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PT SOB SUSPEITA
Segundo João Francisco, prefeito assassinado iria tomar providências contra máfia, mas não teve tempo
Celso Daniel se rebelou e foi morto, diz irmão
Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem
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João Francisco Daniel, irmão do prefeito de Santo André, Celso Daniel, durante entrevista |
LIEGE ALBUQUERQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
O oftalmologista João Francisco
Daniel, 56, acredita que seu irmão, o prefeito Celso Daniel, foi
assassinado porque teria "se rebelado" contra o suposto esquema
de propinas cobradas por colaboradores seus na Prefeitura de Santo André para "financiar campanhas do PT".
"Ele chegou a falar para Miriam
[Belchior, ex-mulher do prefeito"
que iria tomar providências
quanto a isso em setembro, mas
não deu tempo", disse.
João Francisco tirou todo o dia
de ontem para dar entrevistas.
Desmarcou consultas, e três pacientes acabaram sendo atendidos pela filha, Ana Cristina, 26.
O médico, transparecendo serenidade e firmeza na voz, repetiu
frases como se as tivesse decorado: "O PT é igual aos outros partidos" ou "Faço isso para dormir
tranquilo e, se algo acontecer comigo, é a prova de que tudo é verdade".
João Francisco fez questão de
afirmar que fazia as denúncias
com apoio da família e só falou
porque o Ministério Público acabou "revelando a história".
Mas seu depoimento ao MP
afirma que ele procurou o órgão
"voluntariamente". Disse não temer macular a imagem do irmão.
"Ele concordaria comigo, de onde
estivesse. Deve estar num lugar
apartidário".
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Folha - O sr. foi procurado por algum partido antes ou depois do depoimento ao MP?
João Francisco Daniel - Não.
Folha - Por que só agora o sr. resolveu falar?
João Francisco - Fui procurado
pela Promotoria para falar e agora
estou dando entrevistas. Quem
me procurou foi a dra. Marcia
[Monassi Bonfim" e depois dr.
Amaro [José Thomé Filho" .
Folha - Mas por que o procuraram?
João Francisco - Porque eles tinham o depoimento da Rosângela Gabrilli e ela, acredito, falou no
meu nome.
Folha - Por quê?
João Francisco - Porque ela me
procurou para pedir uma ajuda,
para que eu servisse de elo entre
ela e o secretário de Transportes,
o Klinger [Luiz de Oliveira Souza".
Folha - Em seu depoimento o sr.
fala que soube de tudo por Miriam
e por Gilberto [Carvalho", nunca
por seu irmão? Não falou disso com
ele?
João Francisco - Falei, mas uma
vez só, e não sobre propina, só sobre a possibilidade de Rosângela
falar com alguém da secretaria.
Folha - Por que eles, Gilberto e
Miriam, falaram com o sr.?
João Francisco - Acho que quiseram desabafar depois da morte do
Celso, lavagem de alma. Tenho,
ou tinha, acho, bom relacionamento com eles, mas eles são homens de partido, vão negar tudo.
Folha - O que foi conversado?
João Francisco - Falamos mais
nas investigações da morte dele.
Foi quando Gilberto chegou a me
dizer que entregou R$ 1,2 milhão
para o José Dirceu de uma vez só.
A Prefeitura de Santo André era a
maior arrecadadora do país para
campanhas do PT.
Folha - O sr. tem algum documento, alguma prova do que falou ao
MP?
João Francisco - Não, não tenho.
Você acha que eu iria agir de má-fé, usar gravador no MP? Não.
Folha - Vamos fazer uma cronologia. O primeiro contato com quem
denunciou as propinas, o sr. lembra a data?
João Francisco - Foi no final de
99, não lembro a data. Foi com o
pai da Rosângela, sr. Ângelo Gabrilli, que foi muito amigo de nosso pai. Ele pediu que eu servisse
de elo com o secretário. Não falou
em propina. Nesse caso, falei com
Celso e ele pediu para que o secretário Klinger me ligasse.
Folha - E ele ligou?
João Francisco - Ligou e entendi,
na minha ingenuidade, que ele
iria procurar o Gabrilli.
Folha - E depois, qual o próximo
contato com a história?
