São Paulo, segunda-feira, 21 de agosto de 2000


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GOVERNO
O Boeing 727-247 foi retido em Guarulhos em 1995 com contrabando
Receita devolveu aos EUA avião apreendido no Brasil

Sergio Lima/Folha Imagem
O secretário da Receita, Everaldo Maciel, que admite pressões


SANDRA BRASIL
THOMAS TRAUMANN

DA REPORTAGEM LOCAL

O governo brasileiro cedeu a pressões da Embaixada dos Estados Unidos e devolveu a uma empresa norte-americana um avião apreendido por ter entrado ilegalmente no país.
O avião Boeing 727-247, com capacidade para 172 passageiros e valor estimado em US$ 10 milhões, já estava incorporado à frota da Força Aérea.
À época da devolução, havia decisão judicial em primeira instância favorável à tomada da aeronave pelo governo brasileiro.
Ao ser autuado e apreendido pela Receita Federal, o Boeing estava fretado pela empresa TCA, ligada à família do então governador do Acre, Orleir Cameli. A aeronave pertencia à companhia de leasing norte-americana IAL -Aircraft Holding Inc.
O avião foi autuado pela Receita em agosto de 1995 no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (SP), com contrabando de computadores e outros equipamentos eletrônicos.
Dois anos depois, a própria Receita Federal decidiu pela devolução do aparelho.
A correspondência trocada pelo então embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Melvin Levitsky, com o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, evidenciam as pressões norte-americanas.
Em março de 1997, o embaixador Levitsky argumentou que a devolução do avião "constituiria uma contribuição positiva para as relações comerciais entre os dois países".
Everardo Maciel admitiu que sofreu pressões (leia texto nesta página). Negou, porém, que a decisão tenha sido irregular. "Foi uma decisão jurídica", disse Everardo.
A Folha apurou que o governo dos Estados Unidos informou que o relacionamento entre companhias de leasing norte-americanas e brasileiras ficaria sob risco caso o 727-247 não fosse devolvido à IAL.
O governo brasileiro ficou com receio que a IAL acionasse a União em tribunais internacionais pedindo ressarcimento pela perda do bem e lucros cessantes. O principal argumento da defesa era que a companhia norte-americana não tinha responsabilidade nos crimes cometidos pela empresa brasileira que alugou o avião.

Prefixo modificado
Além do contrabando, o avião da IAL tinha sido usado em outras irregularidades. A autuação de 25 de agosto de 1995 foi a segunda em dois dias.
O avião havia perdido a licença para voar no Brasil, foi à Miami e voltou ao país com um prefixo modificado.
O tráfego do avião também foi irregular. Tinha um plano de vôo para voar de Miami a Manaus, mas desceu em Guarulhos.
Depois da apreensão, a IAL pediu à TCA que pressionasse a Receita Federal. O governador Orleir Cameli (que ficou conhecido por ter pelo menos três CPFs) foi pessoalmente ao gabinete de Everardo Maciel para pedir a liberação do avião.
A resposta do secretário da Receita foi direta e curta: "Lamento, governador, mas vai ficar".
Com a Embaixada dos Estados Unidos, o relacionamento foi diferente.
Entre 1995 e 1997, Everardo manteve o embaixador Levitsky informado, por correspondência, de todos os passos do processo administrativo do recurso da empresa norte-americana.

R$ 990 por dia
A vitória da IAL só foi possível graças a uma mudança de posição da Aeronáutica. Em 1995, a Força Aérea aceitou a aeronave.
Mas, em abril de 1997, depois de receber gestões dos advogados da IAL, comunicou que não se interessava mais pelo aparelho. Alegou que a manutenção implicava em muitos gastos.
A Aeronáutica gastava R$ 990 por dia na manutenção do avião apreendido.
Para efeito de comparação: a manutenção do Boeing presidencial 707 (o "sucatão") custa R$ 1.650 diários.
Feitas as contas, a Força Aérea dispensou um avião de US$ 10 milhões para evitar o gasto de R$ 361.350 por ano.
A devolução do avião resultou em um acordo entre governo e IAL. A Receita exigiu que a empresa retirasse o recurso que tramitava em segunda instância, no Tribunal Regional Federal.
A FAB abriu mão do avião em troca do ressarcimento pelos gastos realizados em manutenção do Boeing.
O processo foi retirado e a FAB recebeu R$ 210 mil. E o avião de US$ 10 milhões voou de volta aos EUA no dia 31 de outubro de 1997.


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