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Ex-secretário diz que déficit "desvia" verba de área social
DA REPORTAGEM LOCAL
Muito bem, a seguridade social
é superavitária, confirma o consultor Marcelo Estevão, mas ao
incluir as contas desequilibradas
do funcionalismo público no pacote, comete-se a injustiça de drenar para a Previdência dos servidores recursos que deviam servir
para combater a exclusão social.
O ex-secretário de Previdência
do Ministério da Previdência e
Assistência Social (de 94, ainda no
governo Itamar Franco, até 99,
sob FHC) afirma que a idéia original, segundo a lei que regulamentou a seguridade social, era que o
governo gradualmente retirasse
os servidores públicos da conta.
Estevão diz que os princípios
gerais da reforma do governo estão corretos. Há, a seu ver, anomalias no atual sistema inconcebíveis em qualquer outro país.
Afirma, no entanto, que a ausência de regras de transição pune
de maneira excessiva a atual geração de servidores -a primeira
verdadeiramente profissional no
serviço público.
(RC)
Folha - Por que falar em déficit da
Previdência quando a seguridade
social é superavitária?
Marcelo Estevão - É preciso analisar esse argumento da seguridade social com certo cuidado. No
conceito original, ela não deveria
arcar com nenhuma das responsabilidades chamadas encargos
previdenciários da União. A própria lei que regulamentou o custeio da seguridade social, a lei
8212, de 91, dispunha que o governo reduziria progressivamente a
parte do recurso da seguridade
social que usava para pagar os encargos previdenciários da União,
até que essa contribuição cessasse. O fato é que o governo, não
tendo como financiar esses encargos com recursos do Orçamento
fiscal, posteriormente alterou a lei
no sentido de acabar com qualquer tipo de limitação.
Folha - Quando foi a alteração?
Estevão - Em 1995, por meio de
medida provisória. A Previdência
do servidor avançou sobre recursos que deviam ser utilizados para
financiar o combate à exclusão e
desigualdade social. Mas tudo foi
feito legalmente.
Folha - De onde viria o fundo específico para cobrir as aposentadorias dos servidores?
Estevão - Não tem como levantar recursos que não venham dos
orçamentos já estabelecidos. O
orçamento fiscal é apertado. O orçamento da seguridade social tem
fontes de financiamento exclusivas da União, e foi aí que a União
encontrou a solução para suprir a
insuficiência do orçamento.
Uma parte do problema do servidor se originou no fato de que a
Constituição previu a criação do
Regime Jurídico Único. Esse regime foi instituído em 1990, transformando todos os servidores em
um regime estatutário. Os servidores que até então eram regidos
pela CLT [Consolidação das Leis
do Trabalho] e estavam vinculados ao INSS, passaram a ser regidos pelo regime. Houve uma irresponsabilidade muito grande.
A isso se somou o fato de que havia represamento de aposentadorias, porque as pessoas tinham a
expectativa de entrar nesse regime único. O segundo aspecto é
que, enquanto você tinha inflação
elevada, o Estado conseguia gerar
superávit. Quando você passa para um regime monetário estável, a
verdade das coisas se manifesta.
Desde 95, começamos a observar
o problema nas contas públicas.
Folha - Como se tratava de uma
situação circunstancial a tendência
não é que isso volte a se equilibrar?
Estevão - Acho difícil. Você tem
desequilíbrios, a conta não fecha.
Não existe nenhum país do mundo, nem países mais ricos, que
possa aposentar servidores com
condições tão generosas. Um sistema desse, com as regras hoje vigentes, essas regras não seriam
sustentáveis atuarialmente no
tempo. Não dá para termos regras
de Previdência para o funcionalismo mais generosas que as aplicadas no padrão mundial. É como
se fôssemos pobres querendo comer caviar, enquanto os ricos estão comendo arroz com feijão.
Não significa que o governo esteja estritamente correto no projeto que apresentou. Em alguns
aspectos, ele errou a mão.
Folha - No quê?
Estevão - Errou não nos princípios gerais, que estão certíssimos.
As pessoas têm que se aposentar
mais tarde, a questão do benefício
integral tem que ser revista e mesmo a paridade entre ativos e inativos é questionável se você não
tem a contribuição do inativo.
Mas quando você vai fazer uma
mudança, é muito importante
que tenha a idéia de graduá-la, de
modo a não sacrificar em demasiado nenhuma geração específica. Para as pessoas que já estão
aposentadas ou que podem se
aposentar, nada muda, a não ser
que haverá uma contribuição dos
inativos. Essa medida, embora tenha gerado polêmica, não tem nada de draconiana. Mesmo com a
sua adoção, as pessoas ainda vão
ter uma promoção em termos de
renda líquida na aposentadoria.
Nenhum país do mundo assegura um rendimento líquido na
aposentadoria superior ao último
rendimento líquido na atividade.
Isso é uma maluquice, anomalia
tipicamente brasileira.
Folha - O sr. vê outros problemas?
Estevão - O grande problema da
reforma é que ela está punindo
demasiadamente a atual geração
de servidores. O que é ruim, porque a atual geração é a primeira
profissionalizada da história recente do país. Um contingente
que ingressou no serviço público
submetido a critérios de mérito.
Folha - Que consequências isso
pode ter? Corrida à aposentadoria?
Estevão - Não. Quem já pode se
aposentar está com seu direito assegurado. O problema maior é
que a conta para a geração que está em processo de aquisição de direitos está muito salgada. Alternativas poderiam ser buscadas. Do
que tenho medo? Toda vez que se
adotou medidas draconianas no
que diz respeito a reforma, a
emenda acabou sendo pior que o
soneto. O Judiciário poderá tombar boa parte das medidas se elas
não se pautarem pelo princípio da
razoabilidade. Nisso é que acho
que o governo errou a mão.
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