São Paulo, sexta-feira, 21 de junho de 2002

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PT SOB SUSPEITA

Segundo João Francisco, prefeito assassinado iria tomar providências contra máfia, mas não teve tempo

Celso Daniel se rebelou e foi morto, diz irmão

Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem
João Francisco Daniel, irmão do prefeito de Santo André, Celso Daniel, durante entrevista


LIEGE ALBUQUERQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

O oftalmologista João Francisco Daniel, 56, acredita que seu irmão, o prefeito Celso Daniel, foi assassinado porque teria "se rebelado" contra o suposto esquema de propinas cobradas por colaboradores seus na Prefeitura de Santo André para "financiar campanhas do PT".
"Ele chegou a falar para Miriam [Belchior, ex-mulher do prefeito" que iria tomar providências quanto a isso em setembro, mas não deu tempo", disse.
João Francisco tirou todo o dia de ontem para dar entrevistas. Desmarcou consultas, e três pacientes acabaram sendo atendidos pela filha, Ana Cristina, 26.
O médico, transparecendo serenidade e firmeza na voz, repetiu frases como se as tivesse decorado: "O PT é igual aos outros partidos" ou "Faço isso para dormir tranquilo e, se algo acontecer comigo, é a prova de que tudo é verdade".
João Francisco fez questão de afirmar que fazia as denúncias com apoio da família e só falou porque o Ministério Público acabou "revelando a história".
Mas seu depoimento ao MP afirma que ele procurou o órgão "voluntariamente". Disse não temer macular a imagem do irmão. "Ele concordaria comigo, de onde estivesse. Deve estar num lugar apartidário".
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
 

Folha - O sr. foi procurado por algum partido antes ou depois do depoimento ao MP?
João Francisco Daniel -
Não.

Folha - Por que só agora o sr. resolveu falar?
João Francisco -
Fui procurado pela Promotoria para falar e agora estou dando entrevistas. Quem me procurou foi a dra. Marcia [Monassi Bonfim" e depois dr. Amaro [José Thomé Filho" .

Folha - Mas por que o procuraram?
João Francisco -
Porque eles tinham o depoimento da Rosângela Gabrilli e ela, acredito, falou no meu nome.

Folha - Por quê?
João Francisco -
Porque ela me procurou para pedir uma ajuda, para que eu servisse de elo entre ela e o secretário de Transportes, o Klinger [Luiz de Oliveira Souza".

Folha - Em seu depoimento o sr. fala que soube de tudo por Miriam e por Gilberto [Carvalho", nunca por seu irmão? Não falou disso com ele?
João Francisco -
Falei, mas uma vez só, e não sobre propina, só sobre a possibilidade de Rosângela falar com alguém da secretaria.

Folha - Por que eles, Gilberto e Miriam, falaram com o sr.?
João Francisco -
Acho que quiseram desabafar depois da morte do Celso, lavagem de alma. Tenho, ou tinha, acho, bom relacionamento com eles, mas eles são homens de partido, vão negar tudo.

Folha - O que foi conversado?
João Francisco -
Falamos mais nas investigações da morte dele. Foi quando Gilberto chegou a me dizer que entregou R$ 1,2 milhão para o José Dirceu de uma vez só. A Prefeitura de Santo André era a maior arrecadadora do país para campanhas do PT.

Folha - O sr. tem algum documento, alguma prova do que falou ao MP?
João Francisco -
Não, não tenho. Você acha que eu iria agir de má-fé, usar gravador no MP? Não.

Folha - Vamos fazer uma cronologia. O primeiro contato com quem denunciou as propinas, o sr. lembra a data?
João Francisco -
Foi no final de 99, não lembro a data. Foi com o pai da Rosângela, sr. Ângelo Gabrilli, que foi muito amigo de nosso pai. Ele pediu que eu servisse de elo com o secretário. Não falou em propina. Nesse caso, falei com Celso e ele pediu para que o secretário Klinger me ligasse.

Folha - E ele ligou?
João Francisco -
Ligou e entendi, na minha ingenuidade, que ele iria procurar o Gabrilli.

