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São Paulo, terça-feira, 22 de abril de 2003

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INCÔMODO PETISTA

Nomeado para acomodar o PSB, ministro da Ciência e Tecnologia desagrada a técnicos, acadêmicos e colegas

Sem respaldo, Amaral vira peso no governo

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois de mais de três meses de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não sabe o que fazer com o ministro Roberto Amaral (Ciência e Tecnologia). Nomeado para acomodar apenas um partido, o PSB, do qual é vice-presidente, Amaral tem incomodado todo o resto: técnicos, acadêmicos, empresários e até colegas do próprio governo.
A falta de uma política clara para ciência e tecnologia, o contingenciamento de recursos e o estilo de Amaral -que se envolveu até numa polêmica sobre a bomba atômica- têm paralisado a área.
O Planalto pensa em fazer uma "intervenção branca" na pasta, nomeando uma pessoa ligada a José Dirceu (Casa Civil) para um dos cargos-chave, enquanto uma mudança ministerial não vem.
Embora tenha apadrinhado a nomeação de Amaral, o ex-governador do Rio Anthony Garotinho (PSB) critica abertamente o governo e a política econômica, por exemplo. A despeito disso, articula politicamente com o único representante de seu partido no primeiro escalão federal.
À vontade, Garotinho -marido da atual governadora do Rio, Rosinha Matheus- entra e sai do gabinete de Amaral sem estar na agenda. Numa dessas visitas, que durou cerca de uma hora e meia, estava acompanhado do ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, outro expressivo líder do PSB. Garotinho faz gênero oposicionista, e Arraes mobiliza o partido a favor de Lula.

Falta estratégia
Enquanto participa de reuniões estritamente políticas em seu gabinete, o ministro irrita setores da sua área e preocupa o grupo de ministros-conselheiros de Lula ao deixar de liberar recursos e entrar em choque com representantes de setores delicados. O maior exemplo é o CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos).
Criado na gestão Fernando Henrique Cardoso, o CGEE reúne importantes nomes da área de ciência e tecnologia do país. Produz estudos e análises prospectivas. Corre agora o risco de desaparecer. Seus integrantes fazem forte pressão contra Amaral.
A função do CGEE é uma das obsessões, por exemplo, do ministro Luiz Gushiken (Comunicação e Gestão Estratégica): a formulação de políticas de longo prazo do setor, que possam ter reflexos na política industrial, nas exportações e no próprio desenvolvimento do país.
A ameaça ao CGEE tem levado congressistas, entre eles o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), a pedirem explicações a Amaral. No Orçamento deste ano, estão previstos R$ 6 milhões para o centro, mas até agora nada foi repassado.

Falta de rumo
Outro foco de problemas gerado pelo ministro são os fundos setoriais -14 grupos criados para definir o rumo das pesquisas científicas. Ao falar em mudanças nos fundos sem deixar claro o que pretende, Amaral tem causado insegurança entre os integrantes.
A previsão dos fundos para este ano é de gastar R$ 700 milhões, mas, até agora, o ministro não nomeou todos os presidentes dos comitês gestores. Até por isso, eles não se reuniram nem uma vez desde a posse do novo governo.
"O ministro prometeu diálogo sobre os fundos, mas ainda não houve. Estávamos começando um processo, com a criação dos grupos, e nossa preocupação é não voltar atrás", afirma José de Freitas Mascarenhas, presidente do conselho de políticas industriais e desenvolvimento tecnológico da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
Cientista político e advogado, Amaral também gerou insatisfação na CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), quando exonerou a secretária-executiva Cristina Possas. Os integrantes da comissão nem sequer foram consultados.
Logo em seguida, quando encerrou seu mandato na função, o então presidente da comissão, Ésper Cavalheiro, fez uma carta de despedida em que se diz preocupado com o destino da CTNBio.
"Quero externar minha preocupação com o futuro do trabalho iniciado, uma vez que, até o momento [26 de março", e com exceção de um dos componentes da equipe de transição, nenhum representante do novo governo procurou a CTNBio", afirmou.
A comissão, encarregada de dar pareceres técnicos sobre temas de biossegurança, principalmente transgênicos, não foi consultada pelo governo Lula numa questão-chave: quando da decisão de liberar para a venda, inclusive no Brasil, a safra deste ano de soja geneticamente modificada.
Amaral, assim, não se tornou só uma figura considerada "folclórica" em setores do próprio governo (por defender tortuosamente pesquisas para a bomba atômica). Tornou-se, também, um problema: tem de ficar no governo para não criar atritos com o PSB às vésperas das votações das reformas, mas não pode ficar muito tempo para não desarticular de vez o que vinha sendo feito no ministério e não irritar ainda mais técnicos e cientistas ligados ao setor.



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