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NO PLANALTO
Campanha presidencial vira disputa do nada contra o oco
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Numa disputa presidencial,
elege-se quase sempre a melhor encenação, não o melhor
presidente. Rondam-nos exemplos bem contemporâneos. Dependendo do Fernando que se escolha, pode-se oscilar da dramaturgia grega a Bertolt Brecht.
Com Collor, tivemos a tragédia.
O personagem extraordinário no
papel de ordinário. O absurdo levado longe demais. A moralidade
que surrupiava a prataria do Palácio. A virtude que recebeu voz
de prisão.
FHC trouxe-nos a sofisticação
do teatro dialético. Tese e antítese
de si mesmo, foi eleito sob o manto da social-democracia e patrocinou o descaso social. Reeleito em
meio ao sonho do dólar a R$ 1,20,
entregou estagnação e desemprego.
Programa de governo é mais
efeito especial do que substância,
eis o que se deseja realçar. O Brasil radicalmente novo do script
eleitoral é intenção que os fatos
terminam por conspurcar.
Talvez por isso os candidatos à
cartada nacional de 2002 tenham
decidido sonegar ao eleitor até
mesmo o teatro de praxe. Postam-se na prateleira como compoteiras vazias. Falta-lhes o caldo doce
que costuma encorpar os debates
eleitorais.
Há certa fartura de nomes. Pelo
menos quatro governistas: Roseana, Serra, Tasso e Paulo Renato.
Três oposicionistas: Lula, Ciro e
Itamar (despreze-se, por inconsistente, Garotinho). Levado ao liquidificador, porém, o discurso
que os sete ostentam em público
não enche uma xícara de idéias.
Decerto haverá quem argumente que é cedo. Tolice. As pesquisas
estão aí a conferir existência a
candidaturas de vento. Se o nada
ficasse no seu lugar, quietinho, tudo bem. O diabo é que, eriçada
pelos números, a bolha almoça
com o oco, que articula com o vazio, que troca idéias com o ermo,
que...
Assim, é natural que se queira
saber, desde logo, o que há afinal
(ou o que não há) por trás dos
olhos azuis, por entre os fios de
barba, debaixo do laquê, sob as
calvas e o topete.
Estamos a menos de um ano da
eleição. E uma empulhação nem
sempre se revela no parto. O melhor é que venha à luz o quanto
antes, para que a possamos observar por mais tempo.
O governismo perde-se em indecisão. Serra finge que ainda não é
candidato. Tasso e Roseana alfinetam-no tricotando à luz do dia.
Todos tramam a reedição de um
consórcio político que proporcionou ao país, para além da festejada maioria parlamentar, jáderes
e padilhas, escassez de luz e volatilidade econômica, juro lunar e
dólar ao olho da cara.
A oposição desperdiça a sua hora. Envenenada pelo próprio rancor, mostrou-se incapaz de organizar a utopia do novo à volta de
uma mesa. Descaracteriza-se esmolando segundos de TV nas
franjas do velho. Ciro agarrou-se
ao PTB de Roberto Jefferson. Lula
cobiça o PL de Medeiros e da Igreja Universal. Itamar injeta bílis
nas entranhas do PMDB de todos
os pecados.
Entretidos com o confronto da
CNN com a Al Jazeera, absorvidos pela batalha dos Tomahawks
contra o antraz, nós, jornalistas
brasileiros, assumimos gostosamente o papel de Carolina. Alçado à condição de plataforma de
governo, o nada desfila solenemente diante de nossa janela e
nós não o vemos.
Hipnotizados pelos problemas
da América, negligenciamos o
nosso "homework". Amanhã, talvez rezemos para que o novo presidente seja bom. Ou, por outra,
talvez oremos para que seja uma
lástima. Como se sabe, só a perversão escala a primeira página.
Reconheça-se, porque é de justiça, que Lula e o seu PT se esforçam para qualificar o debate. Na
última semana, lançaram o cupom da fome. Uma espécie de
programa do leite do Sarney com
mais proteínas.
De resto, o petismo promete um
tipo de felicidade que começa invariavelmente com não: não implantaremos o socialismo, não
romperemos com o FMI, não decretaremos a moratória da dívida, não desrespeitaremos os contratos, não atearemos fogo ao
campo, não jantaremos criancinhas...
Houve um tempo em que ninguém era de direita no Brasil. Hoje, ninguém quer ser de esquerda.
A "social-democratização" do PT
empurra-o pragmaticamente para o centrão. Tardio, o fenômeno
chega no instante em que uma
Miami em pânico, de olho em Bin
Laden (o sapo barbudo do Oriente), já não serve de refúgio para os
"800 mil" de Mário Amato. Roberto Campos há de ter descido à
cova com um risinho sarcástico
no canto da boca. O canto esquerdo.
Ciro Gomes também diz carregar consigo um feixe de propostas.
Lançou algumas ao vento. Entre
elas, a de negociar o alongamento
do perfil da dívida interna. Chamaram-no de caloteiro. Planejava lançar um livro antes do final
do ano, com reflexões sobre o Brasil. Desistiu. Hoje, divide suas
idéias com auditórios seletos, em
palestras remuneradas.
Antigamente era fácil. Os generais escolhiam entre eles quem seria o próximo presidente, e a arrogância do regime nos absolvia
de nossas culpas. Democracia dá
mais trabalho. A nossa, por sorte,
está ficando grandinha. Talvez já
tenha aprendido que salvadores
da pátria costumam conduzir ao
desastre. Sempre se pode optar pela conivência. Mas que não seja
por desatenção. O passado nos espreita do futuro.
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