São Paulo, domingo, 22 de março de 1998

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"Crescimento vem com fim dos déficits", diz economista do PT

da Reportagem Local

O economista Guido Mantega, 48, assessor econômico de Luiz Inácio Lula da Silva, acredita que o caminho para o crescimento do país é o fim dos déficits comercial e de conta corrente.
A seguir, leia sobre as idéias que deverão nortear o programa econômico -"mais enxuto e objetivo do que o de 94"- do PT e aliados nas eleições deste ano.

Folha - Qual é o Real do Lula?
Guido Mantega -
O programa econômico ainda não está pronto. Minhas idéias vão ser levadas a um colegiado com a participação dos economistas do PT e dos partidos aliados. Depois disso, teremos um programa econômico oficial.
Mas sabemos que o presidente Fernando Henrique vai continuar usando o Real. Só que já queimou o cartucho principal como arma de campanha: a estabilidade está aí. Agora, terá de justificar por que fez só isso.
Folha - Qual é a alternativa do PT?
Mantega -
O crescimento, porque o Real é um plano somente de estabilização. É um plano de estabilização que criou uma armadilha para o crescimento. Para fechar as contas brasileiras, o governo tem de trabalhar com juros altos. Isso não estimula o crescimento interno, aumenta a dívida pública e desestimula o investimento.
Folha - Como sair dessa armadilha?
Mantega -
O que nos distinguirá do Real do Fernando Henrique é que vamos enfatizar a questão do crescimento porque é o crescimento que gera emprego e permite distribuir renda. Esses são os eixos da campanha.
Folha - Como viabilizar isso?
Mantega -
Evidente que não se parte do zero. Vamos partir da situação deixada pelo antecessor. Isso implica determinados ajustes de sua política em uma fase de transição, quando o objetivo será zerar os déficits comercial e de transações correntes.
Folha - Como?
Mantega -
Impulsionando-se as exportações. O déficit comercial estimado para 98 é de US$ 6 bilhões a US$ 7 bilhões. Melhorou, mas tem um déficit em transações correntes de US$ 33 bilhões. O Brasil perdeu sua posição no comércio mundial. Já respondeu por 1,5% do comércio internacional. Hoje, a participação é de 1%. O Brasil tem de ocupar de novo seu espaço, estimulando as exportações
Folha - Um ponto polêmico do Plano Real é o câmbio sobrevalorizado. Como o sr. vê essa questão?
Mantega -
Vamos mudar a política cambial. Mas isso não significa uma maxidesvalorização. Não, de jeito nenhum, mesmo porque isso seria catastrófico no contexto da instabilidade asiática, que ainda vai permanecer por algum tempo. Os problemas na Ásia não foram eliminados. O vulcão está ativo e, de vez em quando, entra em erupção. O FMI joga um pouco de água fria, mas o problema não está equacionado nem no Japão nem na Indonésia. Vamos ter novas ondas de instabilidade. Então, nada de maxidesvalorização.
Folha - Como o PT planeja tratar essa questão?
Mantega -
Em vez de minidesvalorizações de 0,6% por mês, poderíamos aumentá-las até 1% para corrigir a defasagem, que acredito ser de 15% a 20%, em um ano.
Folha - Qual é a meta de crescimento econômico?
Mantega -
A meta é fazer a economia crescer 6% ao ano porque é a taxa que cria 1,5 milhão de empregos por ano. Essa é, mais ou menos, a oferta de mão-de-obra que entra no mercado de trabalho a cada ano. O desemprego existe principalmente pela baixa taxa de crescimento. É um engano achar que o desemprego é tecnológico. É claro que o progresso tecnológico corta vagas, mas setorialmente. Do ponto de vista macroeconômico, o que realmente interessa é a taxa global de crescimento.
Folha - Em quanto tempo essa taxa pode ser alcançada?
Mantega -
É uma previsão difícil de fazer. Não sabemos como vamos encontrar o país no dia 1º de janeiro de 99. Vamos ter um ano de transição, no qual vai se eliminado a camisa-de-força, vai-se mostrando ao mercado a que veio o governo Lula. O mercado tem de criar confiança porque vai haver muita difamação.
Folha - O Lula tem mostrado preocupação em discutir com os empresários e sindicalistas uma política industrial.
Mantega -
A política industrial vai ser discutida com os empresários e sindicalistas com portas abertas. A transparência é importante para ganharmos confiança do mercado. O primeiro ano é para ganhar confiança. No segundo, já deve dar para acelerar.
Um governo Lula cancelaria as privatizações?
Mantega -
Vemos com muito maus olhos esse programa de privatização. É um programa apressado, cujo objetivo não é melhorar o serviço para a população e baixar o custo, mas dar lucro para os grupos que compram as empresas.
O governo fez uma privatização apressada, não criou as regras, colocou a carroça na frente dos burros. Primeiro privatizou e, agora, está acordando para as regras.
A menos que haja prova de que houve malversação, não vamos rever as privatizações passadas. Vamos fortalecer as agências reguladoras para que obriguem essas empresas a funcionar de acordo com o interesse da população. Mas o atual programa de privatizações tem de ser interrompido.



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