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São Paulo, segunda-feira, 22 de setembro de 2003

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CAMPO MINADO

Movimentos sociais já têm 880 mil pessoas vivendo em acampamentos para pressionar por reforma agrária

Total de acampados cresce 33% em 2 meses

EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA

Como forma de pressionar o governo federal a realizar a reforma agrária historicamente prometida pelo PT, os movimentos sociais incharam para 200 mil o número de famílias acampadas em todo o país. Em apenas dois meses, houve um acréscimo de 33% no total de pessoas acampadas.
Levantamento feito pela Agência Folha nas 29 superintendências regionais do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) aponta para pelo menos 197.078 famílias acampadas atualmente no país. O número, porém, deve chegar à casa das 210 mil, pois São Paulo e sul do Pará ainda trabalham com números parciais.
Na prática, são 880 mil pessoas vivendo debaixo de barracos de lona aguardando a criação de assentamentos.
A atual quantidade de trabalhadores rurais nos acampamentos representa um crescimento de 228% em relação ao último semestre do governo FHC (60 mil famílias acampadas) e de 33% sobre julho passado (148 mil), segundo dados do Incra.

Tática de pressão
"Sem dúvida é uma tática de pressão sobre o governo", declarou João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). O movimento esperava atingir o atual patamar de acampados em dezembro.
Sete Estados concentram 60% dos acampados -Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná e Pernambuco. O ranking é liderado pelos pernambucanos, com 23.842 famílias, somando-se dados das superintendências do Incra em Recife e Petrolina.
No sul do Pará, a seção do Incra em Marabá tem 4.661 famílias cadastradas (dado utilizado pela reportagem), mas afirma que outras cerca de 6.000 têm recebido cestas básicas nos acampamentos da região.
O cadastramento dos sem-terra tem sido lento -o relatório final já deveria ter sido apresentado em julho. O atraso dos trabalhos se deve principalmente à falta de verba para o envio dos entrevistadores aos acampamentos. O Incra mato-grossense é um reflexo da ausência de recursos -só conseguiu cadastrar 28% das 19.307 famílias acampadas no Estado.

Assistência
A falta de dinheiro alegada pelo governo como responsável pela demora na aceleração da reforma agrária também reflete na assistência básica aos acampados. Desde o início do ano, o governo federal distribuiu, em média, menos de uma cesta básica por família -um total de 174 mil cestas, segundo o Ministério da Segurança Alimentar e Combate à Fome.
Com o inchaço dos acampamentos, a primeira intenção dos sem-terra é forçar o Palácio do Planalto a aprovar ainda neste ano um novo PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária). O projeto do plano tem entre suas metas assentar 1 milhão de famílias até 2006 e ajustar as normas de execução do Incra para acelerar o processo de desapropriação.
A realidade do governo, porém, tem sido diferente. Neste ano, mesmo com a promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de assentar 60 mil famílias, o número não deve ultrapassar as 10 mil. Para o ano que vem, o recurso programado prevê o assentamento de cerca de 25 mil famílias (13% do total de acampados).

Demanda reprimida
"As mobilizações são parte de uma demanda reprimida. O problema é que o otimismo se choca com a pouca operacionalidade efetiva da reforma agrária até agora", disse Gilmar Mauro, da direção nacional do MST.
Segundo a Agência Folha apurou, a idéia de priorizar os acampamentos às invasões se consolidou no início do mês, logo após a troca de Marcelo Resende por Rolf Hackbart na presidência do Incra, considerada pelo movimento como uma traição do Planalto.
Para os sem-terra, a reforma agrária maciça e que visava beneficiar os acampados ficou em segundo plano com a saída de Resende. Rolf, segundo o MST, será uma espécie de "auxiliar" do ministro Miguel Rossetto -com uma tendência pró-agricultura familiar e programas de crédito fundiário.

Instrumento
O presidente da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), Manoel José dos Santos, segue a mesma linha: "O acampamento é o principal instrumento de luta para a promoção dos assentamentos, sem dúvida nenhuma. O fluxo dos acampamentos somente diminui com uma resposta do governo para avançar o programa de reforma agrária".
Ao deixarem as invasões em segundo plano, os sem-terra evitam descumprir a medida provisória antiinvasões. A MP proíbe por dois anos as avaliações e vistorias em terras invadidas.
As invasões caíram 44% de julho para agosto -passando de 43 para 24, segundo o governo federal. Porém, nos oito primeiros meses deste ano, ocorreram 184 invasões -quantidade que supera o total registrado de janeiro a dezembro de 2001 e 2002, com 158 e 103 casos, respectivamente.



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