São Paulo, Sexta-feira, 21 de Maio de 1999
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MISTÉRIO EM ALAGOAS
Ana Luiza Marcolino deve depor amanhã; ela escreve um livro sobre a morte da namorada de PC
Suzana lutou antes de morrer, diz irmã

MÁRIO MAGALHÃES
da Sucursal do Rio


No último dia 28 de abril, um mês depois de a Folha publicar fotografias que provocaram a reabertura das investigações do caso PC, a jornalista e radialista Ana Luiza Marcolino Noaro, irmã de Suzana Marcolino da Silva, escreveu um recado em seu diário.
"Se alguma coisa de mal acontecer comigo ou com alguém da minha família, fica esclarecido aqui que foi pelo mesmo motivo por que assassinaram minha irmã e assassinaram Paulo."
Na mesma mensagem, para ser lida em caso de morte, acrescentou: "Deus sabe quem fez, quem ajudou, quem mandou e quem viu. Eu não odeio nenhum deles, só tenho pena do que poderão se reduzir no final: a nada".
Amanhã, pela primeira vez, Ana Luiza será ouvida pela polícia de Alagoas, que achou por bem dispensar o seu depoimento após as mortes de Suzana e Paulo César Farias, em junho de 1996.
No ano seguinte, a irmã e a mãe de Suzana depuseram ao Ministério Público, contando episódios que nunca foram investigados.
Na entrevista à Folha, Ana Luiza faz novas revelações e antecipa o que dirá aos delegados Antônio Carlos Lessa e Alcides Andrade e ao promotor Luiz Vasconcelos, que também ouvirão pelo menos a mãe e o irmão da namorada de PC.
De acordo com o relato de sua irmã, Suzana Marcolino lutou antes de morrer, chegou a ligar o motor do carro numa tentativa de escapar de seguranças e era seguida por ordem do deputado Augusto Farias (PPB-AL), irmão de PC.
Pela primeira vez, Ana Luiza relata detalhes do que seria uma rede de intrigas em torno da irmã. Um segurança teria confidenciado ter visto Suzana viva às 6h, no quarto onde PC já estava morto.
A entrevista foi dada por telefone da cidade do Nordeste onde Ana Luiza mora com o marido, três filhos, a mãe e o irmão. A pedido da família, a Folha não revela o local, embora em Maceió dezenas de pessoas saibam qual é.
Apesar de citar nomes, fatos e fazer suposições que, se confirmadas, enfraqueceriam ainda mais a versão oficial de que Suzana matou PC e se suicidou, Ana Luiza diz pouco temer retaliações: "A nossa garantia de vida é que não sabemos realmente o que ocorreu."
A seguir, trechos da entrevista que sintetiza "Quem suicidou Suzana?", o livro que Ana Luiza, 39, está terminando de escrever.
Folha - Como a sra. diz ter certeza de que sua irmã não matou PC e se suicidou a seguir?
Ana Luiza Marcolino Noaro -
Se alguém dissesse "você tem que matar Paulo", ela preferiria morrer a fazer isso. Não tinha motivos para matar nem para se matar.
Folha - O que a sra. acha que aconteceu?
Ana -
Eu acho que minha irmã e Paulo foram assassinados.
Folha - Por quem?
Ana -
Minha mãe diz que desconfia. Eu nem isso, porque quando penso na quantidade de pessoas que podem estar envolvidas, não tenho nem dimensão para dizer quem fez, quem mandou.
Folha - Nunca ninguém lhe procurou para contar alguma coisa?
Ana -
Nós soubemos, muito depois, que Suzana chegou a ligar a máquina do carro para ir embora, e os seguranças a tiraram à força do carro. A gente acredita nisso.
Folha - Suzana estaria tentando fugir?
Ana -
Ela não estava tentando fugir, mas sair. Sentiu que iria morrer, que corria perigo de vida. Passou momentos de muito sufoco, acho que sofreu muito antes de morrer, foi muito martirizada.
Folha - Quem disse?
Ana -
Não gostaria de falar o nome da pessoa.
