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Medo marca júri do crime da motosserra
No centro do julgamento que começa hoje está o deputado cassado Hildebrando Pascoal, acusado de matar um homem após tortura
O assassinato de Agílson Santos, o Baiano, ocorreu em julho de 1996 e chocou
o país; o julgamento está previsto para levar três dias
LUCAS FERRAZ
ENVIADO ESPECIAL A RIO BRANCO (AC)
Ainda sob impacto do saldo
de violência atribuído ao réu, o
Acre começa hoje a julgar um
dos atos mais bárbaros da história recente do país, internacionalmente conhecido como o
crime da motosserra.
No centro do júri popular estará Hildebrando Pascoal, coronel da Polícia Militar e deputado federal cassado acusado
de matar um homem após sessão de tortura. Segundo o Ministério Público, a vítima teve
os "olhos perfurados, seus braços, pernas e pênis amputados
com a utilização de uma motosserra, além de ter um prego cravado em sua testa".
Agílson Santos, conhecido
como Baiano, foi morto em julho de 1996. O que sobrou de
seu corpo foi jogado em uma
hoje movimentada avenida de
Rio Branco. O filho de Baiano,
de 13 anos, também foi morto.
Hildebrando tem uma lista
de crimes e condenações tão
extensa quanto o número de vítimas executadas pelo esquadrão da morte que liderou.
Mesmo preso, já condenado a
mais de 80 anos de prisão por
dois homicídios, tráfico internacional de drogas, formação
de quadrilha e crimes eleitorais
(trocava cocaína por votos) e financeiros, ele ainda assusta os
acrianos.
Quatro testemunhas do crime da motosserra foram assassinadas -Hildebrando foi condenado por duas dessas mortes.
Três dos 25 pré-selecionados
para o Tribunal do Júri pediram para não participar do julgamento, temendo represálias.
Os jurados estão hospedados
em dois hotéis no centro da capital, sob escolta policial. Um
sorteio vai escolher os sete que
votarão no julgamento.
O esquema de segurança
também foi reforçado -cerca
de cem policiais civis, militares
e federais, segundo o Tribunal
de Justiça, vão vigiar o Fórum
Barão de Rio Branco.
Entre os moradores ouvidos
pela reportagem, o episódio
causa reações díspares, mas
nunca indiferença: alguns se
mostram desconfortáveis e
mudam de assunto; outros dizem ter boa lembrança do tempo em que Hildebrando, à época poderoso no Estado, eliminou muitos bandidos.
Segundo o Ministério Público, o que motivou Hildebrando
a matar Baiano (e a ordenar a
morte do filho dele) foi o assassinato de um irmão do então
deputado, Itamar.
Baiano trabalhava para o
acusado pelo crime; foi morto
por não saber o paradeiro do
patrão. Já o filho (cujo caso será
julgado à parte) morreu porque
não sabia dizer aos seus algozes
onde estava o pai.
Sanderson Moura, advogado
do deputado cassado, diz que
não há provas da participação
de Hildebrando no crime da
motosserra. "Ele é um preso
político", afirma, "e fará revelações surpreendentes".
Em muitos dos crimes cometidos pelo esquadrão de Hildebrando (investigadores estimam em quase cem mortes),
não se conheceram as causas
nem as explicações.
"Era uma espécie de assinatura do grupo: corpos decepados, mutilados, jogados no
meio da rua", conta o procurador Samy Barbosa Lopes, coordenador do grupo de combate
ao crime organizado do Ministério Público Estadual.
Júri polêmico
O julgamento, previsto para
levar três dias, se inicia com a
acusação do Ministério Público
de ser armado para a absolvição
de Hildebrando.
Sob a alegação de "razoabilidade", o juiz Leandro Gross determinou seis horas para a defesa dos quatro réus (entre os
outros três acusados de participar da sessão de tortura está
um irmão de Hildebrando) e o
mesmo tempo para a acusação.
O Código de Processo Penal diz
que, independentemente do
número, o tempo máximo para
cada uma das partes é de duas
horas e meia. Os promotores
reclamaram, mas o Tribunal de
Justiça confirmou a decisão do
magistrado.
O crime da motosserra -revelado há dez anos na esteira da
CPI do Narcotráfico- chocou o
país ao mostrar como o Acre estava imerso num banditismo
com ramificações em todos os
níveis institucionais.
Exatamente amanhã, a cassação de Hildebrando como deputado federal, consequência
do trabalho da CPI, completará
dez anos.
A juíza Maria de Fátima da
Costa, que condenou Hildebrando por um dos homicídios
na Justiça Federal de Brasília, o
definiu como uma pessoa que
"tem personalidade voltada para o crime, é audacioso, despreza a vida humana e, ao chefiar
um grupo que matava utilizando métodos cruéis, aterrorizava a população do Acre".
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