São Paulo, domingo, 21 de novembro de 2004

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DIREITOS HUMANOS

Nilmário Miranda afirma que medida impede excessos das polícias e é uma chance a mais de fazer justiça

Federalização dos crimes vai conter abusos, diz ministro

EDUARDO SCOLESE
JULIA DUAILIBI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Com a reforma do Judiciário aprovada na semana passada no Congresso, a possibilidade de crimes contra direitos humanos serem investigados e julgados pela Justiça Federal será um "instrumento" para conter abusos cometidos por policiais militares nos Estados e é uma chance "a mais de fazer justiça".
A opinião é do ministro Nilmário Miranda, 47, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos na Presidência, que aponta o texto final da proposta de emenda constitucional da reforma do Judiciário como um "passo à frente", mas que "não resolve o problema" do acesso à Justiça.
Segundo Nilmário, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) poderia ter "contribuído mais" com o país se não tivesse assinado a quatro dias do final de seu mandato o decreto que, na prática, impede a abertura de arquivos secretos.
Nilmário falou à Folha na quinta-feira, em seu gabinete. A seguir, trechos da entrevista.

REFORMA DO JUDICIÁRIO
Eu comemoro. Não que lá tenha tudo que a gente queria que fosse aprovado. Mas eu também aprendi a considerar que na Câmara e no Senado é assim: reforma boa é aquela passa.
O que a gente comemora menos é a questão do acesso à Justiça, que não avançou muito. Mas há políticas públicas que podem fazer isso avançar, como alguns Estados investindo em centros integrados de cidadania para aproximar esse aparato de políticas públicas à população. [A reforma] não resolve o problema, mas foi um passo à frente.

FEDERALIZAÇÃO
Foi o ponto mais importante da reforma [a federalização dos crimes]. É um instrumento excepcional. Primeiro, é mais proteção à vítima, pois, se ela sentir que a Justiça não foi realizada na instância inicial, ainda pode recorrer à Justiça Federal. É uma possibilidade a mais de fazer justiça.
Segundo, pode-se dividir melhor a responsabilidade internacional com os Estados. Tribunais, juízes, promotores e procuradores vão levar isso em conta, já que a possibilidade de deslocar competência estará posta.
A federalização dos crimes vai acabar também com a frustração do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, cujas investigações, agora, poderão ser usadas juridicamente. Até então, como no caso de Eldorado do Carajás [no Pará, em 1996], fazíamos investigações e elas não tinham conseqüência jurídica.

POLÍCIAS
Dos crimes [ligados aos direitos humanos] cometidos no país, apenas 5% são federais [como trabalho escravo]. A União tem ido bem nisso. Pelo menos a Polícia Federal tem demonstrado que é uma polícia que não tortura, não executa, não mata.
Temos de passar por uma reforma das polícias [dos Estados], que é um grave problema. Só 10% dos crimes de homicídios no Brasil são apurados. O Plano Nacional de Segurança Pública pode ser negociado com os Estados. Precisamos de uma polícia para o cidadão, e não para proteger a propriedade e os que tem dinheiro.
Estamos longe de nossos objetivos. A violência [da Polícia Militar] é encoberta por esses boletins execráveis que falam em resistência seguida de morte. Fora do país nós somos cobrados por isso. E lá não adianta dizer que o problema é do Estado. É por isso que a federalização [dos crimes] é um instrumento importante.

VIOLÊNCIA NO CAMPO
[A criação de varas agrárias nos Estados] não vai diminuir os conflitos, e sim a ocorrência de violência. O conflito é natural. As varas agrárias especializadas são importantes, pois um juiz especializado em direito civil não vai ter a mesma sensibilidade de um juiz especializado na questão agrária.

MORTOS E DESAPARECIDOS
As pessoas que compõem [a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos] são pessoas seríssimas, todas elas. Há liberdade total, absoluta de ação. Nunca houve interferência, [como afirmou o ex-presidente da comissão, João Luiz Duboc Pinaud].
Conto com [o novo presidente da comissão, Augustinho] Veit, para avançar, como criar um banco de DNA, com material genético das famílias. Temos também um começo de conversa para criar um grupo de antropologia forense. Com isso, uma vez descobertos sítios onde podem estar pessoas, não só desaparecidos, teremos um grupo preparado para todos os casos, não só os ligados a questões políticas.

ARQUIVOS DA DITADURA
Os brasileiros têm o direito de conhecer a sua história. Ninguém pode negar isso. Mas não podemos fazer nada que não seja segundo a lei. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que, se fosse assinar de novo, não o faria. Então por que ele assinou? É uma coisa que tem tantas conseqüências, ele fez a quatro dias de deixar a Presidência. Por que dificultou tanto o acesso a informações? Poderia ter contribuído mais.
O presidente [Luiz Inácio Lula da Silva] tem de dirigir [as negociações pela abertura dos arquivos] de tal forma que preserve a harmonia, o equilíbrio, não haja traumas, crises institucionais. Abrir, sim, mas procurando evitar traumas.
Mas não vamos tapar o sol com a peneira. Isso tem de ser negociado com as Forças Armadas.


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