Folha - A sra. notou algo estranho no cadáver de Suzana?
Ana -
Eu percebi no necrotério o pescoço da minha irmã muito mole, ela não ficava com os olhos para cima, só com a cabeça voltada para um lado ou para o outro.
Meu irmão entrou em choque quando viu que a testa e as pernas tinham hematomas. Ele abriu o lábio inferior e dentro estava machucado, rompido, com sangue. Ela lutou para não morrer.
Folha - Alguma outra coisa chamou a atenção?
Ana -
Andréia Goldstein (fisioterapeuta, prima distante de Suzana Marcolino) me contou algo que aconteceu no velório. Uma pessoa identificada por ela como a caseira de Paulo (Marisa Carvalho, ainda hoje funcionária dos Farias) abraçou minha irmã. Chorando, dizia: "Só Deus sabe o que essa coitada passou. E o culpado de tudo isso é aquele segurança".
A caseira mostrou a barriga e disse que a havia queimado enquanto estava fazendo café e ouviu o tiro contra Suzana.
Folha - A cabeleireira Rosa Maria Alves de Souza (que atendeu Suzana horas antes das mortes) disse à polícia na semana passada que havia um segurança de PC com quem Suzana se dava muito bem e um com quem tinha problemas. Quem são eles?
Ana -
Reinaldo (Correia de Lima Filho, policial militar que até hoje trabalha para os Farias) era o que ela adorava e dizia ser amigo particular dela, sabia de todos os segredos e lhe contava tudo o que acontecia na casa de Paulo. Ela deu um emprego para uma namorada dele, Daniela, na loja dela.
Quando minha irmã morreu, Daniela foi à minha casa receber de minha mãe o que tinha direito. Ela disse que, quando Suzana morreu, recebeu logo cedo um telefonema de Reinaldo dizendo para ficar calma, tranquila, que não iria acontecer nada com ela, mas que precisaria depor. Depois, Daniela disse que não tinha nada com Reinaldo.
Folha - Até hoje esse segurança trabalha para a família Farias. Vocês o viram novamente?
Ana -
Mamãe contou que, quando Reinaldo entregou as coisas de minha irmã nos fundos do IML (Instituto Médico Legal) ao meu padrasto, Heraldo Rodrigues, ele disse que tinha chegado na casa de praia às 6h e encontrado minha irmã viva, acuada e encolhida num canto, e Paulo morto.
Os outros seguranças então vieram e a levaram. Reinaldo foi juntar as coisas de Suzana para depois nos entregar. No IML, estava num estado deplorável, tremia dos pés à cabeça.
Folha - A sra. acredita nessa história?
Ana -
Meu padrasto não mente. Sobre o que Reinaldo falou, há alguma mentira, já que ele disse à polícia que chegou à casa de praia às 10h. Minha irmã devia estar mesmo viva às 6h, mas com certeza não foi ela quem matou Paulo.
Reinaldo não iria contar toda a verdade ao meu padrasto, evidentemente, mas disse a ele que ela estava viva. Como é que se explica?
Folha - Mas Suzana não poderia ter sido assassinada após matar PC?
Ana -
Como é que uma pessoa mata um homem da importância de Paulo e imediatamente matam quem matou? Se ela tivesse feito isso, deixariam que ficasse viva para contar por que matou e quem foi o mandante. Mataram minha irmã para justificar o assassinato de Paulo. É nisso que minha família acredita. Se o passional fosse verídico, a investigação não teria falhas, ninguém teria mentido, não haveria contradições.
Folha - E o segurança com quem Suzana teria problemas?
Ana -
Não sei. Mas Flávio Almeida, que havia sido seu namorado, no começo tentou fazer encrenca dela para Paulo. Paulo disse a ele que tinha que respeitá-la, chamá-la de "dona Suzana". Que respeitasse porque no momento ela era namorada dele, que o passado estava morto.
Folha - A relação entre Suzana e Flávio Almeida terminara de fato?
Ana -
Sim. Mas, antes, Suzana gostou muito de Flávio. Namoraram várias vezes.
