|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MISTÉRIO EM ALAGOAS
Ana Luiza Marcolino deve depor amanhã; ela escreve um livro sobre a morte da namorada de PC
Suzana lutou antes de morrer, diz irmã
MÁRIO MAGALHÃES
da Sucursal do Rio
No último dia
28 de abril, um
mês depois de a
Folha publicar
fotografias que
provocaram a
reabertura das
investigações do
caso PC, a jornalista e radialista
Ana Luiza Marcolino Noaro, irmã
de Suzana Marcolino da Silva, escreveu um recado em seu diário.
"Se alguma coisa de mal acontecer comigo ou com alguém da minha família, fica esclarecido aqui
que foi pelo mesmo motivo por
que assassinaram minha irmã e assassinaram Paulo."
Na mesma mensagem, para ser
lida em caso de morte, acrescentou: "Deus sabe quem fez, quem
ajudou, quem mandou e quem viu.
Eu não odeio nenhum deles, só tenho pena do que poderão se reduzir no final: a nada".
Amanhã, pela primeira vez, Ana
Luiza será ouvida pela polícia de
Alagoas, que achou por bem dispensar o seu depoimento após as
mortes de Suzana e Paulo César
Farias, em junho de 1996.
No ano seguinte, a irmã e a mãe
de Suzana depuseram ao Ministério Público, contando episódios
que nunca foram investigados.
Na entrevista à Folha, Ana Luiza
faz novas revelações e antecipa o
que dirá aos delegados Antônio
Carlos Lessa e Alcides Andrade e
ao promotor Luiz Vasconcelos,
que também ouvirão pelo menos a
mãe e o irmão da namorada de PC.
De acordo com o relato de sua irmã, Suzana Marcolino lutou antes
de morrer, chegou a ligar o motor
do carro numa tentativa de escapar de seguranças e era seguida
por ordem do deputado Augusto
Farias (PPB-AL), irmão de PC.
Pela primeira vez, Ana Luiza relata detalhes do que seria uma rede
de intrigas em torno da irmã. Um
segurança teria confidenciado ter
visto Suzana viva às 6h, no quarto
onde PC já estava morto.
A entrevista foi dada por telefone
da cidade do Nordeste onde Ana
Luiza mora com o marido, três filhos, a mãe e o irmão. A pedido da
família, a Folha não revela o local,
embora em Maceió dezenas de
pessoas saibam qual é.
Apesar de citar nomes, fatos e fazer suposições que, se confirmadas, enfraqueceriam ainda mais a
versão oficial de que Suzana matou
PC e se suicidou, Ana Luiza diz
pouco temer retaliações: "A nossa
garantia de vida é que não sabemos realmente o que ocorreu."
A seguir, trechos da entrevista
que sintetiza "Quem suicidou Suzana?", o livro que Ana Luiza, 39,
está terminando de escrever.
Folha - Como a sra. diz ter certeza
de que sua irmã não matou PC e se
suicidou a seguir?
Ana Luiza Marcolino Noaro - Se
alguém dissesse "você tem que
matar Paulo", ela preferiria morrer
a fazer isso. Não tinha motivos para matar nem para se matar.
Folha - O que a sra. acha que
aconteceu?
Ana - Eu acho que minha irmã e
Paulo foram assassinados.
Folha - Por quem?
Ana - Minha mãe diz que desconfia. Eu nem isso, porque quando
penso na quantidade de pessoas
que podem estar envolvidas, não
tenho nem dimensão para dizer
quem fez, quem mandou.
Folha - Nunca ninguém lhe procurou para contar alguma coisa?
Ana - Nós soubemos, muito depois, que Suzana chegou a ligar a
máquina do carro para ir embora,
e os seguranças a tiraram à força
do carro. A gente acredita nisso.
Folha - Suzana estaria tentando
fugir?
Ana - Ela não estava tentando fugir, mas sair. Sentiu que iria morrer, que corria perigo de vida. Passou momentos de muito sufoco,
acho que sofreu muito antes de
morrer, foi muito martirizada.
Folha - Quem disse?
Ana - Não gostaria de falar o nome da pessoa.
Folha - A sra. notou algo estranho no cadáver de Suzana?
