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REGRAS DO JOGO
É proibido criar "estados mentais"
LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO
Não é ficção. O artigo 242 do
Código Eleitoral é taxativo:
propaganda eleitoral só pode ser
feita em "língua nacional" e não
deve "empregar meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais".
A Resolução nš 20.988 do TSE
assegura que esta pérola da tradição jurídica brasileira permanece
em vigor e que serão adotadas
medidas (sem dizer quais) para
"impedir ou cessar imediatamente" qualquer violação.
Os candidatos não podem discursar em Kaiapó, nem em russo,
nem em inglês. Até aí tudo bem, a
regra é clara e não deve causar
transtornos para as campanhas.
A não ser que se considere abusiva a tentativa de diálogo com
guetos juvenis das periferias das
grandes cidades que, em relação
aos bairros nobres, falam idioma
bem diferente.
O fim da propaganda é o de influenciar, o de criar "vontade artificialmente elaborada" -seja
para beber Coca-Cola, seja para
votar em alguém. O que significa,
então, criar artificialmente "estados mentais" na opinião pública?
Não há resposta nos livros jurídicos. Quando cuidam do artigo
242, apontam, genericamente,
um esforço legislativo para se evitar a "vontade manufaturada"
ou o "envenenamento psíquico".
Mas ninguém se atreve a definir o
que é, de fato, "estado mental".
O "Vocabulário da Psicanálise", de Laplanche e Pontalis
(Martins Fontes: 1994), também
não explica. Dá o conceito de "estado hipnóide", um "estado de
consciência análogo ao criado pela hipnose", em que "os conteúdos
de consciência que nele aparecem
entram pouco ou nada em ligação associativa com o restante da
vida mental".
Será que a lei quer impedir a
hipnose coletiva do eleitor? Ou
quer que o eleitor vá votar sem
"estado mental" ou em "estado
não-mental"?
Seria o caso, por exemplo, de
impedir qualquer artificialidade
capaz de iludir a consciência política do eleitor, como a maquiagem que disfarça as olheiras do
candidato do governo, ou o volumoso nó dado pelos publicitários
na gravata tipo Hermès do candidato operário, indicativo de sua
adesão ao establishment, ou, por
falar em hipnose, o discurso prolixo, messiânico e robótico do candidato mocinho, para que a pessoa que o escuta, sem compreender o que é dito, acredite que ele é
valoroso e sabe das coisas?
A origem dessa regra está na
preocupação autoritária e elitista
de prevenir choques ideológicos
entre forças de esquerda e de direita ou avalanches passionais
provocadas pelo apelo populista e
caudilhesco típico dos anos 50.
As leis de Segurança Nacional
do regime militar combatiam a
"guerra psicológica adversa" (outra pérola da história jurídica do
país) e o Código Eleitoral, de 1965,
tinha a pretensão de eliminar do
cenário político a possibilidade de
contágio emocional do eleitor.
É constrangedor verificar que o
artigo 242 sobreviveu aos anos, à
abertura democrática, e ainda
hoje, na era da urna eletrônica,
seja regulamentado pelo TSE.
Numa época em que o discurso
de José Genoino poderia ser proferido por Paulo Maluf, e vice-versa; numa época em que a polícia
social-democrata do governo de
São Paulo adota métodos de repressão que poderiam ter sido utilizados por Filinto Müller durante o Estado Novo- e pouca gente
se incomoda com isso-; numa
época em que todos as candidaturas à Presidência da República
prometem a mesma coisa, crescimento econômico, fim do desemprego, redução das taxas de juros
e segurança, o artigo 242 do Código Eleitoral, que proíbe emoção,
paixão e "estados mentais" durante a disputa política, além de
ridículo, parece inútil.
Luís Francisco Carvalho Filho, advogado criminal e articulista da Folha, escreve às quartas-feiras nesta coluna
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