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São Paulo, sexta-feira, 22 de agosto de 2003

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JANIO DE FREITAS

A terceira reforma

Enquanto não lhe ocorrem mudanças mais próximas dos compromissos de seus dirigentes com o eleitorado, nem por isso o governo fica imóvel. Já avançada a desreforma previdenciária e encaminhada a anti-reforma tributária, a Presidência deu mais um passo para reformar os históricos e universais métodos do jornalismo.
Há uns dois meses, diante das críticas à recusa de Luiz Inácio Lula da Silva a dirigir a palavra aos repórteres brasileiros, seu braço direito (em outros tempos era o esquerdo) Luiz Gushiken fez a concessão de admitir que era conveniente algum contato presidencial direto. Veio, então, o primeiro passo da reforma: foi inventada a entrevista sem perguntas, que estavam proibidas. O presidente fez aos repórteres uma espécie de show exclusivo, com uma peroração em tudo igual às de todos os dias, onde lhe seja oferecida oportunidade. Ou a oportunidade de criar uma oportunidade para mais um evento típico de candidato.
Por algum motivo indefinido, mas presumivelmente ligado a desejos de retribuição, no final de semana passado apareciam duas entrevistas de Lula, uma à TV Globo e outra a "Veja". As duas exclusividades, propostas pela própria Presidência, pegaram mal nos numerosos jornais, TVs, rádios e revistas ostensivamente repelidos. Assim, a título de reparo, surgiu a ocasião para um duplo avanço mudancista.
Repórteres de variadas Redações estiveram à mesa para um misto de café da manhã e entrevista com o presidente. Dois jornalistas de cada Redação convidada. Mas não escalados, como sempre, segundo critérios de chefes de reportagem, editores ou diretores. Se não em todos, e tudo indica que sim, houve casos em que a própria Presidência se atribuiu aquela responsabilidade, designando quem deveria estar presente. Não há o que ressalvar a respeito de escolhas. Trata-se de observar o importante avanço. Avanço sobre atribuições implícitas na liberdade de imprensa. Uma atividade jornalística não se confunde com um encontro social.
O segundo passo não foi menos interessante: proibido o uso de gravador. E, diante de cada jornalista, a conveniente profusão de pratos, copos, xícaras e talheres, entre os quais alguns insistiram em alojar seu bloco de anotações.
Bush, imagina-se, ficaria muito surpreso se, no meio de uma de suas entrevistas diárias, fosse informado de que mesmo ele tem uma liçãozinha de comportamento democrático a dar a alguém.


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