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INCÔMODO PETISTA
Nomeado para acomodar o PSB, ministro da Ciência e Tecnologia desagrada a técnicos, acadêmicos e colegas
Sem respaldo, Amaral vira peso no governo
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Depois de mais de três meses de
governo, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva não sabe o que fazer
com o ministro Roberto Amaral
(Ciência e Tecnologia). Nomeado
para acomodar apenas um partido, o PSB, do qual é vice-presidente, Amaral tem incomodado
todo o resto: técnicos, acadêmicos, empresários e até colegas do
próprio governo.
A falta de uma política clara para ciência e tecnologia, o contingenciamento de recursos e o estilo
de Amaral -que se envolveu até
numa polêmica sobre a bomba
atômica- têm paralisado a área.
O Planalto pensa em fazer uma
"intervenção branca" na pasta,
nomeando uma pessoa ligada a
José Dirceu (Casa Civil) para um
dos cargos-chave, enquanto uma
mudança ministerial não vem.
Embora tenha apadrinhado a
nomeação de Amaral, o ex-governador do Rio Anthony Garotinho
(PSB) critica abertamente o governo e a política econômica, por
exemplo. A despeito disso, articula politicamente com o único representante de seu partido no primeiro escalão federal.
À vontade, Garotinho -marido da atual governadora do Rio,
Rosinha Matheus- entra e sai do
gabinete de Amaral sem estar na
agenda. Numa dessas visitas, que
durou cerca de uma hora e meia,
estava acompanhado do ex-governador de Pernambuco Miguel
Arraes, outro expressivo líder do
PSB. Garotinho faz gênero oposicionista, e Arraes mobiliza o partido a favor de Lula.
Falta estratégia
Enquanto participa de reuniões
estritamente políticas em seu gabinete, o ministro irrita setores da
sua área e preocupa o grupo de
ministros-conselheiros de Lula ao
deixar de liberar recursos e entrar
em choque com representantes
de setores delicados. O maior
exemplo é o CGEE (Centro de
Gestão e Estudos Estratégicos).
Criado na gestão Fernando
Henrique Cardoso, o CGEE reúne
importantes nomes da área de
ciência e tecnologia do país. Produz estudos e análises prospectivas. Corre agora o risco de desaparecer. Seus integrantes fazem
forte pressão contra Amaral.
A função do CGEE é uma das
obsessões, por exemplo, do ministro Luiz Gushiken (Comunicação e Gestão Estratégica): a formulação de políticas de longo
prazo do setor, que possam ter reflexos na política industrial, nas
exportações e no próprio desenvolvimento do país.
A ameaça ao CGEE tem levado
congressistas, entre eles o presidente do Senado, José Sarney
(PMDB-AP), a pedirem explicações a Amaral. No Orçamento
deste ano, estão previstos R$ 6 milhões para o centro, mas até agora
nada foi repassado.
Falta de rumo
Outro foco de problemas gerado pelo ministro são os fundos setoriais -14 grupos criados para
definir o rumo das pesquisas
científicas. Ao falar em mudanças
nos fundos sem deixar claro o que
pretende, Amaral tem causado insegurança entre os integrantes.
A previsão dos fundos para este
ano é de gastar R$ 700 milhões,
mas, até agora, o ministro não nomeou todos os presidentes dos
comitês gestores. Até por isso, eles
não se reuniram nem uma vez
desde a posse do novo governo.
"O ministro prometeu diálogo
sobre os fundos, mas ainda não
houve. Estávamos começando
um processo, com a criação dos
grupos, e nossa preocupação é
não voltar atrás", afirma José de
Freitas Mascarenhas, presidente
do conselho de políticas industriais e desenvolvimento tecnológico da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
Cientista político e advogado,
Amaral também gerou insatisfação na CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança),
quando exonerou a secretária-executiva Cristina Possas. Os integrantes da comissão nem sequer
foram consultados.
Logo em seguida, quando encerrou seu mandato na função, o
então presidente da comissão, Ésper Cavalheiro, fez uma carta de
despedida em que se diz preocupado com o destino da CTNBio.
"Quero externar minha preocupação com o futuro do trabalho
iniciado, uma vez que, até o momento [26 de março", e com exceção de um dos componentes da
equipe de transição, nenhum representante do novo governo
procurou a CTNBio", afirmou.
A comissão, encarregada de dar
pareceres técnicos sobre temas de
biossegurança, principalmente
transgênicos, não foi consultada
pelo governo Lula numa questão-chave: quando da decisão de liberar para a venda, inclusive no Brasil, a safra deste ano de soja geneticamente modificada.
Amaral, assim, não se tornou só
uma figura considerada "folclórica" em setores do próprio governo (por defender tortuosamente
pesquisas para a bomba atômica).
Tornou-se, também, um problema: tem de ficar no governo para
não criar atritos com o PSB às vésperas das votações das reformas,
mas não pode ficar muito tempo
para não desarticular de vez o que
vinha sendo feito no ministério e
não irritar ainda mais técnicos e
cientistas ligados ao setor.
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