São Paulo, sábado, 21 de julho de 2007

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Político baiano passou meio século próximo a presidentes

ACM iniciou carreira em 1954 na UDN, mas logo passou a apoiar Juscelino, do PSD

Principal líder do Estado desde os anos 70, rompeu com o regime militar para aderir a Tancredo, o que lhe garantiu sobrevida na Bahia

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Amor e ódio não faltaram na vida do baiano Antonio Carlos Peixoto de Magalhães, detentor de uma das mais longevas trajetórias na política nacional. Morreu aos 79 anos como senador depois de passar o último meio século em diversos cargos públicos. Foi deputado estadual, deputado federal (três vezes), prefeito nomeado de Salvador, governador da Bahia (três vezes, duas delas por via indireta), presidente de estatal, ministro de Estado e presidente do Senado. Após fazer carreira no regime militar em cargos "biônicos", tornou-se um político popular e terminou a vida pública com grandes votações.
Era o portador de três características: 1) soube, como ninguém, viver colado aos governos do país nas últimas mais de cinco décadas; 2) procurava fazer indicações não só políticas, mas de técnicos competentes para funções públicas de destaque e 3) adorava se relacionar com a mídia -durante anos fez a festa de dezenas de colunas.
Seu sonho maior era chegar à Presidência. Sublimou o desejo e o projetou para seu filho predileto, o deputado federal Luís Eduardo Magalhães, que morreu de infarto em 1998. ACM perdeu então a frieza típica que lhe havia rendido no passado o apelido de "Toninho Malvadeza" -fama cultivada com gosto.
Sem um sucessor, no início desta década pensou em se candidatar a presidente. Resultados desalentadores de pesquisas de opinião particulares em 2000 e em 2002 o demoveram da idéia. Concentrou suas esperanças em Antônio Carlos Magalhães Neto, eleito deputado federal em 2002 pela primeira vez. Mas mesmo a presença do neto não foi capaz de reanimar o patriarca. Nos últimos anos sua energia esvaneceu gradualmente, enquanto sua saúde dava sinais de deterioração.
Em sua última eleição, em 2002, declarou um patrimônio de R$ 4,110 milhões. Não atribuiu, porém, valores a vários de seus bens, como a TV Bahia.

Trajetória
Nascido na ladeira da Independência, em Salvador (BA), em 4 de setembro de 1927, ACM era médico -como seu pai. Graduou-se em 1952 pela Universidade Federal da Bahia e exerceu a profissão brevemente em 1953, quando também foi professor de higiene na universidade. Trabalhou ainda como redator de debates da Assembléia Legislativa e redator do jornal "Estado da Bahia".
Mas tudo na vida do baiano era acessório na comparação com sua paixão pela política. Começou em 1954, elegendo-se deputado estadual pela UDN (União Democrática Nacional).
Depois foi eleito deputado federal três vezes: 1958, 1962 e 1966. Uma de suas marcas foi a coerência: pertenceu a poucos partidos, todos de direita -além da UDN, a Arena (Aliança Renovadora Nacional), o PDS (Partido Democrático Social) e o PFL (Partido da Frente Liberal, atual Democratas).
A habilidade maior de ACM, porém, foi encostar-se no poder, não importando a coloração ideológica. No final dos anos 50, durante o governo de Juscelino Kubitschek, ainda um jovem deputado udenista, telefonava para o presidente da República por volta das 7h da manhã, já com os jornais lidos e interpretados. Ganhou o apelido de "despertador do JK".
A popularidade e o círculo de amigos cultivados nos primeiros anos de vida pública fizeram com que fosse nomeado prefeito de Salvador pelo governador Luís Viana Filho, em 1967. Em 1970 foi indicado pelo presidente-general Emílio Garrastazu Médici para ser o governador da Bahia e foi eleito pela Assembléia Legislativa. De 1971 a 1975, fez mais de 200 quilômetros de esgoto, urbanizou Salvador com largas avenidas e consolidou a Bahia como pólo turístico, com novas estradas, museus e hotéis.
Em 1975, o presidente Ernesto Geisel nomeou-o presidente da Eletrobrás. Em 1978, voltou a ser eleito indiretamente governador da Bahia. Com a reforma partidária, ACM filiou-se ao PDS em 1980. Em 1982, elegeu o sucessor, João Durval. Em 1984, o baiano anteviu a derrocada do regime: afastou-se de Paulo Maluf (PDS) e aderiu à candidatura do oposicionista Tancredo Neves (PMDB).

