São Paulo, Domingo, 22 de Agosto de 1999
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Dilceu Sperafico (PPB-PR) responde a processos que investigam supostos casos de estelionato, financiamento ilegal e apropriação indébita; deputado nega

Líder ruralista é acusado de fraudes


Lalo de Almeida/Folha Imagem
Vista aérea da sede da Agrícola Sperafico em Toledo (PR), de propriedade da família do deputado federal Dilceu Sperafico (PPB-PR)


JOSÉ MASCHIO
da Agência Folha em Toledo
MÔNICA BERGAMO
da Reportagem Local

O presidente da Comissão de Agricultura e principal negociador dos produtores rurais na Câmara dos Deputados, Dilceu João Sperafico (PPB-PR), responde na Justiça a processos por expedição de duplicata simulada, obtenção fraudulenta de financiamento em instituição financeira, apropriação indébita e estelionato.
A família também briga na Justiça para não pagar as dívidas que tem com o Banco do Brasil. A Agrícola Sperafico, empresa de três irmãos do deputado, está sendo executada por uma dívida de cerca de R$ 50 milhões. Um dos sócios, Dilso Sperafico, está sendo executado individualmente pelo BB por dívida de R$ 1,6 milhão.
O deputado admite que sua família tem dívidas com o BB, mas nega que esteja à frente das manifestações dos ruralistas para lutar pelo próprio bem-estar.
"As acusações de legislar em causa própria são injustiça. Tenho dívidas de menos de R$ 178 mil e nem são referentes à agricultura", diz ele (leia texto abaixo).
As maiores dívidas são da Agrícola Sperafico, da qual Dilceu se desligou em 1992. Dos R$ 50 milhões cobrados pelo banco, Dilso Sperafico, um dos sócios, admite que deve R$ 15 milhões. "Daqui a pouco vão dizer que nosso débito é maior do que a dívida externa do Brasil", ironiza. Diz que o débito não se refere à agricultura.
A família Sperafico é conhecida no Paraná pelas dívidas que tem, e não paga. No último dia 13, por exemplo, o Banco Itaú tentou, sem sucesso, levar a leilão bens penhorados pela família para saldar uma dívida de R$ 9 milhões.
Em janeiro, o presidente do Banco do Estado do Paraná, Manoel Garcia Cid, foi acusado de quebrar o sigilo bancário ao falar das dívidas do grupo na Assembléia Legislativa do Estado. A Folha apurou que a dívida era de R$ 7 milhões. O deputado moveu ação contra Garcia Cid.
Já os processos na Justiça não passam de "loucura" do procurador que faz as acusações, segundo Sperafico. O irmão dele, Levino, é acusado de deixar de recolher R$ 1,3 milhão ao INSS, além de sonegar outros R$ 547 mil.
As acusações de apropriação indébita e de estelionato se referem a 27 mil toneladas de trigo depositadas em armazéns do grupo e que foram dadas em garantia de uma dívida de R$ 2,1 milhões ao Banco Rural. O trigo, segundo a acusação, pertencia à Companhia Nacional de Abastecimento.
As confusões com bancos e tribunais não afetam a popularidade da família Sperafico em Toledo, cidade de 100 mil habitantes no oeste do Paraná. Além de Sperafico, a família ajudou a eleger o prefeito, Derli Donin, um deputado estadual e 14 dos 17 vereadores.
Os Sperafico obtêm para Toledo verbas federais para obras como o maior teatro do interior do Paraná, que custará R$ 2 milhões.
Fanáticos por automobilismo, eles empregam boa parte do dinheiro das empresas em patrocínio para que os próprios filhos participem de competições no exterior. Alexandre, sobrinho do deputado, corre na Fórmula Barber Dodge americana, e os gêmeos Ricardo e Rodrigo, de 18 anos, disputam a Fórmula 3 sul-americana.
A atuação de Sperafico nas negociações tem dividido o movimento dos agricultores. "É muito ruim misturar o caso de pequenos lavradores, que pagam em dia e estão quebrando, com o de parlamentares ou de outros grandes devedores que brigam na Justiça para não pagar", diz Luiz Hafers, presidente da Sociedade Rural Brasileira.
A bancada de parlamentares devedores do BB é engrossada por senadores como Geraldo Mello (PSDB-RN), sócio da Companhia Açucareira Vale do Ceará Mirim, que tem débito de R$ 130 milhões. "Não gosto de falar sobre isso. Amanhã ou depois aprovam algum benefício para os agricultores e pode ficar parecendo que estou defendendo interesses da família", diz ele.
