já havia prestado vestibular
e cursava economia na UFRGS.
A primeira e única filha, Paula Rousseff Araújo, nasceu em
março de 1976. "Ela teve de
nascer de cesariana. Eu fiz tudo
para ela nascer de parto normal. Mas o pessoal dizia que eu
era velha. Naquela época era
velho você ter filhos aos 28
anos. O pessoal tinha mais cedo, né?". Em 1977, formou-se
em economia pela UFRGS. Em
1978, mãe e filha se mudaram
para a Campinas, pois Dilma se
matriculou num mestrado em
economia na Unicamp. Concluiu os créditos, mas nunca
apresentou a dissertação.
De volta ao Rio Grande do
Sul, atuou na criação do PDT,
sob comando de Leonel Brizola
(1922-2004). "A coisa mais forte politicamente no Rio Grande
do Sul naquele momento era o
PTB [depois, PDT]. Tem uma
tradição que passa de pai para
filho. E é por isso que eu vou lá
para o Brizola." Para ela, Brizola ajudou "na reconstrução da
noção de nação", embora não
se desse conta "da modernidade do que é a nação hoje".
Araújo foi eleito três vezes
seguidas deputado estadual pelo PDT. Dilma ocupou cargos
nas burocracias da cidade e do
governo local, sempre nas áreas
de influência do partido.
Em 1985, Alceu Collares
(PDT) foi eleito prefeito de
Porto Alegre. Dilma participou
da campanha e foi convidada
para ser secretária da Indústria
e Comércio do município.
Araújo foi o portador da notícia. "Ela me disse: "Dá aqui o telefone que eu vou falar com ele
[Collares]". No final da conversa ela era a secretária da Fazenda de Porto Alegre".
Dilma também trabalhou na
FEE (Fundação de Economia e
Estatística), órgão do governo
estadual do Rio Grande do Sul,
como assessora da bancada do
PDT na Assembleia Legislativa
e diretora-geral da Câmara de
Porto Alegre. Seu cargo mais
vistoso na sua encarnação gaúcha foi como secretária de Minas, Energia e Comunicações
do governo Collares (1993-1994) e no governo do petista
de Olívio Dutra (1999-2002).
Foi nessa última ocupação
que sua vida teve duas grandes
novidades. Em 2000, terminou
seu segundo casamento.
Em 2001, entrou para o PT.
Houve um racha na coalizão
PDT-PT. Ela preferiu ficar onde estava (no cargo de secretária de Minas, Energia e Comunicações) e deixou o mundo pedetista-brizolista. No ato de filiação, Luiz Inácio Lula da Silva
esteve em Porto Alegre para
abonar as fichas de vários ex-pedetistas.
Ministério
Quando Lula preparava seu
programa de governo em 2002,
Dilma participou. Vencida a
eleição, ela foi chamada a Brasília e fez parte da equipe de transição. Virou ministra de Minas
e Energia. Em 2005, como diz
seu colega do PT gaúcho Tarso
Genro, o vácuo produzido no
partido por causa do mensalão
acabou catapultando Dilma para a Casa Civil e para a posição
de pré-candidata ao Planalto.
A trajetória ascendente teve
uma interrupção em abril de
2009. Descobriu ter câncer no
sistema linfático. Logo ela, que
parara de fumar dois maços de
Hollywood por dia em 1989.
Passou a praticar esportes, chegando a mergulhar algumas vezes no mar, com cilindro de oxigênio. No final de 2008, fez
uma operação plástica na região dos olhos. "Eu fiz isso aqui
ó", diz ela, passando os dedos
em torno dos dois olhos e escorregando até as têmporas.
Descoberto o câncer em
2009, fez tratamento quimioterápico e radioterápico. Perdeu os cabelos. No final de setembro passado, seus médicos
anunciaram que ela estava "livre de qualquer evidência de
linfoma". Passou a colecionar
apoios políticos, até entre antigos críticos. "Ela foi uma traidora em 2001 quando saiu do
PDT. Eu disse isso. Mas minha
mulher, Neusa, na época me falou: "Eles estão certos. Nosso
partido não tem futuro". Acho
que a Neusa estava certa. A Dilma nunca teria sido candidata a
presidente pelo PDT", pondera
Alceu Collares sentado em uma
cadeira reclinável em sua casa.
Aos 82 anos, Collares se reconciliou com a ministra. Votará nela para presidente. O PDT
o indicou, e Dilma Rousseff o
abençoou, para uma vaga no
Conselho de Administração da
Itaipu Binacional -salário de
aproximadamente R$ 15 mil
mensais para participar de uma
reunião apenas a cada 60 dias.
Dilma não aprecia discorrer
sobre sua vida pessoal. Dá a entender não estar namorando
no momento. Sobre solidão,
aos 62 anos, tem uma teoria: "É
impossível uma pessoa de 60
anos ter a mesma solidão de
uma de 30. Só tem uma hipótese de ela ter: ela não viveu. Eu
vivi o suficiente para estar cercada de vida".
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