UOL

São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

Proer, Proel, Proeles, Probar

Eremildo é um idiota e seu negócio vai mal. Ele estudou o caso da estatização dos buracos das concessionárias de energia elétrica, o Proel. Concluiu que o velho e bom BNDES poderá ajudá-lo, com o ProBar. A história do idiota é a seguinte:
Em 1996, ele ouviu falar de uma Viúva, dona de bar, que se apaixonara por um professor paulista e decidira vender seu estabelecimento. Eremildo arrumou um sócio e eles foram conversar com a senhora. Convenceram-na a aceitar umas dívidas que Eremildo tinha a receber. A velhinha perguntou se aquilo não eram moedas podres. Eles disseram que não. Em dinheiro de verdade, desse que a gente usa na feira, a dupla desembolsou menos da metade do que a Viúva pedia. Rebatizaram o boteco e chamaram-no BarLight.
Um ano depois, souberam que em São Paulo estava à venda outro botequim, verdadeiro filé mignon. Era da mesma Viúva. O idiota a convenceu a emprestar-lhe uma quantia equivalente à metade do preço que ela pedia. Conseguiram a outra metade do dinheiro na rede bancária, rebatizaram a casa e a chamaram de EletroBar. Nos dois primeiros anos, ganharam um bom dinheiro. O idiota comprou um apartamento em Muriqui e seu parceiro, em Santos.
Os sócios se separaram. Eremildo ficou com o EletroBar. Pagar as dívidas seria uma sopa. O Banco Central tinha tabelado a cerveja a R$ 1,20. A oposição dizia que aquilo era populismo alcoólico, mas a verdade é que nunca se vendeu tanta bebida. Além disso, todas as previsões indicavam que El Niño traria uma sucessão de verões escaldantes.
Entre 1999 e 2001, o idiota se ferrou. A cerveja foi liberada e chegou a R$ 3,20. Choveu de novembro a março e seu estoque de bebida virou um mico. Eremildo parou de pagar suas promissórias. Como disse o açougueiro vizinho: "Quebraste".
Essa é a história do idiota. Este é o seu pleito:
Eremildo acha que o governo deve deixá-lo cobrar (e embolsar) um imposto adicional de 7% sobre as cervejas que vende, por conta das que não vendeu. Além disso, quer que o BNDES se torne sócio do boteco, quitando metade da dívida do EletroBar que está no seu cofre. A outra metade do espeto ficará para ser paga em dez anos. Como o idiota também está sem crédito na AmBev e na Souza Cruz, espera que o banco lhe arrume uma parte do dinheiro de que precisa a curto prazo. O idiota acha que o BNDES aceitará seu pleito mantendo-o na direção do boteco.
Como Eremildo é um idiota, pode-se supor que o velho e bom BNDES vai mandá-lo passear. Pena, porque os eletrotecas do governo e do BNDES fizeram na Eletropaulo exatamente o que o idiota reivindica e quer fazer com o EletroBar.
É verdade que Eremildo não tem o apoio da embaixada americana, mas o idiota está convencido de que ela não teve nada a ver com o acerto da Eletropaulo.

Berzoini inova: Esqueçam o que assinei

Ser ministro é padecer num paraíso. Ricardo Berzoini foi um combativo sindicalista e qualificado parlamentar. No dia 1º de outubro do ano passado (48 horas antes da eleição), funcionários públicos de Campinas receberam uma carta impressa com a reprodução mecânica de sua assinatura.
Ele escreveu aos funcionários "para comprometer-me perante a categoria a defendê-los junto ao Congresso Nacional em suas reivindicações, tais como: [...] paridade entre servidores ativos e aposentados".
Quem se dirigia aos funcionários era "Ricardo Berzoini, candidato a reeleição a deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores - PT - número 1.331".
Nas altas horas da noite de segunda-feira, durante a audiência pública da reforma da Previdência, o senador Arthur Virgílio perguntou ao ministro Berzoini como conciliava sua conduta executiva com suas promessas legislativas. Até aí esteve-se diante de mais uma tediosa repetição do confronto do PT federal com o PT eleitoral. Deve-se a Berzoini uma reposta que inova os costumes nacionais.
Numa versão, de Arthur Virgílio, ele disse: "Eu não autorizei ninguém a colocar a minha assinatura aí".
Noutra, de um curioso presente: "Quem escreveu isso para eu assinar não sabia que eu sou adversário da paridade".
Num caso e noutro, passaram-se quase dois anos e o candidato 1.331 não desmentiu a carta nem procurou saber quem é o vigarista que anda enganando a patuléia com promessas forjadas. O ministro Berzoini assina no mínimo 50 processos por dia. Tomara que ninguém lhe dê para assinar coisas com as quais não concorda.


