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São Paulo, domingo, 22 de junho de 2003

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NO PLANALTO

Lula por FHC: ele sou eu levado longe demais

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Muitos acharam que FHC saiu da toca antes do tempo. As declarações dadas ao site do PSDB soaram extemporâneas. Imaginava-se que tão cedo não voltaria à liça. Bom que tenha contrariado expectativas. Louvada seja essa entrevista.
Exceto pela barba, não estava dando para distinguir Lula do antecessor. As palavras de FHC mostram a diferença. Como se suspeitava, Lula é um FHC. Mas não um FHC qualquer. É um FHC que esqueceu de maneirar.
Na economia, disse FHC, o governo Lula "seguiu mais de perto" a prescrição tucana. Com uma mudança: "Exageraram na dose." Apertou-se em demasia. "O desemprego cresceu muito, a economia está sem investimento."
Na política, afirmou FHC, Lula "está fazendo alianças num espectro mais amplo" do que o arco do tucanato. "Está havendo uma penetração [dos partidos] na máquina pública muito maior do que no meu tempo."
O arrocho econômico tende a amainar. "Será que é preciso manter por tanto tempo as taxas de juros tão altas?", perguntou FHC. Não, não é, respondeu o Copom, baixando a taxa Selic de 26,5% para 26% ao ano.
É pouco. Mas marca o início de um processo. Logo estaremos de volta ao padrão FHC de usura -juros nem tão baixos que façam murchar os balanços da banca nem tão altos que asfixiem a economia à morte.
Corre-se o risco de perpetuar as desigualdades sociais. Mas quem já esperou que o bolo crescesse para depois dividi-lo, quem já aguardou pela estabilização da moeda, pode aguentar até que o risco Brasil caia a níveis razoáveis. Depois, Lula vai ver o que dá para fazer. Desde que o dólar não dispare de novo.
Quanto à licenciosidade política, não há sinal de que vá refluir. "É preciso limitar as áreas de penetração dos vários setores de partido na máquina pública", ensina FHC. "Também é preciso evitar ao máximo o clientelismo nisso. Sei que é difícil, não consegui tudo".
Assim como FHC, Lula oferece à fisiologia uma conveniente fachada de esquerda. O pecado é como que aceito nos salões da virtude. Sob o tucanato, PMDB e afins tiveram quase tudo. Sob o petismo, querem mais.
Também como FHC, Lula delega as aflições do dia-a-dia a um superministro. Misturados todos os auxiliares do presidente num copo de liquidificador, sacudidos, bem batidos, dá José Dirceu. É a vitamina do governo. É o ministro que faz. É o Sérgio Motta de Lula.
Se algo irrita Dirceu é ser comparado a Serjão. Acha que o cotejo embute um juízo pejorativo. Cobra respeito. Diz que não entrou na política à sombra de ninguém. Fez-se pela luta e pelo voto. Tudo verdade. Mas nada apaga a impressão de que ninguém no "novo" governo é mais Serjão do que Dirceu. É o trator que abre as picadas, faz a terraplenagem, regulariza o terreno político.
O Congresso vê a Casa Civil como o portal de todas as barganhas. É a passagem que leva às nomeações. Cruzando-a, chega-se a delegacias estaduais do trabalho, a superintendências do INSS, a estatais como a Petrobrás e a um imenso e suculento etc. O salário é pouco. Mas as oportunidades são muitas.
FHC também começou assim. Ao cabo do primeiro mandato, encontrava-se enrolado em fitas que continham vozes de deputados acreanos. Falavam de Serjão e de uma certa "cota federal", recebida em troca da emenda da reeleição.
Pouco depois, FHC dividia um mesmo outdoor com Paulo Maluf. Um era candidato a presidente. O outro, a governador de São Paulo. Junto com o segundo mandato, FHC ganhou escândalos como o da $udam.
Se o ex-presidente estiver certo - "Não vi nada novo na prática do PT frente à prática tradicional brasileira" -, o governo Lula é um escândalo em gestação. FHC sabe o que diz. Foi dando que recebeu.



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