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OPERAÇÃO ANACONDA
Documentos mostram que empresa suspeita fez pagamentos para acusados de vender sentenças judiciais
Livro-caixa liga grupo a desvio em obra
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Um livro-caixa apreendido pela
Polícia Federal revela que a empresa Lavicen, que foi usada para
desviar recursos na construção do
túnel Ayrton Senna em São Paulo,
fazia pagamentos à suposta quadrilha que seria formada por juízes, policiais federais e advogados. Nove acusados de integrar o
grupo foram presos pela Operação Anaconda.
A Lavicen é acusada pelo Ministério Público de ter sido usada pelo consórcio CBPO-Constran no
superfaturamento e no desvio de
R$ 100 milhões na obra. A construção do túnel Ayrton Senna foi
a principal obra na última gestão
do prefeito Paulo Maluf (1993-1996). O Ayrton Senna ficou célebre por ter custado mais, em metro linear, do que o túnel sob o Canal da Mancha: US$ 223,8 mil
contra US$ 155 mil.
Aparecem dois pagamentos da
Lavicen no livro-caixa da suposta
quadrilha, ao qual a Folha teve
acesso: um de R$ 50 mil em 10 de
outubro de 2002 e outro de US$
30 mil em 12 de dezembro do
mesmo ano. O caixa foi encontrado no escritório do advogado Affonso Passarelli Filho, na avenida
Faria Lima, no Itaim (zona sul de
São Paulo), que está preso.
O pagamento de R$ 50 mil foi
distribuído da seguinte maneira
pelo grupo, segundo relatório feito pela diretoria de Inteligência
Policial da PF: o agente da Polícia
Federal César Herman Rodriguez
ficou com R$ 22.500, o subprocurador da República Antonio Augusto César, com R$ 17.500, e o
juiz João Carlos da Rocha Mattos,
com R$ 10.000.
Os nomes de Augusto César e
de Rocha Mattos aparecem só
com as iniciais no caixa: AAC e
JCRM ou JCMR.
O pagamento de US$ 30 mil da
Lavicen aparece ao lado de duas
saídas de recursos do caixa do
grupo: um de US$ 15 mil a Augusto César e outro de US$ 5 mil a
Qüem Qüem, personagem ainda
não identificado pela polícia.
Dívida do subprocurador
A PF encontrou no escritório da
Faria Lima um "instrumento particular de confissão de dívida" de
US$ 66.537,57 do subprocurador
Augusto César. O empréstimo,
segundo o documento, foi feito
pelo agente federal Rodriguez entre junho e setembro de 2000.
O endereço fornecido pelo subprocurador é o mesmo no qual ele
despachava na Procuradoria da
República em Brasília, no gabinete 311. O texto não está assinado;
também estão em branco as partes em que seriam inseridos o número do RG e do CPF de Augusto
César, a quantidade de parcelas e
as datas de pagamento.
O subprocurador alegou no dia
da apreensão, em 30 de outubro,
que mantinha uma sala alugada
no conjunto de Passarelli Filho,
que seria usada para advogar. Ele
entrou no Ministério Público antes de 1988, quando a Constituição permitia que procuradores
exercessem a advocacia, exceto
em causas contra o governo. O
subprocurador conseguiu evitar
as buscas em seu escritório.
Rocha Mattos teria recebido outro pagamento de R$ 10 mil em 2
de dezembro de 2002, segundo o
livro-caixa. Abaixo dos dois pagamentos de R$ 10 mil ao juiz aparece a seguinte anotação datilografada: "Nosso pagamento (Lavicen) JCMR".
Consta também do caixa o pagamento do IPVA (Imposto de
Propriedade de Veículos Automotores) de um Gol de Rocha
Mattos, no valor de R$ 478,48.
A ação contra a CBPO estava
com a juíza Adriana Soveral, que
teria ligações com o juiz Rocha
Mattos, segundo a investigação da
Polícia Federal. Os pagamentos
da Lavicen serviriam para direcionar o julgamento. A PF acusa a
suposta quadrilha de venda de
sentenças e de chantagear envolvidos em processos na Justiça Federal, entre outros crimes.
As 13 páginas do livro-caixa
analisadas pela Diretoria de Inteligência Policial da PF mostra que
o grupo era detalhista no controle
dos gastos.
No dia 22 de agosto do ano passado, por exemplo, consta do
mesmo livro um reembolso de R$
371,38 a Lisandra Chagas, secretária do escritório, referente a despesas com "algodão doce (R$
3,00)", "chinelo (R$ 5,00)" e "sucos na praia (R$ 15,00)".
Todos os gastos foram feitos por
um dos filhos de Rocha Mattos,
num passeio ao litoral no qual
gastaram R$ 13 com pedágio. O
pagamento das escolas dos dois
filhos do juiz também está lançado na contabilidade do grupo, em
uma folha manuscrita.
Empresário e sapateiro
A Lavicen é uma empresa misteriosa. Foi aberta em 1987 como
uma locadora de tratores e caminhões. Um dos sócios que aparecem no registro é um sapateiro
aposentado que vive em Colombo, na região metropolitana de
Curitiba, chamado Lavino Kiil. O
CPF e o RG de Kiil estão corretos
no contrato social da Lavicen,
mas a assinatura não coincide
-Kiil é semi-analfabeto e tem a
letra tremida, diferentemente da
que aparece na documentação.
O sapateiro aposentado diz
nunca ter visto os supostos R$ 16
milhões que sua empresa teria recebido pela locação de equipamentos. Joel Gonçalves Pereira,
que aparece como sócio da Lavicen no contrato, responde a processo por estelionato e falsidade
ideológica no Paraná.
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