Depois, uma vez, Zélia Maciel ligou para minha irmã e contou que, numa festa chamada Precaju, em Aracaju, Flávio tinha bebido, ficado embriagado e que tinha dito que não suportava a situação que estava vivendo, que Paulo o estava humilhando muito, por causa da minha irmã. Que ele ainda gostava da minha irmã. Zélia é prima de Flávio.
Folha - Dias antes de morrer, sua irmã foi seguida por detetives particulares em São Paulo. Isso ocorria também em Maceió?
Ana -
Minha irmã foi tão seguida em Maceió que, numa das vezes uma senhora, em cuja casa ela havia ido, ligou para minha mãe dizendo que o filho tinha visto um carro seguindo Suzana. Ela disse em casa que, quando começou a namorar com Paulo, foi seguida durante dois meses a mando de Augusto Farias.
Folha - Como ela poderia saber que a ordem era de Augusto?
Ana -
Porque havia uma pessoa na casa de Paulo que contou a ela. Não sei se foi Reinaldo ou Gilson . Quando foi para São Paulo, foi avisada de que iria ser seguida.
E aí surgiu a história do dentista que deu uns amassos e outras coisas. Então eu pergunto: será que não foi armado também?
É como se ela estivesse andando num tapete e, em cada cantinho em que pisou, tivesse um alfinete. Cada alfinete alfinetou a vida dela depois de morta.
Folha - O celular de Suzana desapareceu. A sra. sabe quem ficou com ele?
Ana -
Não. No dia seguinte à morte de Suzana, meu irmão ligou para o número do celular dela e uma pessoa atendeu, só que não disse "alô", apenas abriu o telefone, não se identificou e desligou. Ele continuou ligando e nunca mais foi atendido.
Folha - Como a sra. soube das mortes?
Ana -
Pela TV, à tarde. Há um telefonema incrível, entre as 10h e as 10h30, de Ângela Maciel . Ligou perguntando pela minha irmã. Só que ela sabia que minha irmã passava os fins-de-semana com Paulo.
Eu penso que ela já sabia que minha irmã estava morta e queria saber se a gente sabia. Eu disse: "Você não sabe que ela passa o fim-de-semana na casa de Paulo?" Ela respondeu: "Tem certeza?".
Folha - Vocês voltaram a se encontrar com as irmãs Maciel depois das mortes?
Ana -
Minha mãe teve um encontro casual com Zélia, no salão de beleza de Rosa Maria. Ela disse para minha mãe: "O que é que vocês queriam que eu fizesse?"
Minha mãe: "Por que você não disse à polícia que minha filha não era uma suicida, que não tinha coragem de matar nem um mosquito?" Zélia: "Como é que você queria que eu enfrentasse a família Farias? Quem sou eu? Qual a minha força?".
Folha - Por que a sra. foi embora de Maceió dois meses após as mortes?
Ana -
Nós tínhamos medo até das paredes. Uma pessoa, levando recado de Flávio Almeida, esteve na minha casa dizendo que as paredes tinham ouvidos, que os telefones tinham escuta. Nós já estávamos num clima terrível, amedrontados por tudo. Quando veio esse recado, ficamos pior.
Para combinar nossa saída de Maceió, falávamos nos jardins, com medo de falar dentro de casa. Meu carro foi arrombado, há registro em delegacia. A pessoa que levou o recado de Flávio era Iran Nunes. Irmão dos nossos irmãos por parte de pai, Iran nunca tinha ido à nossa casa. Andava sempre com Flávio. Minha irmã arranjou um trabalho para ele com a família Farias, acho que num comitê de Augusto.
Folha - Houve outras conversas?
Ana -
Recebi um telefonema em São Paulo de um senhor que se dizia porta-voz da família Farias. Ele sabia que eu estava indo participar do programa do Jô Soares.
Pediu que eu fosse comedida para evitar "outros traumas", porque a imprensa estava querendo colocar uma família contra a outra. Para qualquer coisa que eu precisasse, deveria telefonar para ele, que deixou o número do celular.


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