São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

Gil no Banco Central

A montagem do governo enredou-se em si mesma, enredou-se no PMDB, enredou-se nos sentimentos do eleitorado lulista. E quem levou as sobras foi Gilberto Gil. Aconteceu-lhe cair, ministro mas desavisado, como a velha gota da d'água, em cima do desalento acumulado com a inesperada tucanice do eixo do futuro governo. Gil está apanhando, porque atacá-lo nada custa à mídia, como se ele é que viesse da presidência do BankBoston e da campanha de José Serra sob o rótulo das "mudanças" no Banco Central e no governo.
Amanhã, disse Lula da Silva, saem os nomes finais do ministério. Sem o PMDB, dizem, mas ainda há algumas horas para a mudança da mudança de decisão, porque algumas mudanças precisam aparecer. A única mais consistente, por ora, seria mesmo a ausência do PMDB fisiológico no futuro governo, depois de oito anos de compra-e-venda com a Presidência da República e vários escândalos abafados, como o do DNER e o da Suframa, pela entrega de setores do governo aos peemedebistas fisiológicos.
A se confirmar a ausência do PMDB, o governo de Lula terá escapado na última hora de uma imoralidade. Se não ficasse tão evidente a insistência de José Dirceu em negociar com a cúpula do PMDB, seria inacreditável a intenção dos novos governantes de se associarem ao grupo de Geddel Vieira Lima, Moreira Franco, Jader Barbalho e congêneres. Mesmo que houvesse necessidade comprovada, para fazer maioria na Câmara e no Senado, ou as razões éticas passam a prevalecer ou não haverá mudança essencial alguma, em comparação com a imoralidade política dos últimos oito anos, em que até reeleição foi comprada no Congresso.
Mas nem a necessidade poderia comprovar-se. O PMDB está rachado, e boa parte dele não deixará de apoiar as inovações importantes do governo, até por ser defensora programática de muitas delas. E, em silêncio, desde as eleições estão ocorrendo muitas conversas de peemedebistas com outros partidos, para sua transferência. O PTB, por exemplo, já está mais gordo do que saiu das urnas. Há sinais de que também o PPS anda bem cotado entre peemedebistas descontentes. Por fim, nada até hoje negou que base no Congresso só se constrói no governo, e não fora dele.
Se os organizadores do novo governo desenredaram-se do PMDB fisiológico, em casa continuam enredados.
Algum mal-informado de sempre publicou que "Carlos Lessa nunca foi convidado para o Planejamento". Nesse caso, Lessa teria sido chamado por Lula apenas para matar improváveis saudades de Brasília.
Mas "Carta Capital" precisou o dia da viagem, quinta-feira 12, e a colunista de política de "O Globo", Tereza Cruvinel, confirmou a escolha de Lula, registrada em nota por mim assinada já indicando que Lessa viajara com dúvidas sobre a aceitação do cargo. O PMDB fisiológico (Lessa é do PMDB histórico) vetou-o, e Lessa recebeu o que preferia: o BNDES, que não o tiraria do Rio.
O empresário Luiz Fernando Furlan, adepto da candidatura Serra e escolhido ministro do Desenvolvimento, desautoriza o noticiário e as entrevistas sobre a ida de Lessa para o BNDES, a convite pessoal de Lula. É lógico, e ficou claro, que Furlan prefere alguém afinado com suas idéias, que são as de apoiador do atual governo. E neste pequeno incidente tem-se, então, o anúncio das contraposições que vão ocorrer no governo e cujas soluções não serão simples. Entre o governo prometido e o que o prometem os escolhidos para o setor econômico só cabem interrogações.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Social: Ruth faz crítica indireta a Fome Zero petista
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.