Ana - Eu percebi no necrotério o
pescoço da minha irmã muito mole, ela não ficava com os olhos para
cima, só com a cabeça voltada para
um lado ou para o outro.
Meu irmão entrou em choque
quando viu que a testa e as pernas
tinham hematomas. Ele abriu o lábio inferior e dentro estava machucado, rompido, com sangue.
Ela lutou para não morrer.
Folha - Alguma outra coisa chamou a atenção?
Ana - Andréia Goldstein (fisioterapeuta, prima distante de Suzana
Marcolino) me contou algo que
aconteceu no velório. Uma pessoa
identificada por ela como a caseira
de Paulo (Marisa Carvalho, ainda
hoje funcionária dos Farias) abraçou minha irmã. Chorando, dizia:
"Só Deus sabe o que essa coitada
passou. E o culpado de tudo isso é
aquele segurança".
A caseira mostrou a barriga e disse que a havia queimado enquanto
estava fazendo café e ouviu o tiro
contra Suzana.
Folha - A cabeleireira Rosa Maria
Alves de Souza (que atendeu Suzana horas antes das mortes) disse à
polícia na semana passada que havia um segurança de PC com quem
Suzana se dava muito bem e um
com quem tinha problemas. Quem
são eles?
Ana - Reinaldo (Correia de Lima
Filho, policial militar que até hoje
trabalha para os Farias) era o que
ela adorava e dizia ser amigo particular dela, sabia de todos os segredos e lhe contava tudo o que acontecia na casa de Paulo. Ela deu um
emprego para uma namorada dele, Daniela, na loja dela.
Quando minha irmã morreu,
Daniela foi à minha casa receber de
minha mãe o que tinha direito. Ela
disse que, quando Suzana morreu,
recebeu logo cedo um telefonema
de Reinaldo dizendo para ficar calma, tranquila, que não iria acontecer nada com ela, mas que precisaria depor. Depois, Daniela disse
que não tinha nada com Reinaldo.
Folha - Até hoje esse segurança
trabalha para a família Farias. Vocês o viram novamente?
Ana - Mamãe contou que, quando Reinaldo entregou as coisas de
minha irmã nos fundos do IML
(Instituto Médico Legal) ao meu
padrasto, Heraldo Rodrigues, ele
disse que tinha chegado na casa de
praia às 6h e encontrado minha irmã viva, acuada e encolhida num
canto, e Paulo morto.
Os outros seguranças então vieram e a levaram. Reinaldo foi juntar as coisas de Suzana para depois
nos entregar. No IML, estava num
estado deplorável, tremia dos pés à
cabeça.
Folha - A sra. acredita nessa história?
Ana - Meu padrasto não mente.
Sobre o que Reinaldo falou, há alguma mentira, já que ele disse à
polícia que chegou à casa de praia
às 10h. Minha irmã devia estar
mesmo viva às 6h, mas com certeza não foi ela quem matou Paulo.
Reinaldo não iria contar toda a
verdade ao meu padrasto, evidentemente, mas disse a ele que ela estava viva. Como é que se explica?
Folha - Mas Suzana não poderia
ter sido assassinada após matar
PC?
Ana - Como é que uma pessoa
mata um homem da importância
de Paulo e imediatamente matam
quem matou? Se ela tivesse feito isso, deixariam que ficasse viva para
contar por que matou e quem foi o
mandante. Mataram minha irmã
para justificar o assassinato de
Paulo. É nisso que minha família
acredita. Se o passional fosse verídico, a investigação não teria falhas, ninguém teria mentido, não
haveria contradições.
Folha - E o segurança com quem
Suzana teria problemas?
Ana - Não sei. Mas Flávio Almeida, que havia sido seu namorado,
no começo tentou fazer encrenca
dela para Paulo. Paulo disse a ele
que tinha que respeitá-la, chamá-la de "dona Suzana". Que respeitasse porque no momento ela era
namorada dele, que o passado estava morto.
Folha - A relação entre Suzana e
Flávio Almeida terminara de fato?
Ana - Sim. Mas, antes, Suzana
gostou muito de Flávio. Namoraram várias vezes.
