São Paulo, sábado, 21 de agosto de 2004

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PODERES

Para maioria dos especialistas, Judiciário precisa ser autônomo, mas há quem veja como natural o caráter político

Advogados criticam trânsito STF-governo

UIRÁ MACHADO
DA REDAÇÃO

A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que considerou constitucional a taxação dos servidores inativos levantou a discussão sobre o relacionamento entre o Executivo e o Judiciário. A maioria dos advogados ouvidos pela Folha criticou suposta submissão de um poder ao outro.
"O Judiciário precisa estar autônomo, principalmente do Executivo. Se existir relação, deixou de existir a imparcialidade, característica absoluta da Justiça", afirma Celso Antônio Bandeira de Mello, professor de direito da PUC (Pontifícia Universidade Católica). "É um vício de origem existir relação entre os ministros do STF e o governo", afirmou.
Bandeira de Mello criticou a decisão da taxação dos inativos, que, para ele, "acaba com a segurança jurídica. Se o STF pode fazer isso, está falido o Estado de Direito".
As críticas ao relacionamento entre o Supremo e o governo não são unânimes. O presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público, Carlos Ari Sundfeld, afirma que o impacto político das decisões do STF é uma "conseqüência natural do sistema", mas que isso "não quer dizer que o órgão seja político".
Segundo Sundfeld, "aumentou o número de matérias constitucionais [assuntos regulados pela Constituição] e, portanto, aumentou a participação do STF". Ele afirma que essa "constitucionalização" foi muito importante para "resguardar a democracia no país".
Para o professor de direito da USP (Universidade de São Paulo) Dalmo de Abreu Dallari, a decisão foi política e "torna crítica a situação do direito adquirido no Brasil". Mas ele destaca, porém, que o Supremo " está caminhando no sentido de se tornar claramente um instrumento político desde o governo de Fernando Henrique Cardoso". Para Dallari, esse "caminho" tem levado o Supremo a exercer "muito mal sua função, que é guardar a Constituição".
Fábio Konder Comparato, também professor da USP, afirma que o problema existe desde que foi proclamada a República, em 1891.
Ele diz ver com muita preocupação a politização do STF, mas afirma: "Isso não me causa nenhuma surpresa". Comparato explica que o chefe do Executivo consegue exercer pressões sobre o Supremo, e influencia as decisões.
"O presidente da República não só nomeia [os ministros do STF], mas também pressiona. Os nomeados acabam tendo uma atitude de reverência natural e, até de boa-fé, votam a favor do governo". Para Comparato, se a tendência continuar no mesmo sentido, o "STF, em vez de guardião da Constituição, vai se tornar o guardião do governo".

Democracia
Goffredo Telles Júnior, professor emérito da USP, diz que "a nossa democracia não está bem". Perguntado sobre como vê a relação entre o STF e o governo, responde: "Vejo com muita preocupação. É preciso tomar muito cuidado num momento como esse".
Virgílio Afonso da Silva, professor da USP, também acha que as decisões do Supremo, "em maior ou menor escala, envolvem temas constitucionais e políticas públicas. É natural que tenham um cunho político".


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