O senador Teotonio Vilela Filho, presidente do PSDB, é sócio da Usinas Reunidas Seresta, 55ª maior devedora em créditos rurais para o Banco do Brasil.
"Herdei de meu pai, Teotonio Vilela, a coragem de enfrentar os desafios por um Brasil melhor. Mas também herdei uma usina com dívidas", diz o senador, que evita participar de negociações com os ruralistas.
A Seresta deve R$ 16,6 milhões. Foi executada pelo BB em 1996, num processo que ainda se arrasta na Justiça. "Antes de o banco nos executar, questionamos na Justiça o valor da dívida, que nunca reconhecemos", diz José Aprígio Vilela, irmão do senador.
Já que a conta não chega, Vilela expande os negócios e até consegue novos financiamentos de bancos oficiais. Em 1995, o empresário pegou dinheiro no Banco do Nordeste para instalar uma indústria de R$ 750 mil que coloca em caixinhas 2.000 litros de leite tipo A ordenhado de vacas importadas dos Estados Unidos.
O haras da Fazenda Boa Sorte, em Viçosa, tem cavalos em baias de tijolo mais confortáveis do que as casas de taipa que ainda abrigam cortadores de cana da Zona da Mata nordestina.
Érico Ribeiro, o maior arrozeiro individual do mundo, responsável por uma produção de 220 mil toneladas, pilota o próprio avião turboélice Mitsubishi para sobrevoar suas terras no Rio Grande do Sul. O avião vale R$ 900 mil.
Ribeiro deve R$ 46,2 milhões ao BB, mas expande seus negócios. Ele afirma que faz questão de se diferenciar dos devedores que preferem bater nas portas de advogados e juízes a pagar suas contas no guichê do banco. "Tenho dívida, como todo o mundo tem. Mas pago em dia", diz.
Ribeiro tem 21 empresas no Brasil e terras no Uruguai, onde também planta soja, milho e cria gado. Investe em curtume, implementos agrícolas, peles, embalagens, combustíveis e empreendimentos imobiliários.
Mantém 11 granjas no Estado que têm estrutura semelhante à de uma cidade. Numa delas, mantém casa para 158 famílias e escola para 316 alunos, cursos técnicos de agropecuária, posto de saúde e igreja para missa aos domingos.
O grupo Maeda é o maior produtor de algodão do Brasil. Fatura R$ 220 milhões por ano. Dobrou de tamanho nos últimos cinco anos, expandiu os negócios para a área de alimentação, mas mesmo assim mantém espetado um papagaio de R$ 39,5 milhões no Banco do Brasil.
Renegociou a dívida em 1998 para que ela fosse paga em 20 anos. A primeira parcela venceu este mês, mas não foi paga. "Estamos atrasados, mas vamos acertar a situação na virada do mês", diz Jorge Maeda, vice-presidente da empresa.
Maeda é considerado um bom cliente pelo BB. Nunca ficou inadimplente -situação em que são enquadrados aqueles que passam mais de dois meses sem pagar- e mesmo assim é a favor do projeto que perdoa uma parte dos débitos dos ruralistas.
"Se o governo tivesse adotado uma política de câmbio realista, essa lista de grandes devedores não existiria", diz o empresário. "O governo valorizou demais o real, o que tornou os produtos agrícolas muito caros para exportação. Ao mesmo tempo, os produtos estrangeiros entraram no Brasil a um preço muito baixo, numa concorrência desleal", diz.
Graças a isso, os preços ficaram baixos, o que contribuiu para o controle da inflação. Em compensação, o governo teve que aumentar os juros para atrair dólares e financiar as importações.
Ele exibe uma tabela feita pela Confederação Nacional da Agricultura que mostra que, nos anos 80, enquanto a taxa de juros, que corrige as dívidas, variou 13.800%, os preços dos produtos agrícolas variaram até 23.000%.
Depois do Plano Real, os juros variaram 92% entre julho de 1994 e abril de 1998. Já os preços variaram no máximo 33%. "As dívidas cresciam rápido enquanto nossas receitas ficaram espremidas", diz Maeda. Por isso, ele defende uma nova rodada de perdão às dívidas. "Tenho condições, mas não acho justo pagar o que não devo."


Colaboraram Lucio Vaz, da Sucursal de Brasília, Ari Cipola, da Agência Folha em Maceió, e Léo Gerchmann, da Agência Folha em Porto Alegre


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