São Paulo, sexta-feira, 21 de maio de 2004

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VIAGEM À CHINA

Dissidentes e organizações de defesa dos direitos humanos exortam o presidente a mencionar o tema durante sua visita ao país

Lula é cobrado por violações na China

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Organizações de defesa dos direitos humanos e dissidentes chineses consultados pela Folha exortaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a defender o respeito aos direitos humanos e à liberdade de expressão em sua visita à China, que começa amanhã.
A Folha procurou membros da delegação brasileira que vai à China para comentar o apelo, porém não obteve resposta.
Lula não tocou no tema em sua visita oficial a Cuba, outro país duramente criticado por violar os direitos humanos, em 2003. Ela foi classificada de "decepcionante" por Elizardo Sánchez, presidente da Comissão Cubana de Direitos Humanos. Em abril, o Brasil ajudou a bloquear uma resolução na Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, que condenava a situação na China.
"Apoiávamos o texto contra a China na ONU. Acreditávamos que fosse importante que a comissão da ONU publicasse uma declaração clara sobre a situação dos direitos humanos no país, pois os abusos continuam. Ficamos decepcionados com a decisão de vários países, incluindo o Brasil, de não apoiá-la", disse Sara Davis, da Human Rights Watch.
"Por outro lado, sabemos que a China busca influenciar os outros Estados de várias maneiras. E, em alguns casos, ela acaba ameaçando impor duras sanções comerciais. Devemos lembrar que todos os países precisam fazer negócios com a China hoje", acrescentou.
De acordo com a Anistia Internacional, "sérias violações aos direitos humanos continuam a existir na China, e, em alguns aspectos, a situação se deteriorou". "Dezenas de milhares de pessoas continuam a ser detidas ou encarceradas por exercer pacificamente seu direito à liberdade de expressão, de associação ou de credo", apontou a assessoria de imprensa da Anistia Internacional.
Para a organização Repórteres Sem Fronteiras, que, em 13 de maio, lançou um trabalho sobre a China intitulado "O Livro Negro", "a pena de morte, a reeducação forçada, a tortura, o uso político da psiquiatria, a repressão a minorias étnicas e religiosas e o controle sobre a internet" ainda são graves problemas na China.
Afinal, ainda segundo a entidade, "o Ministério da Segurança Pública e o da Segurança do Estado ainda são os mestres do Estado policial chinês, que não tolera nenhuma contestação ao monopólio do Partido Comunista".
Davis lembrou que, "embora tenha havido alguns esforços na China -como a reforma do sistema legal e uma tênue abertura no que tange à liberdade de imprensa-, a situação das minorias étnicas, sobretudo no Tibete, e a falta de direitos trabalhistas ainda constituem uma preocupação".
"Há muitos abusos impostos aos trabalhadores. A razão mais comum de protestos de trabalhadores é a falta de pagamento. Com freqüência, trabalhadores temporários fazem seu trabalho e não recebem pagamento. Aí começam a fazer protestos e têm problemas com a polícia, pois os protestos são proibidos. Ademais, eles não podem organizar sindicatos para defender seus direitos, e, em muitos casos, as pessoas trabalham em condições extremamente perigosas", disse Davis.
No que diz respeito à mídia, a pesquisadora indicou que, apesar da tênue abertura, "as prisões arbitrárias de editores que admitem a publicação de textos contrários ao governo não cessaram".
De acordo com o dissidente e defensor dos direitos humanos chinês Yan Dunzheng, 74, Lula deveria fazer questão de falar sobre a situação dos trabalhadores chineses. "Afinal, ele foi um reputado líder sindical no Brasil."
Vale ressaltar que a União Européia e os EUA, que são parceiros comerciais da China bem mais importantes do que o Brasil, não deixam de criticar a situação dos direitos humanos no país e apoiaram a resolução que condenava a China na comissão da ONU.
Yan enfatizou, contudo, que, embora Lula tenha a obrigação moral de tocar no assunto durante sua visita, suas palavras "não terão grande efeito sobre as posições chinesas". "Os novos líderes chineses são tão surdos quanto seus predecessores", afirmou.


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