São Paulo, sábado, 21 de abril de 2001

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PREVIDÊNCIA

Solange Paiva Vieira, da SPC, diz que trabalha para acabar com ingerência política nos fundos de pensão

Secretária quer despolitização de fundos

Alan Marques/Folha Imagem
A secretária da Previdência Complementar, Solange Paiva Vieira, durante entrevista, em Brasília


VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Acabar com a ingerência política nos fundos de pensão, profissionalizando sua gestão, é um dos objetivos da secretária de Previdência Complementar, Solange Paiva Vieira, 32. "Trabalho para isso", disse, ao comentar o projeto que tramita no Congresso e proíbe que o diretor do fundo tenha vínculo empregatício com a empresa que o patrocina.
A proposta vem sofrendo resistências dentro do Congresso. Solange Vieira diz que o governo já conseguiu o apoio do PFL e do PSDB, mas ainda falta o do PMDB. Além dos votos peemedebistas, a secretária diz que, para o projeto ser aprovado, falta também "passividade" no Congresso, referindo-se ao clima tenso que predominou no Legislativo nos últimos dias.
Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, a oposição fez acusações de uso político dos fundos de pensão, principalmente no processo de privatização. A proibição do vínculo empregatício, que a secretária acredita que irá profissionalizar os fundos, não estava, por sinal, prevista no projeto original do governo. Ao comentar esse fato, inicialmente ela brincou, dizendo que isso aconteceu porque ainda não era do governo. Depois, procurou dizer que, na verdade, essa é uma idéia nova, que não existia quando o projeto foi enviado ao Legislativo.
Solange Vieira disse que a "linha dura" com os fundos de pensão não foi abandonada, mas afirmou que, com o novo ministro da Previdência Social, Roberto Brant, a prioridade é aprovar no Congresso os projetos que vão aperfeiçoar a previdência complementar. A seguir, a entrevista concedida à Folha na última quinta-feira.
 

Folha - O governo está enfrentando dificuldades políticas no Congresso para aprovar projetos que aperfeiçoam a previdência complementar. O que está acontecendo?
Solange
- Falta passividade política no Congresso. Em termos técnicos, a questão polêmica é a da emenda que proíbe que os diretores e presidentes de fundos tenham vínculo empregatício com a patrocinadora. Eu acho essa emenda fundamental para que o setor se profissionalize, para que não tenha influência nas tomadas de decisão entre o fundo e a patrocinadora. Eu considero isso um passo adiante no sistema para que haja independência de gestão. A empresa não pode considerar o fundo parte dela.

Folha - De onde vêm as maiores resistências? Do setor público ou do privado?
Solange
- A resistência vem de todos os setores. Estamos falando do emprego de cada um dos dirigentes dos fundos de pensão. Hoje, eu diria que em 80% dos fundos de pensão os dirigentes são funcionários de empresas. É uma questão corporativa.

Folha - O governo vai conseguir vencer esse lobby?
Solange
- O PSDB e o PFL, até onde eu sei, estavam acertados para a votação [prevista para ocorrer na última quarta-feira e remarcada para a próximo terça ou quarta-feira". O maior problema é o PMDB.

Folha - Por quê?
Solange
- Não sei. Aí, a conversa é com os líderes do governo.

Folha - Como a sra. avalia a questão da participação dos fundos nas privatizações. Vocês querem ter mais controle sobre isso com os projetos que estão no Congresso?
Solange
- Estamos querendo menos controle. Queremos que as decisões sejam tomadas com objetivo na rentabilidade, eficiência e resultado.

Folha - No governo, os fundos participaram de várias privatizações, houve muita questão política, críticas da oposição. Com essas medidas, esse uso político acaba?
Solange
- Eu espero que sim. Trabalho para isso. Para que os fundos tenham independência na tomada de decisão. A emenda que proíbe o vínculo empregatício com a patrocinadora, o objetivo dela é esse, que quem for o diretor ou presidente não tenha ligação com a patrocinadora. Não seja ela que pague o salário dele e possa dizer o que ele tem de fazer.

Folha - Se essa medida é tão importante, por que não estava no projeto original do governo? O governo apóia totalmente essa medida?
Solange
- Não estava no projeto original porque eu não estava aqui (risos). Estou brincando. Essa idéia de profissionalização dos fundos de pensão veio com a idéia de boa governança, que está também nas empresas.
É uma idéia nova, a Bovespa lançou agora. E esses projetos de previdência são mais antigos, têm dois ou três anos. Quando eu vi a idéia que estava por trás de boa governança, comecei a pensar o quão importante é a profissionalização dos fundos.
O melhor para o dirigente do fundo é não ser participante ou não pertencer à empresa patrocinadora. Ele vai ter muito mais isenção para tomar decisão. Conhecemos problemas de funcionários, que são dirigentes de fundo, que dão um aumento benevolente ao valor do benefício porque também é beneficiado, vai ser um aposentado. Ocorre problema de legislação em causa própria.

Folha - A SPC (Secretaria de Previdência Complementar) vinha adotando uma linha dura com os fundos de pensão, o que parece ter arrefecido. Foi a entrada do ministro Roberto Brant (Previdência) ou é uma coincidência?
Solange
- Quando há troca de ministro, é natural que haja uma parada em tudo para que ele seja informado do que está acontecendo. Com a entrada do novo ministro, o que houve foi um enfoque maior no Congresso.
O governo decidiu que era hora de terminar a votação dos projetos de previdência complementar, e a linha dura ficou mais nos projetos. O novo ministro está dando todo apoio à emenda que proíbe o vínculo empregatício de dirigentes dos fundos com a empresa patrocinadora. Essa é uma medida dura.

Folha - Mas e a linha dura com os fundos de pensão?
Solange
- Não foi abandonada. Estamos organizando o que já foi feito e concentrando as atenções nas votações do Congresso.

Folha - Na sua avaliação, se não fossem tomadas as medidas de ajuste, inclusive os projetos que estão no Congresso, estaríamos caminhando para um estado de bomba-relógio na previdência complementar no Brasil?
Solange
- O sistema tem problemas sérios de solvência. São R$ 130 bilhões de ativos, que, mal ou bem, se não estivessem nos fundos, estariam alocados em outro lugar. É preciso cobrar eficiência desses investimentos, que têm de gerar emprego e crescimento para o país.
Um segundo ponto é que certamente muitos participantes não estariam recebendo suas aposentadorias daqui a 20 anos, 30 anos, se o sistema continuasse a ter evasão de recursos e a rentabilidade que alguns fundos estão tendo, o que é muito aquém daquela necessária para garantir as aposentadorias.

Folha - Logo que a sra. assumiu a secretaria, houve muitas pressões. Isso continua?
Solange
- Eu sofri muita pressão no início. Com a mudança de ministro, a indefinição gerou aumento de pressão novamente. Agora, a pressão [dos fundos" se voltou para o Congresso, para que a emenda que acaba com o vínculo empregatício não passe.

Folha - Como é trabalhar com o ministro Brant em relação ao ex-ministro Waldeck Ornélas?
Solange
- Em todo início de trabalho, existe aquela coisa de mostrar serviço, mostrar que é competente. Com o Ornélas, eu já tinha o trabalho do fator previdenciário (sistema de cálculo de aposentadoria do INSS), a relação já tinha um amadurecimento, que eu ficava mais solta. Agora, neste início, tem o período de eu mostrar serviço, de ganhar a confiança do ministro. Eu acho que isso já está acontecendo. Até mais rápido do que eu imaginava.



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