Lula paz y amor pode soltar uns presos

Na sexta-feira, Lula desce em Cuba para uma visita de dois dias. Para o bem de todos e felicidade geral das nações, ele pode conseguir de Fidel Castro a libertação de alguns prisioneiros políticos. É apenas possível, mas, se ele fizer o pleito, todo mundo ganha.
Desde que tomou o poder, em 1959, Fidel se mostrou um astucioso corretor de cárceres. Em 1961, depois da fracassada invasão à baía dos Porcos, trocou 1.113 presos por US$ 53 milhões em alimentos e dinheiro. Em 1978, durante o governo Jimmy Carter, selecionou um banqueiro cubano exilado em Miami para negociar uma mega-anistia. Soltou quase 4.000 pessoas e permitiu o embarque de centenas de combatentes aprisionados. Libertou Tony Cuesta, um terrorista que pretendia explodir a casa do presidente de Cuba e, ao ver que seria capturado, tentou explodir-se. Ficou cego e perdeu um braço. Mais tarde, Fidel libertou Eloy Gutiérrez-Menoyo, fundador da organização terrorista Alpha 66. (Menoyo ficou 22 anos na cadeia, viveu 17 anos em Miami e, em agosto passado, viajou para Cuba e resolveu ficar por lá.)
Neste ano, Fidel mandou fuzilar três cidadãos que sequestraram um barco de passageiros com o propósito de fugir da ilha. Prendeu 75 militantes de organizações defensoras dos direitos humanos.
Entre elas, está o jornalista Raúl Rivero, condenado a 20 anos de prisão. Em cinco meses, emagreceu 18 quilos. Está preso pelo que escreveu, inclusive poesia. Com as devidas desculpas, aí ao lado está uma delas. É melhor gramar um pouco de espanhol do que cair nas mãos de um mau tradutor. ("Aburrido" quer dizer aborrecido, chato.)
Socorro
A ekipekonômica precisa de ajuda. Apesar da valentia do ministro Antonio Palocci Filho, ainda não foram levantados os cercos à superintendência da Receita Federal em São Paulo e à chefia da alfândega do aeroporto de Cumbica. Se os pedidos que estão no gaveteiro do Planalto forem atendidos, a Viúva pagará caro.

Creia e morra
O comissário Luiz Gushiken arrisca se transformar num personagem da história da propaganda. Sendo responsável pela comunicação do governo, valeu-se dos serviços de uma empresa privada para armar sua própria agenda. Agora ele acaba de botar na rua uma revista chamada "Brasil". São 54 páginas destinadas a louvar o governo. Faz isso com elegância e fantasia. Publica quatro fotografias do pôr-do-sol e nenhum retrato de Lula ou de seus ministros.
Uma das reportagens, intitulada "Combate à corrupção", refere-se ao Conselho de Transparência Pública e diz: "Enquanto o pessoal do conselho prepara as novas medidas, o governo já está atuando".
Delírio puro. O conselho, criado no papel em maio deste ano, ainda não foi composto. Seu "pessoal" só existe na imaginação do comissariado. Espera-se que Gushiken não acredite no que divulga.

