São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 2005

Texto Anterior | Índice

ELIO GASPARI

Ser direito dá cadeia

Aconteceu entre Brasília e Cuiabá um episódio que deve levar os procuradores do Ministério Público e a imprensa a refletirem sobre seus papéis na defesa da lei e dos direitos dos cidadãos.
Deu-se o seguinte:
No dia 2 de junho, os esforços do procurador Mário Lúcio Avelar e da Polícia Federal resultaram no desencadeamento da Operação Curupira, destinada a capturar larápios que se haviam associado a quadrilhas de desmatadores de terras indígenas. Em poucos dias encarceraram-se 93 pessoas. O maior peixe da rede, preso a pedido do procurador, chamou-se Antonio Carlos Hummel, diretor de Florestas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama. Depois de ser tratado como foragido, Hummel apresentou-se à Policia Federal, em Brasília. Viajou algemado para Cuiabá. Aos 50 anos, esse engenheiro florestal com 23 de anos de serviço público, dois filhos, um apartamento de três quartos e dois carros Gol, foi transformado no seguinte:
Segundo o procurador, "ele autorizou operações ilegais que levaram à comercialização de 10 milhões de metros cúbicos de madeira". (Feitas as contas, noticiou-se que a quadrilha desmatou área equivalente a 52 mil campos de futebol, tirando madeira suficiente para encher 66 mil caminhões, ao valor de quase R$ 900 milhões.) Faz bem à saúde pública que o Ministério Público corra atrás da ladroeira florestal, mas havia uma questão pendente na cadeia de Cuiabá: e o que é que Hummel teve a ver com isto? A essa altura, guardado numa cela, o engenheiro chorava.
O presidente do Ibama defendeu-o, e a ministra Marina Silva lembrou que não recebera o inquérito que o incriminava. "Se ela quiser, eu envio para ela. Já mandei uma cópia para a Polícia Federal, é só ela pedir que vai entender tudo", respondeu o doutor Avelar.
No dia 7, depois de passar quatro noites na cadeia, o engenheiro soube, pelo procurador, que seria solto. Só então iriam ouvi-lo. Com a palavra o delegado federal Tardelli Boaventura, responsável pelas investigações da Curupira: "O procurador acompanhou o interrogatório. A Polícia Federal não tinha nada contra ele. No final, o procurador concluiu que não deveria sequer ter indiciado ele".
Vai-se a internet e cadê a notícia de que Hummel foi desonerado e solto? Foi publicada aqui e ali, magra como um faquir. Jogou-se fora o trigo e mascou-se o joio. Um diretor de órgão público avançando no patrimônio da Viúva não chega a ser novidade. Sensacional é o servidor honesto ir para a cadeia e vir a saber, antes de ser ouvido, que será solto sem mais nem menos. Isso é que é notícia, como diz Hummel: "Ser direito dá cadeia".
O sujeito trabalha a vida toda naquilo que gosta, servindo ao Estado na defesa do meio ambiente. Constrói uma reputação internacional e, de uma hora para outra, está em cana, com a vida triturada. Desde a prisão de Edmond Dantés sabe-se que coisas desse tipo podem acontecer, até por acidente.
Hummel não pretende ser um Conde de Monte Cristo, mas vai à Justiça para entender o que lhe aconteceu.
O engenheiro estava na cadeia enquanto a ECT do ministro Eunício Oliveira contratava como consultores diretores que demitira. Henrique Meirelles e Romero Jucá continuavam no Banco Central e no Ministério da Previdência. Ambos respondem a inquéritos no Supremo Tribunal Federal. Lula, que não sabia do men$alão, prefere mantê-los no cargos. Já o pobre (pobre mesmo) Hummel foi preventivamente afastado da diretoria de Florestas do Ibama.


Texto Anterior: Outro lado: Ações são histórias "requentadas", diz o deputado do PP
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.