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São Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 2003

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OPERAÇÃO ANACONDA

Documentos mostram que empresa suspeita fez pagamentos para acusados de vender sentenças judiciais

Livro-caixa liga grupo a desvio em obra

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um livro-caixa apreendido pela Polícia Federal revela que a empresa Lavicen, que foi usada para desviar recursos na construção do túnel Ayrton Senna em São Paulo, fazia pagamentos à suposta quadrilha que seria formada por juízes, policiais federais e advogados. Nove acusados de integrar o grupo foram presos pela Operação Anaconda.
A Lavicen é acusada pelo Ministério Público de ter sido usada pelo consórcio CBPO-Constran no superfaturamento e no desvio de R$ 100 milhões na obra. A construção do túnel Ayrton Senna foi a principal obra na última gestão do prefeito Paulo Maluf (1993-1996). O Ayrton Senna ficou célebre por ter custado mais, em metro linear, do que o túnel sob o Canal da Mancha: US$ 223,8 mil contra US$ 155 mil.
Aparecem dois pagamentos da Lavicen no livro-caixa da suposta quadrilha, ao qual a Folha teve acesso: um de R$ 50 mil em 10 de outubro de 2002 e outro de US$ 30 mil em 12 de dezembro do mesmo ano. O caixa foi encontrado no escritório do advogado Affonso Passarelli Filho, na avenida Faria Lima, no Itaim (zona sul de São Paulo), que está preso.
O pagamento de R$ 50 mil foi distribuído da seguinte maneira pelo grupo, segundo relatório feito pela diretoria de Inteligência Policial da PF: o agente da Polícia Federal César Herman Rodriguez ficou com R$ 22.500, o subprocurador da República Antonio Augusto César, com R$ 17.500, e o juiz João Carlos da Rocha Mattos, com R$ 10.000.
Os nomes de Augusto César e de Rocha Mattos aparecem só com as iniciais no caixa: AAC e JCRM ou JCMR.
O pagamento de US$ 30 mil da Lavicen aparece ao lado de duas saídas de recursos do caixa do grupo: um de US$ 15 mil a Augusto César e outro de US$ 5 mil a Qüem Qüem, personagem ainda não identificado pela polícia.

Dívida do subprocurador
A PF encontrou no escritório da Faria Lima um "instrumento particular de confissão de dívida" de US$ 66.537,57 do subprocurador Augusto César. O empréstimo, segundo o documento, foi feito pelo agente federal Rodriguez entre junho e setembro de 2000.
O endereço fornecido pelo subprocurador é o mesmo no qual ele despachava na Procuradoria da República em Brasília, no gabinete 311. O texto não está assinado; também estão em branco as partes em que seriam inseridos o número do RG e do CPF de Augusto César, a quantidade de parcelas e as datas de pagamento.
O subprocurador alegou no dia da apreensão, em 30 de outubro, que mantinha uma sala alugada no conjunto de Passarelli Filho, que seria usada para advogar. Ele entrou no Ministério Público antes de 1988, quando a Constituição permitia que procuradores exercessem a advocacia, exceto em causas contra o governo. O subprocurador conseguiu evitar as buscas em seu escritório.
Rocha Mattos teria recebido outro pagamento de R$ 10 mil em 2 de dezembro de 2002, segundo o livro-caixa. Abaixo dos dois pagamentos de R$ 10 mil ao juiz aparece a seguinte anotação datilografada: "Nosso pagamento (Lavicen) JCMR".
Consta também do caixa o pagamento do IPVA (Imposto de Propriedade de Veículos Automotores) de um Gol de Rocha Mattos, no valor de R$ 478,48.
A ação contra a CBPO estava com a juíza Adriana Soveral, que teria ligações com o juiz Rocha Mattos, segundo a investigação da Polícia Federal. Os pagamentos da Lavicen serviriam para direcionar o julgamento. A PF acusa a suposta quadrilha de venda de sentenças e de chantagear envolvidos em processos na Justiça Federal, entre outros crimes.
As 13 páginas do livro-caixa analisadas pela Diretoria de Inteligência Policial da PF mostra que o grupo era detalhista no controle dos gastos.
No dia 22 de agosto do ano passado, por exemplo, consta do mesmo livro um reembolso de R$ 371,38 a Lisandra Chagas, secretária do escritório, referente a despesas com "algodão doce (R$ 3,00)", "chinelo (R$ 5,00)" e "sucos na praia (R$ 15,00)".
Todos os gastos foram feitos por um dos filhos de Rocha Mattos, num passeio ao litoral no qual gastaram R$ 13 com pedágio. O pagamento das escolas dos dois filhos do juiz também está lançado na contabilidade do grupo, em uma folha manuscrita.

Empresário e sapateiro
A Lavicen é uma empresa misteriosa. Foi aberta em 1987 como uma locadora de tratores e caminhões. Um dos sócios que aparecem no registro é um sapateiro aposentado que vive em Colombo, na região metropolitana de Curitiba, chamado Lavino Kiil. O CPF e o RG de Kiil estão corretos no contrato social da Lavicen, mas a assinatura não coincide -Kiil é semi-analfabeto e tem a letra tremida, diferentemente da que aparece na documentação.
O sapateiro aposentado diz nunca ter visto os supostos R$ 16 milhões que sua empresa teria recebido pela locação de equipamentos. Joel Gonçalves Pereira, que aparece como sócio da Lavicen no contrato, responde a processo por estelionato e falsidade ideológica no Paraná.


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