Depois, uma vez, Zélia Maciel ligou para minha irmã e contou que,
numa festa chamada Precaju, em
Aracaju, Flávio tinha bebido, ficado embriagado e que tinha dito
que não suportava a situação que
estava vivendo, que Paulo o estava
humilhando muito, por causa da
minha irmã. Que ele ainda gostava
da minha irmã. Zélia é prima de
Flávio.
Folha - Dias antes de morrer, sua
irmã foi seguida por detetives particulares em São Paulo. Isso ocorria
também em Maceió?
Ana - Minha irmã foi tão seguida
em Maceió que, numa das vezes
uma senhora, em cuja casa ela havia ido, ligou para minha mãe dizendo que o filho tinha visto um
carro seguindo Suzana. Ela disse
em casa que, quando começou a
namorar com Paulo, foi seguida
durante dois meses a mando de
Augusto Farias.
Folha - Como ela poderia saber
que a ordem era de Augusto?
Ana - Porque havia uma pessoa
na casa de Paulo que contou a ela.
Não sei se foi Reinaldo ou Gilson .
Quando foi para São Paulo, foi avisada de que iria ser seguida.
E aí surgiu a história do dentista
que deu uns amassos e outras coisas. Então eu pergunto: será que
não foi armado também?
É como se ela estivesse andando
num tapete e, em cada cantinho
em que pisou, tivesse um alfinete.
Cada alfinete alfinetou a vida dela
depois de morta.
Folha - O celular de Suzana desapareceu. A sra. sabe quem ficou
com ele?
Ana - Não. No dia seguinte à
morte de Suzana, meu irmão ligou
para o número do celular dela e
uma pessoa atendeu, só que não
disse "alô", apenas abriu o telefone, não se identificou e desligou.
Ele continuou ligando e nunca
mais foi atendido.
Folha - Como a sra. soube das
mortes?
Ana - Pela TV, à tarde. Há um telefonema incrível, entre as 10h e as
10h30, de Ângela Maciel . Ligou
perguntando pela minha irmã. Só
que ela sabia que minha irmã passava os fins-de-semana com Paulo.
Eu penso que ela já sabia que minha irmã estava morta e queria saber se a gente sabia. Eu disse: "Você não sabe que ela passa o fim-de-semana na casa de Paulo?" Ela respondeu: "Tem certeza?".
Folha - Vocês voltaram a se encontrar com as irmãs Maciel depois
das mortes?
Ana - Minha mãe teve um encontro casual com Zélia, no salão de
beleza de Rosa Maria. Ela disse para minha mãe: "O que é que vocês
queriam que eu fizesse?"
Minha mãe: "Por que você não
disse à polícia que minha filha não
era uma suicida, que não tinha coragem de matar nem um mosquito?" Zélia: "Como é que você queria que eu enfrentasse a família Farias? Quem sou eu? Qual a minha
força?".
Folha - Por que a sra. foi embora
de Maceió dois meses após as mortes?
Ana - Nós tínhamos medo até das
paredes. Uma pessoa, levando recado de Flávio Almeida, esteve na
minha casa dizendo que as paredes
tinham ouvidos, que os telefones
tinham escuta. Nós já estávamos
num clima terrível, amedrontados
por tudo. Quando veio esse recado, ficamos pior.
Para combinar nossa saída de
Maceió, falávamos nos jardins,
com medo de falar dentro de casa.
Meu carro foi arrombado, há registro em delegacia. A pessoa que
levou o recado de Flávio era Iran
Nunes. Irmão dos nossos irmãos
por parte de pai, Iran nunca tinha
ido à nossa casa. Andava sempre
com Flávio. Minha irmã arranjou
um trabalho para ele com a família
Farias, acho que num comitê de
Augusto.
Folha - Houve outras conversas?
Ana - Recebi um telefonema em
São Paulo de um senhor que se dizia porta-voz da família Farias. Ele
sabia que eu estava indo participar
do programa do Jô Soares.
Pediu que eu fosse comedida para evitar "outros traumas", porque
a imprensa estava querendo colocar uma família contra a outra. Para qualquer coisa que eu precisasse, deveria telefonar para ele, que
deixou o número do celular.
Texto Anterior: Celso Pinto: A decepção da balança Próximo Texto: Outro lado: Para advogado dos Farias, acusações são inverídicas Índice
|