São Paulo, Domingo, 21 de Março de 1999
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HISTÓRIA
Embarcações têm nomes desconhecidos para a população
Nomes de navios brasileiros não refletem história do país

RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha

Quem quisesse entender o Brasil, ou a história do país, através dos nomes dos navios da Marinha, ficaria espantado com o resultado.
No Brasil, assim como em todo o mundo, os nomes dos navios militares homenageiam personagens históricos, cidades e Estados, ou vultos da história naval.
Mas, dos 26 Estados da federação, há alguns que já foram nome de navio várias vezes -como o recordista Amazonas, que já batizou oito embarcações-, enquanto outros nunca foram, como Tocantins e Mato Grosso do Sul (veja quadro ao lado).
O Amazonas deve sua sorte a ter sido esse o nome do navio-capitânia na batalha do Riachuelo (Guerra do Paraguai). Já os outros dois Estados são ainda criação recente.
Mas, mesmo personagens importantes da história naval do país, foram esquecidos -incluindo o primeiro comandante da Marinha e consolidador da própria independência do país, o escocês Lord Cochrane-, enquanto obscuros ministros do regime militar de 64 emprestam hoje seu nome a alguns dos mais importantes navios da esquadra.
Um bom exemplo são as quatro fragatas classe "Greenhalgh", adquiridas faz poucos anos ao Reino Unido.
Não há problema com o nome da classe, que homenageia o guarda-marinha João Guilherme Greenhalgh, morto aos 20 anos de idade na batalha naval de Riachuelo, em 1865, impedindo a bandeira do país de ser tomada pelos paraguaios que tinham abordado seu navio.
Já as outras três fragatas têm nomes discutíveis, e mesmo dentro da Marinha há críticas a eles: Bosísio, Dodsworth e Rademaker.
Quem foi Bosísio? "É uma pergunta legítima, pois ele era pouco conhecido fora da Marinha", responde um dos principais historiadores navais do país, o almirante Helio Leoncio Martins, um dos autores da história oficial da Marinha e veterano da Segunda Guerra Mundial. "Tratava-se de um oficial distinto, brilhante", acrescenta Leoncio.
Mas, se para a Marinha ele pode ter sido um bom ministro, para o resto do país Paulo Bosísio é conhecido por ter sido ministro durante alguns meses em 1965, quando colocou sua assinatura no Ato Institucional número 2.
Já o almirante Augusto Hamann Rademaker Gruenewald é mais conhecido. Depois de ser ministro da Marinha no governo Arthur da Costa e Silva, foi, em 1969, um dos três membros da junta militar que governou o país por alguns meses.
E o almirante Jorge Dodsworth Martins foi ministro em 1946 no governo de Eurico Dutra.
"O problema com esses nomes é que eles são muito recentes. Nós, que convivemos com eles, conhecemos seus defeitos", diz o almirante Leoncio.
Para o historiador, teria sido melhor batizar esses navios ex-britânicos com nomes de ilustres marinheiros desse país que ajudaram a fundar a marinha brasileira após a independência, vários deles se radicando no país. Além de Cochrane, são homens como John Pascoe Grenfell, John Taylor e James Norton.
Segundo o Serviço de Relações Públicas da Marinha, a escolha final do nome é prerrogativa do ministro da Marinha". Quem pode auxiliar no processo é o Serviço de Documentação, que cuida dos subsídios históricos.
Desse modo, na década de 70, uma classe de fragatas foi batizada com nomes de navios famosos da marinha imperial -"Niterói", "Defensora", "Constituição", "Liberal", "Independência" e "União".
Leoncio foi o primeiro comandante do porta-aviões Minas Gerais, no final da década de 50. O nome foi uma homenagem oficiosa ao presidente de então, o mineiro Juscelino Kubitscheck. Com isso, o Estado brasileiro sem litoral marítimo tornou-se o melhor homenageado da história, pois já tinha dado nome ao mais importante navio da primeira metade do século, o couraçado Minas Gerais.
Por obra da "política do café com leite" da República Velha, que alternava mineiros e paulistas na presidência, os dois couraçados comprados em 1910 foram chamados Minas Gerais e São Paulo. Um terceiro, que foi vendido à Turquia ainda incompleto, se chamaria Rio de Janeiro.
O primeiro Rio de Janeiro foi um couraçado de 1866, afundado na Guerra do Paraguai, e ainda lá esperando um resgate arqueológico. Só um século depois, com um submarino incorporado em 1972, que se voltou a ter uma embarcação com esse nome na Marinha. O Rio de Janeiro atual é um navio de desembarque-doca adquirido em 1991.
O nome São Paulo teve menos sorte. O último com esse nome continua sendo o couraçado de 1910, desativado na década de 50.


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