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NO PLANALTO
Professor Lula dá aulas de arcaísmo ao país
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A política, como se sabe, é a
mais antiga das profissões.
Natural, portanto, que, guindado
ao Planalto, o ex-PT tenha abandonado rapidamente todas as
suscetibilidades do PT -um partido fisiológico que ainda não havia sido apresentado aos apetites
e prazeres do poder.
No seu esforço para salvar o
país, Lula convive com políticos
de sólidas convicções. São a favor
de tudo e visceralmente contra
qualquer coisa. Desde que ganhem algo em troca.
"Nós vamos ensinar este país a
negociar", disse o companheiro-professor Lula duas semanas
atrás, num de seus já célebres improvisos. "Nós vamos ensinar este
país a atingir a maturidade."
Funciona na Casa Civil da Presidência a sala de aula mais festejada da Esplanada. Ali, o camarada José Dirceu repete um experimento clássico: injeta genes do
arcaico nas células do novo.
Principal negociador da ex-virtude, Dirceu utiliza os instrumentos que encontrou no Planalto.
Maneja, com rara "maturidade",
cargos e verbas. Aqui se relatará
uma lição que envolve o manuseio das verbas.
Entre os dias 7 e 11 de agosto, a
bancada parlamentar do Estado
de Tocantins, dona de 11 votos no
Congresso, amealhou em Brasília
liberações orçamentárias que somam R$ 39,4 milhões.
Repassado pelo Ministério dos
Transportes, o dinheiro recheou
os cofres do Departamento de Estradas de Rodagem de Tocantins.
Fruto de acordo firmado ainda
sob FHC, parte da grana encontrava-se retida em Brasília desde
o final de 2002.
A emissão das ordens de pagamento foi um prêmio à unidade
da bancada de Tocantins, que votou em uníssono a reforma da
Previdência. Guiando-se, naturalmente, pela partitura do Planalto.
Há 15 dias, os oito deputados e
três senadores tocantinenses compareceram à sala de aula de Dirceu. Estavam acompanhados do
governador Marcelo Miranda.
Portavam uma lista de reivindicações monetárias.
Deu-se numa tarde em que o
Congresso fervia. Discutia-se a
votação da reforma tributária.
Temendo uma derrota, o governo
alinhavava acordos de última hora. Entendimentos que entraram
pela madrugada e resultaram
num triunfo acachapante do governo.
Nos dias subsequentes, Tocantins foi brindado com novas liberações: R$ 6,9 milhões. Dinheiro
de três pastas: Integração Nacional, Assistência Social e Cidades.
As últimas ordens de pagamento
são de 12 de setembro.
O pacote incluiu verbas destinadas pelos parlamentares a municípios que compõem as suas respectivas bases eleitorais. Coisa
antiga, incluída no Orçamento de
2002. Aguardam-se para os próximos dias novos aportes.
Uma única voz de Tocantins
ousou atravessar a melodia ditada pelo Planalto: a da deputada
Kátia Abreu (PFL-TO). Viúva, recusou-se a aprovar a poda de
pensões previdenciárias. Presidente da Federação de Agricultura tocantinense, desaprovou a
meia-sola tributária.
"Nada meu foi liberado, absolutamente nada", diz, resignada a
deputada. Ela compôs a caravana à sala de Dirceu. É autora de
emendas orçamentárias que destinam a municípios de Tocantins
mais de R$ 2 milhões. "Esse é o jogo. Votou, levou. Não votou, não
ganha."
Deputado de primeiro mandato, presidente da Federação das
Indústrias de Tocantins, Ronaldo
Dimas (PSDB-TO), também discorda de vários pontos da reforma tributária. Mas votou a favor.
"Meu Estado é muito dependente do governo federal", diz Dimas. "Nessa situação, a união dos
parlamentares facilita o acesso.
Esperava que, com o PT, as coisas
fossem funcionar de outra maneira. Mas a forma como o Executivo tem tratado o assunto é totalmente convencional. Isso me decepciona um pouco."
Coordenador da bancada de
Tocantins, o senador Eduardo Siqueira Campos (PSDB) diz que a
"barganha" com Dirceu foi feita
às claras. "Fomos lá e dissemos:
não temos nenhum cargo para
indicar. Então queremos cobrar
atenção para com o Tocantins."
Louve-se a intenção de Lula de
"ensinar este país a negociar". Espanta, porém, que recorra ao surrado currículo tradicional, de resultados conhecidos. O caso de
Tocantins não é único. Reproduz-se em outros Estados.
No universo da ficção, o presidente ainda é apresentado como
um sujeito realista, obrigado pelas circunstâncias a lidar com
práticas viciadas. Adota meios
sórdidos para alcançar fins nobres. No mundo real, manda-se
às favas a última perspectiva de
revisão dos métodos que conspurcam a política nacional. Uma pena.
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