João Francisco - Em meados de
2001. Comecei a encontrar Rosângela, encontrei várias vezes com
ela, o pai dela já estava doente. Daí
ela já falou em propinas.
Folha - Mas mesmo assim o sr.
não falou com seu irmão?
João Francisco - Eu ia falar em janeiro com ele. Fiquei emocionado
em saber que meu irmão iria
coordenar a campanha do PT. Eu
não gostava de incomodar o Celso, sabe, ele era um filósofo.
Folha - Quanto que Rosângela
disse que tinha de pagar?
João Francisco - Uns R$ 40 mil
por mês, quando não podia, era
ameaçada. Sérgio [Gomes da Silva", segundo Gilberto, tinha uma
forma nada amigável de cobrar,
com o revólver em cima da mesa.
Folha - Então quando o sr. chegou
no MP já tinha essa apuração?
João Francisco - Já sim, partiu da
Rosângela e do Ângelo, acho que
depois da morte de meu irmão.
Folha - De quem o sr. ouviu que a
propina era usada para caixa dois?
João Francisco - Do Gilberto. Ele
disse que era para a campanha da
Marta [Suplicy" e do Lula.
Folha - No seu depoimento ao MP
o sr. fala que teria uma outra testemunha das conversas que teve com
o Gilberto e Miriam. Quem é?
João Francisco - Basta eu, né? Essa pessoa tenho de preservar e
vou falar se o MP quiser.
Folha - O sr. está fazendo uma denúncia grave, tem noção do impacto político disso e para sua vida? o
presidente do PT, José Dirceu, disse
que poderia processá-lo.
João Francisco - Eu não estou difamando ninguém, Dirceu devia
ficar zangado com o Gilberto, não
comigo.
Folha - E sobre seus riscos?
João Francisco - Ser processado é
o de menos, o problema é o risco
de vida.
Folha - O sr. está com medo?
João Francisco - Medo normal.
Mas se acontecer algo comigo fica
provado que é verdade.
Folha - O que foi surpresa para o
MP?
João Francisco - A conversa com
Miriam e Gilberto, ter usado para
campanha o dinheiro. Foi uma
surpresa para eles. E tenho quase
certeza que eles acreditaram em
mim, viu? Se eu tivesse mal intencionado, teria usado um gravador
com Miriam e Gilberto.
Folha - Mas não é complicado o sr.
repassar isso sem ter prova?
João Francisco - Mas, olhe, se um
homem de confiança da cúpula
do partido e do prefeito me procura para falar isso, você acha que
ele estaria mentindo? A troco de
quê estaria falando isso?
Folha - Por que o sr. está fazendo
essas denúncias?
João Francisco - Porque queria
ficar de alma lavada, por isso falei
ao MP. Para ficar tranquilo. Para
todo mundo ver que o PT é igual
aos outros. Age igual nas eleições,
com caixa dois, no esquema de arrecadação. Quero que isso sirva
para o povo escolher melhor seu
candidato. Não sei quem é o melhor.
Folha - O sr. não se incomoda em
apontar que seu irmão foi supostamente corrupto?
João Francisco - Paciência, acho
que ele não está zangado comigo
de onde está. Deve estar num lugar apartidário.
Folha - O sr. acha que o assassinato de seu irmão foi por motivos comuns?
João Francisco - Não, não acho. o
processo de investigação não foi
bem conduzido, ele foi assassinado porque se rebelou contra o esquema.
Folha - Ele chegou a falar para o
sr. que iria tomar providência?
João Francisco - A mim não, mas
a Miriam sim, tinha garantido para ela que iria tomar providência a
partir de setembro.
Folha - O que o sr. achava de seu
irmão?
João Francisco - Acho que meu
irmão tinha uma das maiores cabeças do país, era competente e
honesto.
Folha - Mas o sr. está acusando
ele de corrupção?
João Francisco - É, eu sabia, infelizmente, que iria chamuscar a
imagem. Mas prefiro que ele tenha a imagem chamuscada e que
o brasileiro saiba que o PT, que
está em primeiro lugar nas pesquisas, não difere em nada dos
outros. Mas queria que esse desnível social no Brasil mudasse.
Quando viajo para o exterior dá
chateação de falar que é brasileiro.
Folha - O sr. não aceita que o assassinato foi crime comum?
João Francisco - Não aceito e
continuo não aceitando.
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