São Paulo, domingo, 22 de setembro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO/FERNANDO MORAIS

Sobre jingles políticos

Quem critica o marqueteiro Nizan Guanaes por ter-se apropriado da música da cerveja Bavária para tentar tirar do buraco a candidatura de José Serra talvez não saiba que essa é uma prática tão antiga entre nós quanto o próprio jingle político. A primeira peça do gênero apareceu na campanha de 1914. O presidente da República era o marechal Hermes da Fonseca, conhecido popularmente como "seu Dudu" e cercado pela fama de ser um homem agourento. Às vésperas das eleições, o Rio foi tomado pela marchinha "Ai Filomena" (composta por Carvalho de Bulhões sobre a melodia italiana "Viva Garibaldi"), cujo estribilho passaria a ser repetido por todo o país: "Ai Filomena, se eu fosse como tu/Tirava a urucubaca da careca do Dudu". O jingle virou sucesso no Carnaval, mas revelou-se um fracasso nas urnas: o eleito acabou sendo o candidato oficial, Wenceslau Braz, com quase 90% dos votos.
Ao contrário de promover políticos, como acontece hoje, o objetivo da maioria dos jingles daquela época era destruir reputações. O presidente Artur Bernardes, por exemplo, não hesitava em mandar para a cadeia quem ousasse ironizá-lo com quadrinhas musicais, como aconteceu com o escritor mineiro Djalma Andrade, autor do jingle que fazia insinuações sobre a sexualidade do presidente: "Quando à cova ele desceu/Inteiramente despido/Disse um verme para outro verme:/Não como, já foi comido".
O jingle político só chegaria aos ouvidos das multidões, no entanto, depois do surgimento do rádio no Brasil, em 1922. De Washington Luiz ("Ele é paulista?/É sim senhor/Falsificado?/É sim senhor") a João Goulart ("Na hora de votar em vou jangar/É Jango, é Jango/ É o Jango Goulart"), nenhum político importante deixou de recorrer ao jingle para tentar se eleger. Quando disputava uma cadeira no Senado, em 1978, FHC ganhou de Chico Buarque uma marchinha composta sobre a música "Acorda Maria Bonita": "A gente não quer mais cacique/A gente não quer mais feitor/ A gente agora tá no pique/Fernando Henrique pra senador". O "cacique" e o "feitor" eram alfinetadas disparadas contra Franco Montoro, dirigente do MDB e também candidato ao Senado. Com a proximidade da derrota de FHC, os montoristas refizeram com fino humor a letra do jingle: "A gente não tem mais cacife/ A gente não tem mais mentor/A gente agora foi a pique/Fernando Henrique é só professor".
Nada disso, contudo, se compara à malícia poliglota dos emedebistas da cidade gaúcha de Estrela. Na campanha eleitoral de 1976, MDB e Arena se engalfinhavam atrás dos votos do eleitorado. Temerosos da ação da polícia (e confiantes nas raízes germânicas da maioria da população local), os militantes do partido de oposição na cidade terminavam seus comícios cantando um jingle de rima rica... em alemão: "Ein, zwei, drei/Arena is schweinerei!". Em bom português, "Um, dois, três/A Arena é uma porcaria".


Fernando Morais, 56, jornalista e escritor, escreve aos domingos nesta coluna


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