São Paulo, segunda-feira, 21 de junho de 2004

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ENTREVISTA DA 2ª - MARK SMITH

Para Mark Smith, lentidão nas decisões no Brasil trava crescimento, e investimento dos EUA no país não deve aumentar

PT tem muitos cozinheiros na mesma cozinha, diz americano

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

O governo do PT tem "muitos cozinheiros na mesma cozinha", e a lentidão no processo decisório está travando o crescimento do Brasil e um aumento significativo dos investimentos internacionais.
Mark Smith, vice-presidente executivo do Conselho de Negócios Brasil-EUA da Câmara Americana de Comércio, afirma que os empresários dos Estados Unidos estão hoje interessados em "buscar mercados onde haja oportunidades de crescimento".
"Não há dúvida de que o par que todos querem levar ao baile hoje é a China. Toda a comunidade empresarial está focada nisso. E certamente o Brasil não está mais na mesma posição que ocupou entre meados e o fim dos anos 90", disse Smith à Folha.
"Quando temos um mercado como a China crescendo a 11% ou 12% ao ano e um crescimento modesto no Brasil, os investimentos simplesmente vão para onde existe um crescimento maior."
Nesta quarta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará em Nova York comandando, com quase uma dezena de seus ministros, um seminário para cerca de 450 empresas e investidores americanos. O objetivo é atrair novos investimentos.
Smith afirma que a tendência das empresas americanas em 2004 é de apenas manter os atuais níveis de operação no Brasil.
Ele alerta, no entanto, que o processo de fechamento de negócios em algumas áreas, como no setor de telecomunicações, pode não ter chegado ainda ao fim.
"Isso dependerá do tipo de moldura e das regras que este governo vai criar. Para deslanchar uma segunda fase de crescimento no Brasil, o país precisará de regras muito claras e transparentes."
Smith diz que muitas das questões regulatórias pendentes dependem exclusivamente da ação do Poder Executivo, sem precisar de aprovação no Congresso.
"A administração Lula tem um processo decisório muito "participativo". Isso tem o benefício de envolver todos os atores no processo, mas também tem o aspecto negativo de tomar muito tempo para decidir. É uma herança do Partido dos Trabalhadores", afirmou Smith.
"Estamos realmente preocupados que este momento seja uma grande oportunidade para o Brasil encontrar soluções regulatórias e novas políticas em áreas microeconômicas. É isso que vai fazer a diferença entre os 3,6% de crescimento previstos atualmente e os 5% que o Brasil realmente precisa para estimular mais investimentos", disse Smith.
Neste cenário, o que o presidente Lula pode esperar das empresas americanas?
"Nossas 75 empresas-membros empregam 215 mil brasileiros e representam 5 entre as 10 maiores exportadoras do país. Estamos envolvidos em todo tipo de programa social no Brasil. Nosso destino está amarrado ao destino do país. Se o Brasil for bem, nós também vamos bem. Essa é a nossa mensagem chave", disse Smith. Leia a entrevista:

 


Folha - Como o sr. vê a iniciativa do presidente Lula de comandar pessoalmente um seminário para investidores? Esse tipo de coisa dá resultado?
Mark Smith -
A iniciativa de Lula de vir aos EUA para se encontrar com investidores é um passo crítico para ajudar o Brasil a liberar o seu potencial de crescimento. Vejo isso como uma medida muito positiva. O governo brasileiro tem feito um bom trabalho para chegar a Wall Street, e creio que agora seja o momento de conquistar a "Main Street" (a rua principal, em inglês, uma referência às empresas produtivas).

Folha - Como o sr. vê a confiança dos investidores industriais no Brasil? O país já chegou a ter mais de US$ 39 bilhões em estoque de investimentos americanos. Hoje, tem menos de US$ 31 bilhões.
Smith -
A percepção dos investidores depende muito do setor em que eles se encontram. A boa notícia é que, parece, o Brasil está no caminho do crescimento e vai se recuperando de uma recessão.
É positivo que o governo, depois de ter se concentrado nos problemas macroeconômicos, comece agora a atacar as questões microeconômicas. E, aparentemente, isso ocorre em discussões conjuntas com o setor privado.

Folha - Mas os problemas regulatórios continuam sendo objeto de reclamações de muitos investidores, não?
Smith -
São questões muito importantes e que ainda estão pendentes. A habilidade de Lula de trabalhar com investidores privados para encontrar uma solução em que todos saiam ganhando nessa área será crítica para retomar a confiança dos investidores internacionais.