Memória petista
A memória da gestão de Lula dependerá, e muito, da veterana militante petista Clara Ant. Arquiteta, chegou ao partido pelas veredas do trotskismo (hoje simbolizado pelos jardins de Luis Favre e Antonio Palocci Filho). Foi deputada estadual e tesoureira da campanha de Lula em 1998.
Ant assiste a quase todas as conversas de Lula, anota o que julga relevante e põe no computador.
Fernando Henrique e José Sarney mantiveram equipes encarregadas de conservar a memória de suas presidências. FFHH se valia da secretária Danielle Ardillon, que conseguiu a proeza de viver oito anos em Brasília sem virar personagem de colunas (inclusive desta).
Lula já revelou que a função de Clara Ant se relaciona sobretudo com a organização do seu sistema de cobranças.
Para se ter uma idéia do jeitão dessa arquiteta paulistana, até bem pouco tempo atrás ela morou no mesmo edifício em que vivia sua manicure. A manicure se mudou para um apartamento melhorzinho.

Entrevista

Tasso Jereissati

(54 anos, senador pelo PSDB-CE)

- Como o senhor está se sentindo, na oposição, em plena ventania do troca-troca de partidos?
- Estamos assistindo, numa proporção jamais vista, ao deprimente espetáculo do fisiologismo. Num exemplo extremado, o deputado é eleito para o PFL, supostamente um partido conservador. Muda-se para o PSB, nominalmente socialista, e depois migra para o PL, dos evangélicos. Ao final, pousa no PPS, herdeiro do antigo Partido Comunista. Isso é um desrespeito ao eleitor. Em cima de um sistema desses, nunca teremos partidos e, por isso, nunca teremos um Congresso respeitado. É uma lástima que o PT, uma vez no poder, esteja copiando os piores hábitos que tanto denunciava.

- Não foi o PT quem inventou o troca-troca.
- O PT não inventou o troca-troca nem o clientelismo e muito menos o fisiologismo. O que choca é o desembaraço com que faz tudo o que condenava. Repito: tudo. O que está acontecendo é algo muito pior do que uma cópia dos vícios dos governos anteriores. O PT copia o que havia de pior. É o caso do aliciamento parlamentares que desprezava ou a naturalidade com que resolve qualquer problema por meio de medidas provisórias. Infelizmente, o PT não copia nem preserva o que havia de melhor. Exemplo disso é o desmanche da estrutura profissional dos ministérios da Saúde e da Educação. Nunca vi gente para gostar tanto de joio.

- Isso tudo não elimina o fato de o senhor pertencer ao partido que montou o maior balcão de todos os tempos para reeleger o presidente Fernando Henrique Cardoso.
- Houve balcão na reeleição e acho que não deveria ter havido. É um exagero dizer que foi o maior de todos os tempos. Com a autoridade de quem reconhece o que houve de errado no governo anterior, que eu apoiei, asseguro-lhe que nunca houve no Congresso o que está havendo hoje. Eu nunca soube de competição no troca-troca dentro da base de apoio do governo. Nesses casos, o Planalto aciona seus mecanismos para tirar um parlamentar de um bolso para colocá-lo em outro. Nem os governos mais antiquados mostraram tanta desenvoltura nessa má prática. Passados cinco anos do episódio da reeleição, vê-se claramente que o PSDB cometeu um erro ao fazer o balcão e está pagando caro por isso. O PT está cometendo um erro muito maior. Vai pagar muito mais caro e muito mais cedo.

Tedio de vasallos

Raúl Rivero

Los tiranos intensos
son los breves
los fugaces.
Esos sí son tiranos interesantes
fundadores de la inquietud.
No así estos tipos eternos y aburridos
toda la vida en el poder
tanto tiempo que uno termina por quererlos
que uno termina muerto de amor por ellos.
Que
Que uno
Que uno termina
Que uno termina muerto



Texto Anterior: Missão secreta: Jato da FAB ajuda a libertar reféns no Peru
Próximo Texto: Câmara: Enéas é acusado de embolsar verba de custeio
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.