São Paulo, domingo, 21 de fevereiro de 2010

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PERFIL

DILMA ROUSSEFF

"Vivi bastante para estar cheia de vida"

Depois de quimioterapia, médicos atestam que não há sinais de linfoma

O esforço e o treinamento não foram suficientes. Alguns meses depois Dilma foi presa em São Paulo, pois havia saído do Rio no final de 1969. Morava em uma pensão na avenida Celso Garcia, no bairro do Brás (região central da capital paulista).
Era um quarto precário, compartilhado com Maria Celeste Martins, hoje sua assessora na Casa Civil. Não tinha banheiro. A pré-candidata do PT a presidente lembra-se de um hábito de higiene curioso: "Você tem de comprar um tamanco para poder tomar banho. Todo mundo toma banho de tamanco, para não pisar no chão". Os banheiros eram imundos.
Qual era a função de Dilma naquela pensão? "As pessoas iam sendo presas e a gente ia limpando tudo que tinha nas casas das pessoas e trazendo. Não tinha lugar de guardar. Todos estavam sendo presos. Debaixo da cama era uma espécie de depósito. Tinha tudo o que você imaginar. Roupa, calça jeans, camiseta, carta, armas. A pessoa ia presa e tinha um revólver na casa dela".
Em 16 de janeiro de 1970, segundo Dilma, "às 16h10, mais ou menos", ela foi presa. Tinha ido ao encontro de um companheiro clandestino, no centro de São Paulo. Não sabia que ele tinha sido capturado e obrigado a contar sobre o encontro. Detida, foi enviada para a sede da Operação Bandeirantes, a Oban -um centro de investigações e interrogatórios dos militantes da esquerda armada.
Não há registro sobre quanto tempo Dilma permaneceu na Oban antes de ser levada para o Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Nas contas da ministra, ela saiu da Oban "depois do Carnaval", que em 1970 caiu na primeira semana de março. Foram cerca de 45 dias sendo interrogada, com várias sessões de tortura.
Em abril de 2009, a ministra relatou assim as sessões de tortura à Folha: "Você não sabe o que é a quantidade de secreção que sai de um ser humano quando ele apanha e é torturado. Porque essa quantidade de líquidos que nós temos, o sangue, a urina e as fezes aparecem na sua forma mais humana".
Foram quase três anos de prisão, condenada pela Justiça Militar em três Estados: Rio, São Paulo e Minas Gerais. A ministra nega ter participado de ações armadas de maneira direta. Entrevistas realizadas pela Folha nas últimas semanas com ex-combatentes de esquerda na década de 60 não foram conclusivas. Ninguém relatou, entretanto, ter presenciado Dilma atuando na linha de frente, dando tiros em alguma operação de guerrilha.
Ao negar sua participação em ações armadas, a ministra sempre aumenta um pouco o tom de seu discurso: "Santo não há. Eu não passaria incólume se tivesse uma ação armada. Você acha que eles não me julgariam? Você acha que eles não me manteriam presa? Eu nunca participei de uma ação armada e nunca fui julgada, condenada e interrogada por eles [sobre isso]".