Folha - E depois, qual o próximo contato com a história?
João Francisco -
Em meados de 2001. Comecei a encontrar Rosângela, encontrei várias vezes com ela, o pai dela já estava doente. Daí ela já falou em propinas.

Folha - Mas mesmo assim o sr. não falou com seu irmão?
João Francisco -
Eu ia falar em janeiro com ele. Fiquei emocionado em saber que meu irmão iria coordenar a campanha do PT. Eu não gostava de incomodar o Celso, sabe, ele era um filósofo.

Folha - Quanto que Rosângela disse que tinha de pagar?
João Francisco -
Uns R$ 40 mil por mês, quando não podia, era ameaçada. Sérgio [Gomes da Silva", segundo Gilberto, tinha uma forma nada amigável de cobrar, com o revólver em cima da mesa.

Folha - Então quando o sr. chegou no MP já tinha essa apuração?
João Francisco -
Já sim, partiu da Rosângela e do Ângelo, acho que depois da morte de meu irmão.

Folha - De quem o sr. ouviu que a propina era usada para caixa dois?
João Francisco -
Do Gilberto. Ele disse que era para a campanha da Marta [Suplicy" e do Lula.

Folha - No seu depoimento ao MP o sr. fala que teria uma outra testemunha das conversas que teve com o Gilberto e Miriam. Quem é?
João Francisco -
Basta eu, né? Essa pessoa tenho de preservar e vou falar se o MP quiser.

Folha - O sr. está fazendo uma denúncia grave, tem noção do impacto político disso e para sua vida? o presidente do PT, José Dirceu, disse que poderia processá-lo.
João Francisco -
Eu não estou difamando ninguém, Dirceu devia ficar zangado com o Gilberto, não comigo.

Folha - E sobre seus riscos?
João Francisco -
Ser processado é o de menos, o problema é o risco de vida.

Folha - O sr. está com medo?
João Francisco -
Medo normal. Mas se acontecer algo comigo fica provado que é verdade.

Folha - O que foi surpresa para o MP?
João Francisco -
A conversa com Miriam e Gilberto, ter usado para campanha o dinheiro. Foi uma surpresa para eles. E tenho quase certeza que eles acreditaram em mim, viu? Se eu tivesse mal intencionado, teria usado um gravador com Miriam e Gilberto.

Folha - Mas não é complicado o sr. repassar isso sem ter prova?
João Francisco -
Mas, olhe, se um homem de confiança da cúpula do partido e do prefeito me procura para falar isso, você acha que ele estaria mentindo? A troco de quê estaria falando isso?

Folha - Por que o sr. está fazendo essas denúncias?
João Francisco -
Porque queria ficar de alma lavada, por isso falei ao MP. Para ficar tranquilo. Para todo mundo ver que o PT é igual aos outros. Age igual nas eleições, com caixa dois, no esquema de arrecadação. Quero que isso sirva para o povo escolher melhor seu candidato. Não sei quem é o melhor.

Folha - O sr. não se incomoda em apontar que seu irmão foi supostamente corrupto?
João Francisco -
Paciência, acho que ele não está zangado comigo de onde está. Deve estar num lugar apartidário.

Folha - O sr. acha que o assassinato de seu irmão foi por motivos comuns?
João Francisco -
Não, não acho. o processo de investigação não foi bem conduzido, ele foi assassinado porque se rebelou contra o esquema.

Folha - Ele chegou a falar para o sr. que iria tomar providência?
João Francisco -
A mim não, mas a Miriam sim, tinha garantido para ela que iria tomar providência a partir de setembro.

Folha - O que o sr. achava de seu irmão?
João Francisco -
Acho que meu irmão tinha uma das maiores cabeças do país, era competente e honesto.

Folha - Mas o sr. está acusando ele de corrupção?
João Francisco -
É, eu sabia, infelizmente, que iria chamuscar a imagem. Mas prefiro que ele tenha a imagem chamuscada e que o brasileiro saiba que o PT, que está em primeiro lugar nas pesquisas, não difere em nada dos outros. Mas queria que esse desnível social no Brasil mudasse. Quando viajo para o exterior dá chateação de falar que é brasileiro.

Folha - O sr. não aceita que o assassinato foi crime comum?
João Francisco -
Não aceito e continuo não aceitando.



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