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BRASIL PROFUNDO
São Félix do Xingu, palco de recente chacina, é a 2ª maior cidade do país e tem 70% de suas terras griladas
Matadores espalham medo em terra sem lei
Paulo Santos - 17.set.2003/Associated Press
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Seis dos sete trabalhadores rurais mortos a tiros junto com um fazendeiro, durante chacina em São Félix do Xingu (PA), são enterrados |
MAURÍCIO SIMIONATO
FREE-LANCE PARA A AGÊNCIA FOLHA,
EM SÃO FÉLIX DO XINGU
Uma cidade sem lei, onde homens andam armados na rua sem
ser incomodados pela polícia e a
maioria das pessoas vive assombrada pelo medo. Assim é São Félix do Xingu, palco da maior chacina no campo no governo Lula.
A cidade paraense é a segunda
maior do país, com 84,6 mil m2,
quase o tamanho de Portugal. Pelo menos 70% das terras na zona
rural do município são griladas,
segundo dados da Secretaria do
Meio Ambiente da cidade.
Há nove dias, as polícias Civil e
Militar caçam os suspeitos de matar, com tiros à queima-roupa de
escopeta calibre 12, sete trabalhadores rurais e um comerciante da
cidade. Na sexta-feira, a Polícia
Civil tinha nove suspeitos identificados. Os trabalhadores foram
mortos quando faziam a limpeza
da área para plantar capim.
Um exemplo da ousadia dos
matadores: mesmo com a presença de pelos menos 50 policiais na
região, os mesmos pistoleiros
perseguiram, em uma camionete
branca três dias após o crime, o
trabalhador rural Elvis Moura,
que teria vendido a terra grilada
para o fazendeiro Antonio Vieira
da Silva, morto na chacina.
"Meu irmão foi perseguido por
homens encapuzados. Ele fugiu e
me disse que nunca mais voltará",
disse L.G., 24, que praticamente
vive escondido entre os 2.500 moradores da Vila Taboca.
Segundo moradores, um mês
antes da chacina, Luiz Olho de
Gato, que seria um dos matadores
mais conhecidos da cidade, invadiu o hospital municipal da cidade com um revólver 38 em punho
e assassinou outro pistoleiro, que
estava ferido à bala no leito. Hoje,
afirmam os moradores, ele passeia pelas ruas da cidade.
Apontado como um dos maiores traficantes de drogas do país,
Leonardo Dias Mendonça era
uma das figuras carimbadas da cidade até o ano passado, quando
foi preso pela Polícia Federal.
Dono de vastas fazendas e milhares de cabeças de gado, Mendonça também possui estabelecimentos comerciais na cidade,
conforme a Agência Folha apurou no cartório municipal. Nas
ruas da cidade, pode-se encontrar
facilmente quem defenda a inocência do traficante.
Com 34.621 habitantes (censo
de 2000) -22.091 na área rural-
, São Félix do Xingu possui 27 vilas ou distritos isolados no meio
da mata e tem 20 policiais militares. A chacina ocorreu perto da
Vila Taboca, que tem quatro PMs
com um revólver cada um.
"Só quero Justiça. Quando ouço
qualquer barulho à noite fico com
medo, e nossos quatro filhos estão
traumatizados com tamanha brutalidade. Só penso em ir embora
daqui e não quero nem saber
quem fez isso", disse a viúva de
um dos mortos na chacina, que
pediu para não ser identificada
com medo da ação do que chama
de "máfia da grilagem de terras".
Dos oitos corpos, seis foram
deitados de bruços e mortos com
tiros na cabeça. A Agência Folha
viu as imagens feitas pela polícia
no local após os crimes. O fazendeiro Antonio Vieira da Silva foi
torturado com coronhadas, além
de levar vários tiros na cabeça.
"Foi a coisa mais horrível que vi
na minha vida. Quando cheguei
ao local do crime, não acreditei na
cena", disse o mototaxista Gerson
Pereira dos Santos, 18, o "Tiziu",
que ajudou a levar um dos corpos
para a Vila Taboca.
Estrutura precária
Por causa da falta de estrutura
policial, quatro dos corpos foram
levados de carroça até o vilarejo, e
o restante, em quatro motos, entre o piloto e um carona. De lá, os
corpos seguiram até São Félix do
Xingu em um caminhão emprestado por um dos moradores em
uma viagem de cinco horas.