Folha - O sr. acha que o governo Lula está sendo ágil nessa área? Já se passaram 17 meses de governo.
Smith -
Acho que precisamos dar um passo atrás e colocar a questão no contexto dos grandes desafios que existem pela frente. O grande desafio é o governo encontrar uma solução que balanceie os interesses públicos, os dos investidores já existentes e os dos novos. É uma fórmula complicada.

Como o sr. vê o apetite dos investidores americanos em relação ao Brasil, já que existem muitos países competindo por dinheiro no momento?
Smith -
Não há dúvida de que o par que todo mundo quer levar ao baile é a China. Toda a comunidade empresarial ao redor do mundo está focada nisso. Todos estão correndo para dar um jeito de entrar no mercado chinês, e, certamente, o Brasil não está mais na mesma posição que ocupou em meados e finais dos anos 90.
Ainda há vários interesses particulares no Brasil, em setores como o agronegócio, por exemplo. Essa é uma área em que o Brasil tem atraído vários novos investidores. Há muitas outras oportunidades em vários setores.
Mas muitos dos investimentos são decididos em função das oportunidades de crescimento. Quando temos um mercado como o da China crescendo a 11% ou 12% ao ano e um crescimento modesto no Brasil, os investimentos simplesmente vão para onde o mercado está crescendo.

Folha - O sr. acha que o crescimento atual no Brasil é sustentável, já que vimos muitos altos e baixos no país nos últimos 20 anos?
Smith -
O Brasil tem feito a coisa certa na área macroeconômica, e isso tem levado a escolhas políticas muito difíceis, como manter uma política de altos superávits primários [economia para o pagamento de juros da dívida]. Há muitas tendências positivas, como a redução do total da dívida indexada ao dólar.
Mas uma das coisas com a qual estamos realmente preocupados é que esperamos que o momento atual seja uma grande oportunidade para o Brasil encontrar estruturas regulatórias e políticas em áreas microeconômicas.
É isso que vai fazer a diferença entre os 3,6% de crescimento previstos atualmente e os 5% ao ano que o Brasil realmente precisa alcançar para estimular mais investimentos e obter todas as boas coisas que vêm acompanhadas com eles.
Em muitos casos, essas pequenas reformas nem têm de ser necessariamente submetidas ao Congresso. Muitas estão sob a alçada exclusiva do Poder Executivo e referem-se apenas a regras que são colocadas em prática em várias áreas.

Folha - Se o governo não precisa do Congresso, qual a razão, na sua opinião, de o Poder Executivo estar demorando tanto para tomar essas decisões?
Smith -
São decisões muito complicadas e há muitos atores envolvidos. A administração Lula também tem um processo de decisão muito "participativo".
Isso tem o benefício de envolver todos os atores no processo, mas também tem o aspecto negativo de tomar muito tempo para decidir.
Essa natureza do processo decisório é uma herança do Partido dos Trabalhadores, do modo como eles tomam decisões.

Folha - Na sua opinião, isso é um patrimônio ou um peso para a atual administração?
Smith -
As duas coisas. Um patrimônio ao acabar refletindo uma série de diferentes opiniões. Mas há o peso de não ser rápido e pode ser muito complicado pelo fato de haver muitos cozinheiros na mesma cozinha.

Folha - Como o sr. vê a situação política do governo Lula, tendo em conta a derrota no Senado, na quinta-feira, na batalha em torno do salário mínimo?
Smith -
Ao ver que o governo Lula não tem a força para fazer valer decisões em áreas como o salário mínimo, sempre há um impacto na percepção dos investidores. Acabamos por ter esse tipo de risco político diretamente associado à habilidade do governo de vencer votações difíceis como essa. Uma coisa está diretamente conectada à outra.

Folha - O sr. tem alguma estimativa de quanto as empresas americanas investirão no Brasil neste ano?
Smith -
O que vimos no início de 2004 era que as empresas estavam mantendo a mesma tendência de manutenção dos investimentos já existentes no país. Isso vale para a maioria das empresas.
Haveria um aumento em alguns setores, embora outros ainda estivessem mesmo interessados em vender suas participações e negócios no Brasil, como na área de telecomunicações, na qual vimos grandes investimentos como da Bell South e BCP serem liquidados. De modo geral, creio que [os investimentos] ficarão estáveis.

Folha - Esse processo de empresas deixando o mercado brasileiro devido a problemas regulatórios e outras dificuldades já terminou?
Smith -
Isso realmente depende. Depende do tipo de moldura e das regras que este governo vai criar. E, como disse, para deslanchar essa segunda fase de crescimento no Brasil, o país precisará de regras muito claras e transparentes. Regras que sejam "amigáveis" em relação às leis de mercado. Se isso ocorrer, haverá estímulo para novos investimentos.


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