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Arquivo sigiloso da Câmara revela notas de "fantasmas"
Documentos obtidos pela Folha na Justiça somam 2.000 páginas com dados de 70 mil notas
Notas fiscais utilizadas para justificar verba indenizatória levam a endereços fictícios, empresas desconhecidas do mercado ou clandestinas
Lula Marques/Folha Imagem
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A SC Comunicações, empresa mais contemplada pela verba de ‘consultoria, pesquisas e trabalhos técnicos‘, tem como sede uma casa em Luziânia (GO). Nem a moradora nem o dono do imóvel dizem conhecer a firma, que emitiu notas para dez deputados e ex-deputados
ALAN GRIPP
RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Documentos mantidos até
agora sob sigilo pela Câmara
mostram que empresas de fachada ou com endereços fantasmas são beneficiárias do dinheiro que a Casa destina para
a atividade parlamentar.
A Folha obteve por via judicial as informações de cerca de
70 mil notas fiscais que foram
objeto de reembolso aos deputados federais nos últimos quatro meses de 2008. É uma pequena amostra da caixa-preta
que o Congresso mantém desde 2001, quando foi criada a
verba indenizatória, adicional
mensal de R$ 15 mil para despesas de trabalho (o salário de
um deputado é R$ 16,5 mil).
Nas duas últimas semanas, a
Folha analisou cerca de 2.000
páginas entregues pela Câmara
ao Supremo Tribunal Federal a
partir de mandado de segurança e percorreu endereços em
cinco Estados e no Distrito Federal para checar os dados.
Deparou-se com uma série
de endereços fictícios e com
empresas que são totalmente
desconhecidas do mercado. Os
deputados que usaram notas
dessas empresas alegam que os
serviços foram prestados e dizem que não podem responder
por eventuais problemas delas.
Um deles, Marcio Junqueira
(DEM-RR), recebeu pelo aluguel de carros reembolsos
mensais de cerca de R$ 15 mil
da PVC Multimarcas. A empresa é do advogado do parlamentar, Victor Korst, e tem como
endereço o escritório deste.
Criada há pouco mais de um
ano, a PVC emitiu ao deputado
notas fiscais de numerações inferiores a dez, o que indica que
Junqueira é possivelmente seu
único cliente. "Se você for dar
nota de tudo o que faz e pagar
todos os impostos, você morre
de fome", justificou-se Korst.
Após abril deste ano, quando
a Câmara passou a divulgar na
internet os dados da verba,
Junqueira deixou de pedir
reembolso pelo serviço: "Acho
que ele não teve ainda a felicidade de fazer com outros os
contratos que fez comigo".
Endereços falsos
São muitos os casos de empresas que não existem nos endereços informados à Receita,
situação que pode configurar
crimes como falsidade ideológica e contra a ordem tributária
(dois a cinco anos de prisão).
Os deputados baianos Severiano Alves (PMDB) e Uldurico
Pinto (PHS) entregaram uma
série de notas da Valente &
Bueno Assessoria Empresarial,
que informou à Receita funcionar num apartamento na Asa
Sul de Brasília. O dono do imóvel nunca ouviu falar da firma.
No período analisado, a Valente & Bueno teria recebido
R$ 56 mil dos dois deputados,
mas, segundo eles, os pagamentos remontam a 2006, o que
elevaria o valor a pelo menos
R$ 350 mil se o padrão de pagamentos for constante. Severiano e Uldurico disseram que os
serviços foram prestados, mas
não souberam detalhá-los.
Severiano falou que a assessoria era "consultoria de mídia,
principalmente" e que interrompeu os trabalhos em abril
porque a Câmara teria proibido
a contratação de consultorias, o
que não é verdade. Uldurico
disse não se lembrar exatamente o que solicitou -foram "trabalhos jurídicos, específicos".
Líder em volume de recursos
no quesito "consultoria", com
R$ 115 mil, a SC Comunicações
e Eventos, que emitiu notas para dez deputados e ex-deputados, também não é conhecida
em seu endereço oficial, uma
casa simples em Luziânia (GO).
"Nunca funcionou nenhuma
empresa ali, isso eu posso garantir", afirmou o caminhoneiro Giovani Braz de Queiroz, dono do imóvel há 12 anos.
Proprietário da SC, o jornalista Umberto de Campos Goularte, assessor do senador João
Durval (PDT-BA), diz que o endereço inexistente se deve a um
erro de seu contador e que ele
prestou serviços de assessoria
de imprensa, atividade para a
qual os deputados já têm verbas
específicas -R$ 60 mil ao mês.
Goularte disse ainda que a SC
fica em Luziânia porque é lá
que vive o seu contador e que a
empresa cumpre "todas as suas
obrigações". Segundo a prefeitura da cidade, porém, a empresa não recolhe ISS (Imposto
Sobre Serviços) desde 2007.
Dois dos deputados que entregaram notas da SC contaram
versão distinta, afirmando que
a assessoria ou era jurídica ou
produzia pareceres políticos.
Outra empresa, a Seven Promoções, emitiu em três meses
notas de numeração 1, 2 e 3 a
Zezéu Ribeiro (PT-BA), indício
de que "trabalhava" exclusivamente para o deputado. Apesar
de ter sido aberta em 1999, a firma só emitiu as primeiras notas em 2008. No endereço citado, em Brasília, funciona uma
corretora de planos de saúde.
Já o aluguel de carros segue
uma lógica peculiar: as empresas ou apresentam endereços
fantasmas ou dizem funcionar
em locais sem qualquer identificação, que abrigam outras
empresas, atuando quase que
só para atender deputados.
A Meridiano Locação de
Equipamentos dá como endereço o de uma firma de saneamento. A Information Systems
Tecnologia se apresenta na fachada como comércio de cartões telefônicos, embora conste
como locadora de carros. Sem
se identificar, a Folha tentou
alugar carros nas duas, e ouviu
que o serviço não era prestado.
Após a reportagem questionar
os deputados, a Meridiano e a
Information disseram que seus
funcionários se equivocaram.
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