São Paulo, segunda-feira, 22 de outubro de 2001

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ENTREVISTA DA 2ª
Mesmo insatisfeito, empresariado deve apoiar candidato do governo, diz pesquisadora Eli Diniz

Empresário já não teme PT, mas apóia FHC

Antônio Gaudério/Folha Imagem
A cientista política Eli Diniz, no 25º Congresso da Anpocs, realizado na cidade de Caxambu (MG)


ANTÔNIO GOIS
ENVIADO ESPECIAL A CAXAMBU

A cientista política Eli Diniz, do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), dedica sua vida acadêmica ao estudo do comportamento do empresariado brasileiro.
Já publicou "Empresário, Estado e Capitalismo no Brasil" (Paz e Terra, 1978), "Empresariado e Transição Política no Brasil" (Iuperj, 1984) e "Globalização, reformas econômicas e elites empresariais" (FGV, 2000), entre outros.
Irmã da falecida atriz Leila Diniz, Eli afirma que ninguém deve se iludir com as recentes declarações de empresários se dizendo descontentes com o atual modelo econômico brasileiro e insinuando até mesmo um apoio ao PT nas eleições presidenciais de 2002.
"Os empresários são suficientemente pragmáticos e flexíveis para recompor seu apoio a um candidato de situação do atual governo", diz. Segundo ela, a diminuição da rejeição a Lula "não se traduz em voto a favor do PT".
Seu último estudo, em parceria com o cientista político Renato Boschi, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), captou a insatisfação com o atual modelo econômico por parte de líderes empresariais.
O trabalho mostra que os empresários estão divididos em relação à política econômica de Fernando Henrique Cardoso -ele também um estudioso do empresariado (autor de "Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico", de 1964). Um grupo tem um discurso mais crítico, enquanto outro defende, com ressalvas, o modelo econômico de FHC. Em comum, os dois grupos exibem a certeza de que o processo de desestatização e abertura econômica, deflagrado no início dos anos 90, é irreversível.
O novo estudo de Eli e Boschi, baseado em entrevistas com 30 líderes empresariais, foi apresentado na semana passada, no 25º encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, em Caxambu.
 

Folha - A um ano das eleições, hoje é mais comum ver empresários reclamando do modelo econômico. Alguns chegam a sinalizar uma aproximação com o PT. Não parece mais provável do que em anos anteriores um apoio ao partido?
Eli Diniz -
Eu não tenho elementos para dizer como os empresários votarão. No entanto, seu padrão de apoio político desde o início da Nova República é o de escolha de candidatos de centro-direita. Eles votaram no Collor em 1989, temendo a vitória do Lula, assim como apoiaram Fernando Henrique nas duas últimas eleições. Acho muito pouco provável que haja uma mudança tão grande a ponto de se traduzir em votos para os candidatos de oposição.
O que está havendo atualmente é uma diminuição da rejeição ao Lula. Essa rejeição era muito alta. O argumento das lideranças empresariais, hoje, é que o Brasil mudou tanto de 1989 para cá que já não é mais possível voltar ao que era antes. Mesmo que um partido de esquerda vença, não é mais possível propor mudanças que signifiquem um retorno ao passado. Não dá mais para defender o calote da dívida ou a reestatização das empresas privatizadas. O próprio discurso do PT, que a imprensa chama de "light", incorpora esse aspecto.

Folha - Mas a insatisfação do empresariado com a política econômica é detectada na sua pesquisa.
Eli -
A imprensa tem explorado muito a insatisfação do empresariado como um fator favorável a uma mudança das posições tradicionais. Acredito que os empresários são suficientemente pragmáticos e flexíveis para recompor o apoio e superar suas divergências com o governo. Um dos pré-candidatos do governo [José Serra" já sinalizou que quer ser o candidato da "continuidade sem continuísmo". Esse tipo de proposta pode ter uma abertura entre os empresários. Algumas mudanças importantes da política econômica atual poderão ser sugeridas pelos pré-candidatos da continuidade.