Concessões de TV
Com a morte de Tancredo e a posse de José Sarney na Presidência, em 1985, assumiu o Ministério das Comunicações. Apoiou os cinco anos de mandato para o então presidente e, para angariar votos na Constituinte, distribuiu 958 concessões de rádio e TV a políticos e seus aliados -um recorde.
Nessa época consolidou sua mais sólida amizade no mundo empresarial: com Roberto Marinho (1904-2003), da TV Globo. No final dos anos 80, a família Magalhães -dona, desde 1979, do jornal "Correio da Bahia"- passou a ser detentora dos direitos de retransmissão da Globo em Salvador. Quando Marinho morreu, ACM declarou: "Nós nos amávamos".
Em 1990, ACM ganhou pela terceira vez o governo da Bahia -a primeira pelo voto direto. Com um tino quase infalível para sair do barco antes do naufrágio, só errou o prognóstico com o presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), a quem acompanhou até a queda.
Não conseguiu se aliar a Itamar Franco (1992-1994). Acuado, dizia ter um dossiê sobre corrupção no governo. Recebido por Itamar no Planalto, sofreu uma grande humilhação: o presidente deixou a imprensa entrar na sala e assistir à apresentação das acusações. Nada havia de inédito nelas. Colou no baiano a pecha de mais ameaçar que cumprir o prometido. Enfraquecido em Brasília, continuava um campeão de votos na Bahia. Em 1994, elegeu-se senador, fez o sucessor e apoiou a eleição de Fernando Henrique Cardoso ao Planalto.

Aliança com FHC
FHC e o senador baiano viveram em lua-de-mel enquanto esteve vivo Luís Eduardo Magalhães, o filho em quem ACM projetava o que gostaria de ter sido. Protagonista do jogo sucessório em 2002, morreu em 21 de abril de 1998, deixando o pai órfão de futuro político. Eleito presidente do Senado em 1997, usou seu poder para conseguir incentivos para indústrias na Bahia: "Vocês de São Paulo pensam que a Bahia só pode produzir rapadura. Nós vamos provar que podemos ser também um Estado industrial".
Reeleito para o cargo em 1999, não conseguiu conseguiu fazer seu sucessor na Casa, em 2001. Afastou-se de FHC e entrou em uma disputa inglória contra Jader Barbalho (PMDB-PA). Renunciou ao mandato para não ser cassado por violar o sigilo do painel do Senado.
Conseguiu se recuperar: em 2002, foi eleito senador com 2.995.559 votos (30,6% do total) e apoiou Ciro Gomes (PPS) a presidente em 2002. No segundo turno, outra guinada: embarcou na canoa do antes rival Luiz Inácio Lula da Silva. ACM teve uma relação conturbada com Lula no primeiro mandato (2003-2006). Enxergou no Planalto alguém que apenas o tolerava, o que não impediu ACM de exercer certa influência no governo, sobretudo a partir de 2004, quando Lula enfrentou várias crises. O ministro José Dirceu procurava ACM com freqüência. Em 15 de março de 2004, ACM voltou ao Planalto pela primeira vez desde o governo FHC: "Fui lá de noite, por volta das 21h. Não tinha ninguém para me ver".
Em junho de 2005, quando explodiu o mensalão, ACM teve a expectativa de ter mais um presidente nas mãos: "O Lula agora fica até o fim, faz um grande acordo e não se candidata à reeleição". Um ano depois, sua previsão não virou realidade: o petista não deu importância ao partido de ACM, ganhou mais quatro anos no Planalto e ajudou a eleger o petista Jaques Wagner para o governo baiano, impondo forte derrota ao carlismo.
Na campanha de 2006, o baiano acusou o petista de "ladrão", e Lula chamou ACM de "hamster" -uma alusão aos dentes do senador. As ofensas se diluíram após a posse de Lula, quando a saúde de ACM entrou em sua fase mais instável. O petista fez um check-up no Incor em São Paulo em março último, ocasião em que o baiano estava internado no mesmo local. O presidente foi ao quarto do adversário para abraçá-lo. Casou-se em 1952 com Arlete Maron, com quem teve quatro filhos: Antonio Carlos Júnior (seu suplente no Senado), Teresa Helena, Luís Eduardo (morreu em 1998) e Ana Lúcia (suicidou-se em 1986).


Colaborou o Banco de Dados


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