São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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JANIO DE FREITAS
A nova trapaça

As pesquisas tiraram muito da graça das campanhas eleitorais. A longa e crescente expectativa gerada pelas disputas, formando torcidas empolgadas em uma disputa própria, diluiu-se no conhecimento quase diário, quase burocrático, de cada passo dos candidatos na escala das preferências eleitorais.
A sondagem das preferências dependia de uma qualidade superior: a sensibilidade, no caso, para captar as realidades regionais e o que poderia fazê-las tender eleitoralmente em ou um outro sentido. Carlos Castello Branco, eminência do jornalismo político, contava os Estados em que Jânio Quadros, candidato à Presidência, divergiu das estimativas dos políticos regionais e acertou com aproximações inexplicáveis, até em Estados tão distantes da sua área como o Pará.
As pesquisas começaram sendo boas, sobretudo, para os meios de comunicação, pelo interesse que estimulava as vendas e a audiência. Hoje são úteis, sobretudo, para os candidatos e para as empresas que as comercializam (só o Datafolha as faz sem fins comerciais). Mas não melhoraram as campanhas em sentido algum, se é que não as mediocrizaram, ou mediocrizaram mais.
Sua contribuição de importância maior consistiu, até há pouco, na influência que despersonalizou o eleitor, tornando sua preferência fútil e volátil. É neste território da inconsistência progressiva que o marqueteiro eleitoral penetra com suas técnicas de vender salsicha.
Na presente campanha está consagrada outra contribuição muito significativa das pesquisas eleitorais. É o seu papel de instrumento de lucros inconfessáveis em especulação com o valor do dólar e de títulos. O mecanismo é espertíssimo: o especulador (têm sido banco e corretora) encomenda uma pesquisa e fica sabendo seu resultado dois ou três dias antes da divulgação, tempo em que compra ou vende dólar, segundo a reação previsível do mercado de câmbio à nova situação eleitoral. Como reforço, pode ser, a um só tempo, o dono da pesquisa, o negociante no câmbio e o autor de boatos que agitem o mercado na direção que lhe convenha.
Este novo tipo de lucro fácil está muito aplicado na atual eleição. Há indícios captados, com a identificação dos especuladores, e muitos outros captáveis sem dificuldade pelo Banco Central. Mas providência efetiva, nenhuma. Pedro Malan e Armínio Fraga estão ocupados na tentativa de comprometer os candidatos com as teses sufocantes da economia ou, se não, desgastar-se nas manchetes ácidas da mídia.
Muito bem escolhida a camisa da seleção que Armínio Fraga vestiu a meio da semana, com a inscrição, nas costas, "Federative Republic of Brazil". E, mais abaixo, a propaganda "Goldman, Sachs & Co." e "Merrill Lynch & Co.", duas das empresas de especulação internacional que lançaram ataques ao Brasil com s.

Pratos cheios
Depois dizem que é contrapropaganda. Alguns se zangam. Mas é só irresistível.
Ciro Gomes faz boa palestra sobre suas idéias para o pessoal do esporte, mas defende Ricardo Teixeira, presidente da CBF. Com isso, dá motivo a ataque da mídia, que não faltou, e predispõe para a simpatia com a palestra de José Serra (Lula da Silva não foi ao amplo encontro).
O que faz Serra com a oportunidade? Faz boa exposição, com muitos dados e respectivas avaliações. E, ponto crucial, informa o que será o atual Ministério dos Esportes na eventualidade de um governo Serra. Deixa de existir. Recolhe-se a uma secretaria. O pessoal do esporte saiu com a única sensação possível -a de que seria desprestigiado.
Como foi noticiado, o comício de Serra programado para ontem em Cascavel, Paraná, era a oferta de alimentação, com convites logo apelidados de vale-rango. Candidato governista oferecer comida ao povão é dar um prato cheio à oposição.
Para um candidato sem assessoria suficiente, se virando como pode, vá lá. Mas a quantidade e o gasto da candidatura Serra com assessorias, de todos os tipos, daria para servir bem a todos os candidatos a presidente e mais alguns.
Não é à toa que alguns antigos estão citando muito o general Lott, candidato à Presidência contra Jânio Quadros. Em Pernambuco, por exemplo, levou Miguel Arraes ao desespero: em comício para agricultores, no interior, sustentou que o mal do Brasil era a incapacidade dos seus ouvintes e dos agricultores todos, que não sabiam plantar. E resolveu ensinar os milhares presentes a fazê-lo.
Veio a televisão como cabo eleitoral, vieram as pesquisas, vieram os marqueteiros, vem o crime financeiro, mas as campanhas não melhoraram, se é que tudo não as fez muito mais medíocres.



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