São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 2002

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AGENDA FRUSTRADA

Dificuldades na formação do ministério atrapalham plano petista

Lula descumpre promessas para o período de transição

FÁBIO ZANINI
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A agenda que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva prometia para o período de transição acabou esvaziada diante das dificuldades na composição política do novo governo e da necessidade de acalmar o mercado financeiro.
Em seus dois últimos meses como candidato, Lula listou planos para o período, que teriam o objetivo de demonstrar, ainda que de forma simbólica, o desejo de mudança política, econômica e social que embalou sua campanha -além de assegurar que tais objetivos não poriam em risco o cumprimento de contratos e o controle da inflação.
A promessa, não cumprida por Lula, de anunciar seu ministério em bloco até a primeira quinzena de dezembro é apenas um exemplo de expectativa otimista de campanha que esbarrou na realidade da transição.
A idéia era apresentar à sociedade uma equipe suprapartidária em que todas as áreas do governo teriam igual importância, contrapondo-se às pressões do mercado para uma definição rápida da equipe econômica. Dizia-se ainda que o Planejamento teria status superior ao da Fazenda.
O primeiro ministro anunciado -em Washington- foi justamente Antonio Palocci Filho, petista que se tornou a opção preferencial dos investidores para a Fazenda. Dias depois, foi anunciado o futuro presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.
Já o Planejamento, ainda indefinido, chegou a ser incluído na conturbada negociação para a entrada do PMDB no governo.
Pela estratégia original, o embrião do novo ministério seria uma equipe de transição plural, com nomes de expressão política oriundos do PT e dos partidos aliados. Lula acabou tendo de recorrer a um time basicamente técnico e "puro sangue" -só petistas- para desarmar uma potencial disputa política entre seus colaboradores.
O atraso na definição do ministério adiou para 2003 outra ação simbólica e de grande apelo de marketing anunciada por Lula: levar seus ministros para uma viagem de ônibus por lugares miseráveis do país.

Mudança de modelo
O PT também não conseguiu iniciar já na transição, como anunciava na campanha, medidas voltadas para uma mudança segura do atual modelo econômico -a mudança começaria por uma reforma tributária que estimule a produção e as exportações, e a segurança, pela garantia de autonomia do BC.
O desejo de dar partida à redução dos impostos sobre as exportações, que seria objeto até de um pacto com os governadores, foi ofuscado pela necessidade mais urgente de garantir a arrecadação de impostos em 2003 e o cumprimento das metas fixadas no acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Esse mesmo pragmatismo impediu que fossem definidos já na elaboração do Orçamento o aumento do salário mínimo e o montante dos investimentos e projetos sociais de Lula.
Durante a campanha, o então candidato e seus assessores diziam que a elevação de investimentos poderia ser feita com corte de desperdício e remanejamento de gastos, sem alta de tributos. Na realidade, houve a manutenção de alíquotas de impostos que deveriam ter sido reduzidas e reestimativa de receitas pelo aumento da inflação.
Já a proposta de concessão de mandatos para o BC foi deixada de lado após resistências da bancada petista na Câmara, para depois ressurgir em um anúncio de Meirelles -mas como um projeto para 2003.

Sem acordo
No partido, admite-se que as dificuldades na transição foram maiores do que se esperava.
"É muito difícil trabalhar uma agenda no Congresso no final de um governo e de uma legislatura. A transição foi mais complicada do que imaginávamos", diz o presidente do PT, José Genoino.
Para o deputado federal Ricardo Berzoini (SP), a imprevisibilidade da agenda de governo, que as promessas de campanha não levaram em conta, está na raiz das dificuldades.
Cita especificamente o caso da medida provisória 66, da chamada "minirreforma tributária".
"A MP 66 ficou quase um mês parada por falta de acordo, trancando a pauta. Foi algo sobre o qual não tivemos controle", afirma Berzoini.
Pode-se acrescentar a essas explicações um nervosismo do mercado acima do previsto pelas declarações do PT, que sempre negou a associação entre a alta do dólar e o temor dos investidores em relação ao governo Lula.

Dólar
Na fase final da campanha, quando o dólar chegou a R$ 3,99, o discurso petista previa que, definido o segundo turno, a especulação cessaria, levando a cotação para perto de R$ 3.
A queda rápida do dólar para o patamar de R$ 3,50 animou o governo eleito e serviu de base para declarações otimistas de Palocci. A demora na definição do presidente do BC e os temores de descontrole inflacionário, porém, fizeram a cotação voltar a R$ 3,80 -só recuando para os R$ 3,49 da última sexta-feira com o anúncio da equipe econômica, da disposição em elevar o aperto fiscal e da permanência da política e da equipe de Armínio Fraga no Banco Central.


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