Rio Grande do Sul
Libertada no final de 1972, passou o Natal com a mãe, em Belo Horizonte. Antes de ser liberada, foi levada à Oban para ouvir um sermão. "Eles faziam a ameaça clássica: "Se você voltar vai morrer com a boca cheia de formiga". Gente, eu pensei, nessa altura do campeonato?".
Em 1973, começou vida nova no Rio Grande do Sul. Mudou-se para Porto Alegre e foi viver na casa dos sogros. O marido Carlos Araújo continuava preso na cidade. Ele só foi libertado em junho de 1974. Dilma então já havia prestado vestibular e cursava economia na UFRGS.
A primeira e única filha, Paula Rousseff Araújo, nasceu em março de 1976. "Ela teve de nascer de cesariana. Eu fiz tudo para ela nascer de parto normal. Mas o pessoal dizia que eu era velha. Naquela época era velho você ter filhos aos 28 anos. O pessoal tinha mais cedo, né?". Em 1977, formou-se em economia pela UFRGS. Em 1978, mãe e filha se mudaram para a Campinas, pois Dilma se matriculou num mestrado em economia na Unicamp. Concluiu os créditos, mas nunca apresentou a dissertação.
De volta ao Rio Grande do Sul, atuou na criação do PDT, sob comando de Leonel Brizola (1922-2004). "A coisa mais forte politicamente no Rio Grande do Sul naquele momento era o PTB [depois, PDT]. Tem uma tradição que passa de pai para filho. E é por isso que eu vou lá para o Brizola." Para ela, Brizola ajudou "na reconstrução da noção de nação", embora não se desse conta "da modernidade do que é a nação hoje".
Araújo foi eleito três vezes seguidas deputado estadual pelo PDT. Dilma ocupou cargos nas burocracias da cidade e do governo local, sempre nas áreas de influência do partido.
Em 1985, Alceu Collares (PDT) foi eleito prefeito de Porto Alegre. Dilma participou da campanha e foi convidada para ser secretária da Indústria e Comércio do município. Araújo foi o portador da notícia. "Ela me disse: "Dá aqui o telefone que eu vou falar com ele [Collares]". No final da conversa ela era a secretária da Fazenda de Porto Alegre".
Dilma também trabalhou na FEE (Fundação de Economia e Estatística), órgão do governo estadual do Rio Grande do Sul, como assessora da bancada do PDT na Assembleia Legislativa e diretora-geral da Câmara de Porto Alegre. Seu cargo mais vistoso na sua encarnação gaúcha foi como secretária de Minas, Energia e Comunicações do governo Collares (1993-1994) e no governo do petista de Olívio Dutra (1999-2002).
Foi nessa última ocupação que sua vida teve duas grandes novidades. Em 2000, terminou seu segundo casamento.
Em 2001, entrou para o PT. Houve um racha na coalizão PDT-PT. Ela preferiu ficar onde estava (no cargo de secretária de Minas, Energia e Comunicações) e deixou o mundo pedetista-brizolista. No ato de filiação, Luiz Inácio Lula da Silva esteve em Porto Alegre para abonar as fichas de vários ex-pedetistas.

Ministério
Quando Lula preparava seu programa de governo em 2002, Dilma participou. Vencida a eleição, ela foi chamada a Brasília e fez parte da equipe de transição. Virou ministra de Minas e Energia. Em 2005, como diz seu colega do PT gaúcho Tarso Genro, o vácuo produzido no partido por causa do mensalão acabou catapultando Dilma para a Casa Civil e para a posição de pré-candidata ao Planalto.
A trajetória ascendente teve uma interrupção em abril de 2009. Descobriu ter câncer no sistema linfático. Logo ela, que parara de fumar dois maços de Hollywood por dia em 1989. Passou a praticar esportes, chegando a mergulhar algumas vezes no mar, com cilindro de oxigênio. No final de 2008, fez uma operação plástica na região dos olhos. "Eu fiz isso aqui ó", diz ela, passando os dedos em torno dos dois olhos e escorregando até as têmporas.
Descoberto o câncer em 2009, fez tratamento quimioterápico e radioterápico. Perdeu os cabelos. No final de setembro passado, seus médicos anunciaram que ela estava "livre de qualquer evidência de linfoma". Passou a colecionar apoios políticos, até entre antigos críticos. "Ela foi uma traidora em 2001 quando saiu do PDT. Eu disse isso. Mas minha mulher, Neusa, na época me falou: "Eles estão certos. Nosso partido não tem futuro". Acho que a Neusa estava certa. A Dilma nunca teria sido candidata a presidente pelo PDT", pondera Alceu Collares sentado em uma cadeira reclinável em sua casa.
Aos 82 anos, Collares se reconciliou com a ministra. Votará nela para presidente. O PDT o indicou, e Dilma Rousseff o abençoou, para uma vaga no Conselho de Administração da Itaipu Binacional -salário de aproximadamente R$ 15 mil mensais para participar de uma reunião apenas a cada 60 dias.
Dilma não aprecia discorrer sobre sua vida pessoal. Dá a entender não estar namorando no momento. Sobre solidão, aos 62 anos, tem uma teoria: "É impossível uma pessoa de 60 anos ter a mesma solidão de uma de 30. Só tem uma hipótese de ela ter: ela não viveu. Eu vivi o suficiente para estar cercada de vida".


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