São Paulo, sexta-feira, 22 de dezembro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS


Um tempo sem remédio



Em outros tempos, mesmo próximos, seria um desaforo com a pessoa e um insulto ao país. Sarney lhe daria resposta enfezada. Itamar reagiria com atitude forte de governo. Collor aproveitaria para um gesto presepeiro, mas também não engoliria.
Três possíveis reações supondo-se que os dirigentes de laboratórios americanos no Brasil ousassem dizer, ao tempo daqueles governantes, que estudam um pedido ao presidente eleito dos Estados Unidos, George W. Bush, para intervir contra um ato do presidente brasileiro relativo a preços de remédios.
O que era desaforo foi feito agora e recebido como coisa natural, logo, sem necessidade de reação do presidente. Quem, por isso, sinta um travo de humilhação, tome um remedinho multinacional para desativá-la. Não se pode criticar os dirigentes dos laboratórios americanos, que só terão agido de acordo com a lógica de sua experiência e de fatos do seu conhecimento. Grossos podem ser; malucos, não. Sabem onde estão e com quem lidam.
Essas circunstâncias valorizam mais a batalha que José Serra trava com os preços dos medicamentos. Não é difícil imaginar sua outra batalha, para obter de Fernando Henrique Cardoso, contra o próprio e contra Pedro Malan & cia., a medida provisória congelando em 4,4% os aumentos no ano que vem.
A sem-cerimônia dos laboratórios americanos indica longa duração para a guerra. Suas ameaças de cortar os atuais descontos, assim obtendo aumento de preços muito além dos 4,4%, desafiam Serra, cuja retaguarda não lhe é mais solidária do que o inimigo. Mas nisso e por isso é que Serra se tem mostrado o melhor dos ministros. Um dos dois ou três que são ministros de fato.
Houvesse uma orientação governamental mais comprometida com os interesses do Brasil, o velho e indecente problema dos remédios se resolveria com o que, hoje em dia, pode ser apenas um comentário de Serra: "Se esses laboratórios fizessem nos Estados Unidos o que fazem aqui, teriam problemas graves na Justiça".

Os reprovados
A influência do boicote de alunos nas notas que o MEC atribui aos cursos superiores, no provão, não é um critério: é uma idiotice. Proveniente do ressentimento pela crítica implícita na ausência e da falta de propósitos sérios.
A ausência de examinandos jamais pode indicar o nível de sua capacitação. Mas o MEC a usa para aviltar a nota de "avaliação do curso". É, portanto, uma avaliação falsa. É fraude. E pode estar afastando futuros alunos de cursos que são, de fato, qualificados e os dirigindo para cursos inferiores, mas com notas melhores porque seus alunos compareceram ao provão.
A título de exemplo, um curso com muitos professores cuja capacidade conheço e admiro, o de comunicação da Universidade Federal Fluminense, recebeu nota péssima por causa do boicote, mas tem qualidade notória. É um dentre muitos com o mesmo tratamento pelo MEC.
Como diz a diretora do curso da UFF, Irene Cristina do Amaral, "o MEC não contrata professores, não corrige salários e não compra material há cinco anos, mas se acha no direito de cobrar". Cobrar o que ele próprio não tem. Nota Z, e não apenas o reprovante E, merecem os tecnocratas do MEC-provão.


Texto Anterior: Observador ainda não foi escolhido
Próximo Texto: Congresso: Itamar apóia tucano para a presidência da Câmara
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.