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ENTREVISTA DA 2ª - MARK SMITH
Para Mark Smith, lentidão nas decisões no Brasil trava crescimento, e investimento dos EUA no país não deve aumentar
PT tem muitos cozinheiros na mesma cozinha, diz americano
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
O governo do PT tem "muitos
cozinheiros na mesma cozinha", e
a lentidão no processo decisório
está travando o crescimento do
Brasil e um aumento significativo
dos investimentos internacionais.
Mark Smith, vice-presidente
executivo do Conselho de Negócios Brasil-EUA da Câmara Americana de Comércio, afirma que
os empresários dos Estados Unidos estão hoje interessados em
"buscar mercados onde haja
oportunidades de crescimento".
"Não há dúvida de que o par
que todos querem levar ao baile
hoje é a China. Toda a comunidade empresarial está focada nisso.
E certamente o Brasil não está
mais na mesma posição que ocupou entre meados e o fim dos
anos 90", disse Smith à Folha.
"Quando temos um mercado
como a China crescendo a 11% ou
12% ao ano e um crescimento
modesto no Brasil, os investimentos simplesmente vão para onde
existe um crescimento maior."
Nesta quarta-feira, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva estará
em Nova York comandando, com
quase uma dezena de seus ministros, um seminário para cerca de
450 empresas e investidores americanos. O objetivo é atrair novos
investimentos.
Smith afirma que a tendência
das empresas americanas em
2004 é de apenas manter os atuais
níveis de operação no Brasil.
Ele alerta, no entanto, que o
processo de fechamento de negócios em algumas áreas, como no
setor de telecomunicações, pode
não ter chegado ainda ao fim.
"Isso dependerá do tipo de moldura e das regras que este governo
vai criar. Para deslanchar uma segunda fase de crescimento no
Brasil, o país precisará de regras
muito claras e transparentes."
Smith diz que muitas das questões regulatórias pendentes dependem exclusivamente da ação
do Poder Executivo, sem precisar
de aprovação no Congresso.
"A administração Lula tem um
processo decisório muito "participativo". Isso tem o benefício de
envolver todos os atores no processo, mas também tem o aspecto
negativo de tomar muito tempo
para decidir. É uma herança do
Partido dos Trabalhadores", afirmou Smith.
"Estamos realmente preocupados que este momento seja uma
grande oportunidade para o Brasil encontrar soluções regulatórias e novas políticas em áreas microeconômicas. É isso que vai fazer a diferença entre os 3,6% de
crescimento previstos atualmente
e os 5% que o Brasil realmente
precisa para estimular mais investimentos", disse Smith.
Neste cenário, o que o presidente Lula pode esperar das empresas
americanas?
"Nossas 75 empresas-membros
empregam 215 mil brasileiros e
representam 5 entre as 10 maiores
exportadoras do país. Estamos
envolvidos em todo tipo de programa social no Brasil. Nosso destino está amarrado ao destino do
país. Se o Brasil for bem, nós também vamos bem. Essa é a nossa
mensagem chave", disse Smith.
Leia a entrevista:
Folha - Como o sr. vê a iniciativa
do presidente Lula de comandar
pessoalmente um seminário para
investidores? Esse tipo de coisa dá
resultado?
Mark Smith - A iniciativa de Lula
de vir aos EUA para se encontrar
com investidores é um passo crítico para ajudar o Brasil a liberar o
seu potencial de crescimento. Vejo isso como uma medida muito
positiva. O governo brasileiro tem
feito um bom trabalho para chegar a Wall Street, e creio que agora
seja o momento de conquistar a
"Main Street" (a rua principal, em
inglês, uma referência às empresas produtivas).
Folha - Como o sr. vê a confiança
dos investidores industriais no Brasil? O país já chegou a ter mais de
US$ 39 bilhões em estoque de investimentos americanos. Hoje, tem
menos de US$ 31 bilhões.
Smith - A percepção dos investidores depende muito do setor em
que eles se encontram. A boa notícia é que, parece, o Brasil está no
caminho do crescimento e vai se
recuperando de uma recessão.
É positivo que o governo, depois de ter se concentrado nos problemas macroeconômicos, comece
agora a atacar as
questões microeconômicas. E,
aparentemente,
isso ocorre em
discussões conjuntas com o setor
privado.
Folha - Mas os
problemas regulatórios continuam
sendo objeto de reclamações de muitos investidores,
não?
Smith - São questões muito importantes e que ainda
estão pendentes.
A habilidade de
Lula de trabalhar
com investidores
privados para encontrar uma solução em que todos
saiam ganhando nessa área será
crítica para retomar a confiança
dos investidores internacionais.
Folha - O sr. acha que o governo
Lula está sendo ágil nessa área? Já
se passaram 17 meses de governo.
Smith - Acho que precisamos
dar um passo atrás e colocar a
questão no contexto dos grandes
desafios que existem pela frente.