Folha - Qual discurso eleitoral se afina mais com as aspirações do empresariado?
Eli -
Os empresários deixam claro que são a favor da estabilidade econômica, mas que ela só não basta. Eles defendem uma política mais agressiva de comércio exterior e uma política a favor da indústria nacional e de incentivo às exportações. O que importa para eles agora é mudar as prioridades. Isso implica mudança da política econômica, hoje simbolizada pelo estilo de gestão de pedro Malan, que deu uma rigidez muito grande à economia. Há um discurso comum de que é preciso abrandar essa rigidez, mas sem abrir mão da estabilização.
O governo até permitiu o crescimento industrial no início deste ano, mas foram medidas conjunturais, sem fôlego. Enquanto não for rompida a vulnerabilidade externa, teremos apenas surtos espasmódicos de desenvolvimento.

Folha - Haveria margem para dar apoio a Ciro Gomes, Itamar Franco ou Anthony Garotinho?
Eli -
Não é possível fazer essa afirmação. Essas candidaturas ainda estão muito pouco claras. Até agora, o único partido que apresentou um programa foi o PT. Nem o ministro José Serra nem Tasso Jeressaiti apresentaram claramente suas propostas. A candidatura de Paulo Renato me parece já estar descartada. Garotinho ainda está tateando. Enfim, é muito cedo para apostar fichas.

Folha - Por que os empresários prejudicados só agora demonstram sua insatisfação?
Eli -
Parte significativa desse segmento mais atingido não teve condição de liderar nenhuma frente de resistência empresarial. Muitos tiveram de vender suas empresas ou perderam a projeção e visibilidade política que tinham antes. A análise das entrevistas que fizemos no nosso último estudo [com o cientista político Renato Boschi" mostrou que, apesar de muitos terem se sentido prejudicados, não se formou uma coalizão de perdedores que desse mais visibilidade às críticas.

Folha - Quais setores se dizem mais prejudicados e quais se mostram favoráveis ao atual modelo?
Eli -
A avaliação positiva do governo era mais nítida em setores que se reconheceram como beneficiários das mudanças, como entidades de indústrias da construção pesada, da construção naval, de siderurgia e de petróleo. Os setores apontados como os mais prejudicados foram os de autopeças, bens de capital e têxtil.

Folha - O que há em comum entre esses dois grupos?
Eli -
Nós observamos uma concordância com relação à importância da estabilização econômica, um legado de Fernando Henrique Cardoso e um modelo que não tem mais volta. Apesar disso, os empresários questionam o que eles consideram perverso: a sobrevalorização do real frente ao dólar e as altas taxas de juros, políticas mais claras do primeiro mandato. A privatização, de forma geral, foi avaliada de forma positiva. No entanto, mesmo o processo de privatização revelou, segundo as lideranças, erros graves de implementação, como ausência de compromissos em termos de investimentos futuros. Os empresários do grupo menos favorável criticaram muito a atuação do BNDES nesse processo.

Folha - Como os empresários viram a ampliação dos grupos estrangeiros na economia nacional?
Eli -
Há um consenso crítico da forma como foi feita a abertura comercial. Apesar de favoráveis, as lideranças afirmam que não houve um cuidado de acoplar uma política mais consistente para preparar a indústria para essa abertura. Não houve uma preocupação com o estímulo à exportação, o que gerou uma balança comercial desfavorável. É comum também o argumento da necessidade de rever a participação do Brasil na OMC (Organização Mundial do Comércio) para permitir uma participação mais equilibrada do país no comércio internacional. A OMC tem favorecido os países hegemônicos, e o Brasil tem condições de explorar melhor seu poder de barganha.

Folha - Essa abertura e a presença maior de grandes grupos internacionais não desarticulou politicamente as indústrias brasileiras?
Eli -
Alguns empresários mais críticos ao governo chegaram a citar essa preocupação. No entanto, os mais afinados têm outra visão do que é uma empresa estrangeira, diferente do modelo antigo. Para esses, a empresa nacional é aquela que gera emprego, produz e se instala aqui, independente se ela tem capital estrangeiro ou não.


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