São Paulo, domingo, 22 de março de 1998

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PRIVATIZAÇÃO
O chileno Oswaldo Sunkel é um dos principais conferencistas de seminário internacional em São Paulo
Estado precisa de "regime", diz economista

Sergio Lima/Folha Imagem
Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, que sábado encerrará seminário


da Reportagem Local

O economista Oswaldo Sunkel, 68, da Universidade do Chile e da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina, órgão das Nações Unidas), diz que o Estado, em todo o mundo, neste fim de século, "tem de fazer regime para emagrecer".
"O Estado precisa de uma alimentação saudável, cortando gorduras e dando preferência a alimentos que o mantenham forte."
Oswaldo Sunkel é um dos principais conferencistas do seminário "Sociedade e Reforma do Estado", que acontecerá, em São Paulo, de 26 a 28 de março.
O seminário internacional já recebeu mais de mil inscrições de administradores públicos, membros de ONGs e acadêmicos de todo o país.
Promovido pelo Conselho da Reforma do Estado, com o apoio do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o seminário será realizado no Memorial da América Latina.
Além de Oswaldo Sunkel, o seminário contará com palestras de especialistas, entre eles os cientistas políticos Claus Offe, da Alemanha, Adam Przeworski, dos EUA, e Owe Pederson, da Dinamarca.
Oswaldo Sunkel participará do painel "A atual transição histórica e algumas opções básicas para as instituições da sociedade", marcado para quinta-feira às 9h15, que contará ainda com Offe e com o cientista político brasileiro Luciano Martins, assessor especial da Presidência da República.
Em entrevista por telefone, de Santiago, Sunkel abordou alguns dos temas que debaterá no seminário, em São Paulo.
(ANTONIO CARLOS SEIDL)

Folha -- Qual é a mensagem que o sr. está trazendo para o seminário de Reforma do Estado?
Oswaldo Sunkel -
A de que precisamos de um Estado mais magro, mas com capacidade de desempenhar importantes funções econômicas, sociais e reguladoras. Um Estado, em todo o mundo, magro e forte, responsável pela provisão de serviços sociais nas áreas de educação e saúde, capaz de ser um rigoroso agente regulador para impedir a perversidade dos monopólios estatais ou privados.
Hoje, existe uma nova situação internacional. O Estado na esteira das características da décadas de 20 a 70 tornou-se muito gordo.
Folha - O sr. concorda, então, com a idéia neoliberal de Estado mínimo?
Sunkel -
Não concordo com a receita do neoliberalismo na qual o Estado simplesmente tem de ser reduzido a seu mínimo. Não concordo com a redução do Estado a um tamanho tal que signifique a provisão de serviços sociais de má qualidade. Isso não, de jeito nenhum.
Acredito que o Estado tem funções sociais muito importantes a desempenhar e, portanto, tem de contar com mecanismos adequados de financiamento para que possa maximizar sua atuação nas funções sociais, principalmente em educação e saúde, e também em infra-estrutura, como a construção de estradas. A reforma do Estado não quer dizer Estado deficiente, sem recursos para cumprir suas funções fundamentais.
Folha - Mas, quando se fala em diminuir o Estado, pensa-se logo no ideário do chamado neoliberalismo.
Sunkel -
Há muita confusão atualmente porque, quando uma pessoa defende a necessidade de o Estado ser pequeno e forte e a necessidade de privatizar, é aplaudido pela direita e vaiado pela esquerda.
Folha - Quem tem razão, a direita ou a esquerda?
Sunkel -
Nem uma nem outra, se a crítica é baseada em ideologia.
Folha - Por quê?
Sunkel -
Porque a ideologia é obsoleta na presente realidade. A privatização não é boa ou má em si mesma. A questão não é ideológica, é pragmática. A questão é determinar o que o Estado deve fazer ou não.
O ideal é um Estado eficiente, mas preocupado socialmente.
Folha - Como o sr. traça o perfil do Estado nesta nova era da nossa história?
Sunkel -
O Estado moderno, eficiente e progressista deve privatizar as atividades que não lhe competem mais, tais como a produção de aço, a provisão de serviços de telecomunicações e de eletricidade.
Mas o Estado dos nossos dias tem o grande dever de promover o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, de regular o setor financeiro e os setores privatizados e de proteger a agricultura.
Folha - Por que a reforma do Estado é necessária?
Sunkel -
Porque o desafio deste final de século é melhorar substancialmente a eficiência do Estado com menos recursos disponíveis. Isso implica uma enorme melhoria na produtividade e na eficácia dos serviços governamentais. O Estado tem de mudar. Não há outra saída. E isso é um fenômeno internacional. Tem a ver com a situação prévia, em que governos podiam expandir substancialmente seus gastos.
Um Estado moderno e progressista deve ser um Estado capaz de obter uma substancial receita, igual a 20% ou 25% do PIB, pelo menos. Deve arrecadar de uma maneira progressiva, de modo que os que ganham mais, pagam mais.
Folha - Qual é o papel da privatização?
Sunkel -
Não gosto de falar sobre a privatização de um ponto de vista ideológico. Acho que se deve analisar pragmaticamente em que casos o setor privado pode preencher uma função adequada e em que casos não pode.
No meu país, o Chile, a privatização tem sido um sucesso nos setores de água e saneamento e de telecomunicações, por exemplo. Os serviços de telecomunicações melhoraram muito por causa da competição movida pelo avanço tecnológico.
A chave do sucesso de um programa de privatização é a regulação e uma rigorosa supervisão dos serviços.
Mas, no caso do Chile, sou contra a privatização das minas de cobre porque elas são um fator substancial no comércio exterior do país, na determinação da taxa de câmbio, e a transferência desse poder para o setor privado seria muito perigosa. É preciso analisar a privatização sem ideologia.
Mas acrescentaria que o Estado tem de prover uma regulação muito estrita para suas próprias empresas para exigir eficiência e produtividade e para impedir que se transformem em instrumentos políticos.



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