O grande desafio é o governo encontrar uma solução que balanceie os interesses
públicos, os dos
investidores já
existentes e os dos
novos. É uma fórmula complicada.
Como o sr. vê o
apetite dos investidores americanos em relação ao
Brasil, já que existem muitos países
competindo por dinheiro no momento?
Smith - Não há
dúvida de que o
par que todo
mundo quer levar
ao baile é a China.
Toda a comunidade empresarial
ao redor do mundo está focada nisso. Todos estão
correndo para dar
um jeito de entrar
no mercado chinês, e, certamente,
o Brasil não está mais na mesma
posição que ocupou em meados e
finais dos anos 90.
Ainda há vários interesses particulares no Brasil, em setores como o agronegócio, por exemplo.
Essa é uma área em que o Brasil
tem atraído vários novos investidores. Há muitas outras oportunidades em vários setores.
Mas muitos dos investimentos
são decididos em função das
oportunidades de
crescimento.
Quando temos
um mercado como o da China
crescendo a 11%
ou 12% ao ano e
um crescimento
modesto no Brasil, os investimentos simplesmente
vão para onde o
mercado está crescendo.
Folha - O sr. acha
que o crescimento
atual no Brasil é
sustentável, já que
vimos muitos altos
e baixos no país
nos últimos 20
anos?
Smith - O Brasil
tem feito a coisa
certa na área macroeconômica, e
isso tem levado a
escolhas políticas
muito difíceis, como manter uma política de altos
superávits primários [economia
para o pagamento de juros da dívida]. Há muitas tendências positivas, como a redução do total da
dívida indexada ao dólar.
Mas uma das coisas com a qual
estamos realmente preocupados é
que esperamos que o momento
atual seja uma grande oportunidade para o Brasil encontrar estruturas regulatórias e políticas
em áreas microeconômicas.
É isso que vai fazer a diferença entre os 3,6% de
crescimento previstos atualmente
e os 5% ao ano
que o Brasil realmente precisa alcançar para estimular mais investimentos e obter
todas as boas coisas que vêm
acompanhadas
com eles.
Em muitos casos, essas pequenas reformas nem
têm de ser necessariamente submetidas ao Congresso. Muitas estão sob a alçada
exclusiva do Poder Executivo e
referem-se apenas
a regras que são
colocadas em prática em várias
áreas.
Folha - Se o governo não precisa
do Congresso, qual a razão, na sua
opinião, de o Poder Executivo estar
demorando tanto para tomar essas
decisões?
Smith - São decisões muito complicadas e há muitos atores envolvidos. A administração Lula também tem um processo de decisão
muito "participativo".
Isso tem o benefício de envolver
todos os atores no processo, mas
também tem o aspecto negativo
de tomar muito tempo para decidir.
Essa natureza do processo decisório é uma herança do Partido
dos Trabalhadores, do modo como eles tomam decisões.
Folha - Na sua opinião, isso é um
patrimônio ou um peso para a
atual administração?
Smith - As duas coisas. Um patrimônio ao acabar refletindo
uma série de diferentes opiniões.
Mas há o peso de não ser rápido e
pode ser muito complicado pelo
fato de haver muitos cozinheiros
na mesma cozinha.
Folha - Como o sr. vê a situação
política do governo Lula, tendo em
conta a derrota no Senado, na
quinta-feira, na batalha em torno
do salário mínimo?
Smith - Ao ver que o governo
Lula não tem a força para fazer valer decisões em áreas como o salário mínimo, sempre há um impacto na percepção dos investidores. Acabamos por ter esse tipo de
risco político diretamente associado à habilidade do governo de
vencer votações difíceis como essa. Uma coisa está diretamente
conectada à outra.
Folha - O sr. tem alguma estimativa de quanto as empresas americanas investirão no Brasil neste ano?
Smith - O que vimos no início de
2004 era que as empresas estavam
mantendo a mesma tendência de
manutenção dos investimentos já
existentes no país. Isso vale para a
maioria das empresas.
Haveria um aumento em alguns
setores, embora outros ainda estivessem mesmo interessados em
vender suas participações e negócios no Brasil, como na área de telecomunicações, na qual vimos
grandes investimentos como da
Bell South e BCP serem liquidados. De modo geral, creio que [os
investimentos] ficarão estáveis.
Folha - Esse processo de empresas deixando o mercado brasileiro
devido a problemas regulatórios e
outras dificuldades já terminou?
Smith - Isso realmente depende.
Depende do tipo de moldura e
das regras que este governo vai
criar. E, como disse, para deslanchar essa segunda fase de crescimento no Brasil, o país precisará
de regras muito claras e transparentes. Regras que sejam "amigáveis" em relação às leis de mercado. Se isso ocorrer, haverá estímulo para novos investimentos.
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