São Paulo, domingo, 21 de maio de 2000


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GOVERNO
FHC diz ainda que reivindicações aumentam porque economia vai bem

Para presidente, conflitos são políticos, e não sociais


Ichiro Guerra/Folha Imagem
O presidente Fernando Henrique Cardoso que falou à Folha, por telefone, do Palácio da Alvorada


ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Fernando Henrique Cardoso disse à Folha que o governo encara "com naturalidade" as greves e as crescentes manifestações de rua: "Greve não é sinal de fim do mundo. Faz parte da democracia, como na França".
Apesar de os movimentos serem de diferentes origens, como índios, sem-terra, professores e funcionários públicos, FHC se disse convencido de que "a inquietação não é social, é política. Até porque o ano é eleitoral".
Mesmo diante do confronto da véspera em plena avenida Paulista, em São Paulo, que deixou 38 feridos, o presidente usou uma análise otimista para explicar o momento: "Quando a economia vai bem, é natural que aumentem as reivindicações". Essa não é uma visão excessivamente cor-de-rosa para encarar a questão, quando os juros são altos e o desemprego, preocupante? Resposta de FHC: "Não. É realista".
Ele advertiu, porém, que isso não significa que o governo ficará impassível diante de confrontos de rua. Elogiando a política de "tolerância zero", pela qual os EUA reprimem duramente manifestações de rua, ele disse que a lei tem que ser respeitada.
"Todos têm direito à livre manifestação de idéias, de opiniões, mas não para transgredir. Quem transgride sabe que está sujeito às penalidades legais."

Ação repressora
Sobre o episódio específico de São Paulo, FHC disse que "foram manifestações sem sentido" e que "isso não é bom".
Ele frisou pelo menos três vezes que era "uma questão do Estado, do Covas (governador Mário Covas)" e defendeu a ação repressora, dentro do princípio de que "transgredir não pode".
De qualquer forma, disse que, pelas informações que recebera, os manifestantes não passavam de 10 mil e que, portanto, "não eram um termômetro".
"Elas (as manifestações) não são contra mim, são generalizadas", disse ele numa parte da conversa, que foi por telefone, entre o Palácio da Alvorada (onde reside) e a Sucursal da Folha em Brasília.
Em outra parte, FHC reclamou que "sempre é bom bater no presidente, principalmente num regime como o brasileiro". O problema, segundo ele, é que os lados mudaram: "Antes, nós é que estávamos na oposição".
Então, está na hora de trocar o presidencialismo por um parlamentarismo mitigado, amenizado? "Ah. Disso não falo. Senão, vem todo mundo dizer que eu estou brigando pelo terceiro mandato", respondeu, apesar de ser parlamentarista há décadas.
FHC disse que, em questão de segurança, o que o preocupa mesmo é "a violência contra o cidadão comum". Lembrou que, depois que virou presidente, seu antigo apartamento de São Paulo foi assaltado duas vezes e dois carros da família foram roubados.
Ele, porém, negou a intenção de criar um ministério ou um superórgão de segurança pública. Disse que pediu um programa para esse setor, não um novo órgão.
"É que as corporações ficam logo alvoroçadas", ironizou.

Sem-terra e Vicentinho
O presidente deu uma resposta dúbia sobre a possibilidade de receber pessoalmente os líderes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), que acaba de promover invasões de prédios públicos.
"Pode ser", afirmou. Depois, ressalvou: "Mas depende. Receber para quê? Para eles virem aqui fazer propaganda, fazer proselitismo?"
O encontro está sendo articulado pela Igreja Católica, em duas etapas, a primeira com os ministros Raul Jungmann (Desenvolvimento Agrário) e José Gregori (Justiça). Só no final FHC receberia os líderes.
Ele, entretanto, se disse aborrecido com a reação de Vicente Paulo da Silva, então presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), que participou de uma reunião dele com a cúpula da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), uma espécie de contraponto mais moderado do MST.
No relato de FHC, ele praticamente se defendeu dos conflitos em Coroa Vermelha (BA) durante as festas dos 500 anos e disse que a nova estrutura de informações do governo "não é SNI (Serviço Nacional de Informações, do regime militar) coisa nenhuma".
Também disse que não tinha nada a ver com a aplicação da LSN (Lei de Segurança Nacional), outro símbolo da ditadura militar, contra sem-terra. "Foi coisa de um delegado."
Ainda no relato de FHC, num determinado momento de sua fala ele foi até aplaudido pelos presentes, "inclusive Vicentinho". E reclamou: "Depois, o mesmo Vicentinho vai lá para fora e me chama de cara-de-pau. Tenha paciência, assim não dá. As pessoas falam uma coisa para dentro e outra para fora".
A versão do presidente Fernando Henrique Cardoso para o confronto entre a polícia e os manifestantes em Coroa Vermelha é a seguinte: "Juntaram o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), o PT, as ONGs e o MST. O que eles queriam era o "anti-FHC'".
E continuou: "Se queriam se manifestar, tudo bem. A liberdade de manifestação é própria dos regimes democráticos. Mas acabar com a manifestação alheia, como queriam, é coisa do fascismo na Itália e do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) aqui no Brasil".

Orçamento e social
"É uma inverdade." Essa foi a reação de FHC à constatação de que a área econômica acaba de cortar R$ 1,8 bilhão dos projetos sociais no Orçamento da União.
Segundo ele, "não houve cortes". E criticou o Congresso: "O que houve foi um ajuste necessário, porque o Congresso inflou o Orçamento artificialmente".
FHC disse que o governo fez "uma proposta de contingenciamento de 4%, e não de corte, o que permite até um crescimento no executado". Na área de saúde, por exemplo, os recursos liberados efetivamente vão subir neste ano em relação ao ano passado.
A maior incidência nos cortes anunciados quinta-feira, destacou, foi no Ministério dos Transportes: "Foi onde os parlamentares mais inflaram artificialmente". O ministro da pasta é Eliseu Padilha, do PMDB.
O presidente insistiu na mesma tecla do governo durante toda a semana: nem ele nem o ministro Pedro Malan (Fazenda) estão falando mais de social agora do que falavam antes. "É pura invenção, porque sempre falamos assim."
"O Serra (ministro da Saúde) é candidato ao governo de São Paulo. Pelo menos, é o que ele sempre me diz. E o Malan não é candidato a nada", disse FHC, insistindo, como sempre, para adiar as discussões sobre a eleição presidencial de 2002 "mais para a frente, porque é muito cedo".
Ele anunciou que encomendou estudos às áreas técnicas do governo, via Casa Civil, para ampliar programas sociais nas áreas mais carentes do país, de acordo com a avaliação do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano da ONU). Isso já é uma resposta para as manifestações de rua? Segundo FHC, não. "Até porque os efeitos só vêm daqui a 20 anos."

Paraguai e Mercosul
FHC falou com a Folha na última sexta-feira. Apesar de ainda estar convalescendo de uma infecção intestinal, disse que mantinha "o humor habitual".
Contou que tinha conversado à tarde com os presidentes do Paraguai, Luis González Macchi, e da Argentina, Fernando de la Rúa, para se informar diretamente sobre a tentativa de golpe de Estado por setores militares paraguaios.
"Se o golpe tivesse sido bem-sucedido, haveria bloqueio do Paraguai no Mercosul na hora. Isso nem se discute", disse.


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