A falta de estrutura também fez
com que seis corpos fossem analisados a céu aberto no cemitério
da cidade pelos peritos do IML
(Instituto Médico Legal). Os outros dois corpos, em estado avançado de decomposição, foram enviados a Belém em um avião da
FAB (Força Aérea Brasileira).
"Vou entrar com uma ação contra o governo do Estado, pois meu
pai foi enterrado como um indigente. Foi uma grande falta de respeito. O corpo de meu pai ficou
três dias a céu aberto jogado no
cemitério até ser enterrado", disse
Edvan da Silva Braga, 38, filho de
Pedro Formiga Braga, 64.
Pistolagem
Há dois anos, o procurador federal Felício Pontes esteve na região e identificou os principais
problemas em São Félix do Xingu.
"Lá é necessário um zoneamento
territorial completo. Temos reservas indígenas, reservas extrativistas e florestais. Todas as terras estão sendo invadidas e, enquanto o
Estado não se fizer presente, as
mortes por disputas de terras
continuarão acontecendo."
Um outro procurador, que está
ameaçado de morte, preparou
um relatório detalhado com os
nomes de todos matadores de
aluguel, intermediários e mandantes da máfia da grilagem. Ele
esteve no local há dois meses.
O fazendeiro e madeireiro João
Cléber de Sousa Torres é o principal acusado de ser o mandante
dos crimes por disputa de terras
em São Félix do Xingu, segundo o
relatório. Todos os matadores de
aluguel apontados como suspeitos também constam no relatório.
Diz o relatório: "A região de São
Félix do Xingu e Altamira encontra-se dominada pela presença
ativa do crime organizado". E
mais: "João Cleber de Sousa Torres e Francisco de Sousa Torres
(Torrim) são os comandantes do
crime organizado na região de
São Félix do Xingu. À frente da
cúpula agem e promovem a invasão, ocupação e grilagem de terras
públicas; são donos da madeireira
Impanguçu Madeira e Maginga.
Pelo perigo que representam são
muito temidos na região".
Cleber e Torrim não foram localizados na cidade. Ele e o empresário Tadeu Bitar, 48, são os principais suspeitos de serem os mandantes da chacina ocorrida neste
mês. Bitar nega. "Não tenho nenhum envolvimento com isso e
nem tenho terras mais na região",
disse, em depoimento à polícia.
Para o delegado que preside o
inquérito, José Alcântara, Bitar
tem mesmo terras na região e é
um dos mais citados nos mais de
dez depoimentos já colhidos pela
polícia nas investigações. "A informação que temos até agora indica que Tadeu Bitar tem terras lá,
ao contrário do que disse. Estamos apurando o tamanho de suas
terras e até onde vão os limites das
posses dele", disse o delegado.
Acesso difícil
Para chegar de São Félix do Xingu até o local onde ocorreram as
mortes, são dois dias de barco ou
24 horas de carro, sendo que nos
últimos 12 km só é possível chegar
com moto com tração.
"Próximo do local da chacina,
houve outro homicídio e uma
tentativa de homicídio poucas semanas atrás. Temos informações
de que outros assassinatos ocorridos lá nem sequer chegam ao conhecimento da polícia, pois muitas famílias têm medo de denunciar", completou Alcântara.
O presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de São Félix
do Xingu, Luís Pereira Carvalho,
denunciou a existência de uma
suposta lista de marcados para
morrer com 20 nomes. "São Félix
do Xingu é um terra de ninguém.
É abandonada. Toda semana tem
uma morte por disputa de terras
ou por causa de trabalho escravo.
É um verdadeiro faroeste e a polícia geralmente está do lado dos
mandantes. Com certeza haverá
mais mortes", afirmou.
Na semana passada, o ouvidor
agrário do Pará, Otávio Maciel,
admitiu a existência de um poder
paralelo na região, controlado por
mandantes de crimes e matadores
de aluguel. As polícias Civil e Militar negam o envolvimento com
fazendeiros mandantes, mas possuem uma estimativa de que pelos menos cem pistoleiros agem
na região por encomenda. Cada
um cobra entre R$ 1.000 e R$
5.000 por morte.
Para o delegado-geral de polícia
do Pará, Luís Fernandes, não há
omissão do Estado na segurança.
"A região é muito vasta. Não há
como vigiar todos os pontos."
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