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São Paulo, segunda-feira, 22 de dezembro de 2003

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ENTREVISTA DA 2ª

ROBERTO SETUBAL

Presidente do Itaú diz que "muitos" não acreditaram que presidente seguiria a "Carta ao Povo Brasileiro"

Lula "surpreende" ao cumprir o que prometeu, diz banqueiro

Pedro Azevedo - 05.nov.2002/Diario de São Paulo
Roberto Setubal, que em 2002 dizia que a vitória de Lula não significaria ruptura econômica, em seu escritório, no centro de São Paulo


GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

Durante a campanha presidencial de 2002, o banqueiro Roberto Setubal, presidente do banco Itaú, surpreendeu o mercado ao defender, na reta final da eleição, que a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não representaria uma ruptura. Ao analisar o desempenho do primeiro ano do governo, Setubal diz que tomou a atitude correta naquele momento.
Para Setubal, 49, o governo está fazendo tudo o que se havia comprometido a fazer no seu programa. "Pelo programa, pela "Carta aos Brasileiros" e pela forma como os membros do PT estavam interagindo com o setor privado, eu entendia que não havia motivos para aquela ansiedade exagerada do mercado", afirmou.
A maior surpresa do governo, segundo Setubal, foi, para muitos, o fato de estar cumprindo o que havia prometido. "Se olharmos o programa do PT, tudo o que está sendo feito agora, até a austeridade fiscal, estava lá", afirmou.
Sobre a possibilidade de as instituições financeiras aumentarem o volume de empréstimos para investimentos privados, Setubal diz que o problema não é que os bancos não queiram fazer isso. O problema é que os custos dessas operações são muito altos e só vão baixar quando o governo reduzir sua participação no mercado financeiro. "Na prática, o banco recebe um depósito [dinheiro] e vai emprestá-lo a uma empresa ou ao governo", disse Setubal. O governo precisa, então, reduzir a emissão de títulos para sobrar mais dinheiro para o setor privado.
 

Folha - Como o sr. avalia o primeiro ano do governo Lula?
Roberto Setubal
- Avalio muito bem. A situação de crise em que terminamos o ano passado e começamos este ano está totalmente controlada. As expectativas foram alinhadas. Foi implementada uma política econômica com sucesso, a meu ver. Apesar de ter sido amargo, o remédio adotado foi necessário e vai dar alegria nos anos à frente.

Folha - Quais seriam os pontos altos dessa política?
Setubal
- O primeiro ponto, sem dúvida, foi o controle da inflação. É sempre bom lembrar que o controle da inflação é mais importante para as classes mais baixas, já que os salários mais baixos são os que mais sofrem com esse problema. O controle macroeconômico também está permitindo a visualização de um juro real cada vez menor para o ano que vem e para os próximos anos. No ano que vem, nós teremos o menor juro real dos últimos 15 anos.

Folha - E os pontos baixos?
Setubal
-Eu não vejo pontos baixos. Para enfrentar a situação que encontrou, a área econômica teve de fazer opções. As escolhas foram corretas, mas o remédio foi amargo e teve efeitos colaterais. Esse seria o aspecto que eu poderia entender como negativo, mas eu acho que faz parte da escolha. Como a escolha tinha de ser aquela, eu não o vejo, de fato, como um ponto negativo.

Folha - O sr. não acha que o remédio foi amargo demais?
Setubal
- Não, acho que não. Dado o objetivo de reduzir a inflação, o nível de juros é consequência da meta que foi fixada. Se a política monetária tivesse sido mais suave, a inflação certamente teria sido maior. Como foi proposta uma meta de 8,5% por ano, estamos fechando em torno de 9% e a expectativa em certo momento era de 15%, eu acho que a política teve um sucesso fantástico. Eu não concordo que o Banco Central demorou a derrubar os juros. A meta foi fixada, o BC conseguiu atingi-la, chegou até a ultrapassá-la um pouco, e o efeito colateral era esse, a situação era previsível.
Não acho que a política tenha sido enérgica demais. O país ainda terá crescimento positivo no ano, o que, na situação em que nos encontrávamos, pode ser considerado um resultado muito bom. Se olharmos o exemplo de outros países, eu acho o resultado muito positivo. Se quiséssemos um crescimento maior, teríamos de ter aceitado uma inflação maior, mas, nesse caso, a política monetária deveria ter sido diferente.
Foi definida uma meta de 8,5% ao ano e a política monetária foi uma consequência dessa meta. No ano que vem, a meta será de 5,5%. Se tivéssemos escolhido, por exemplo, uma meta de 7%, a política monetária talvez pudesse ter sido mais frouxa. Não dá para querer o melhor de tudo. Quando se opta por um caminho, é preciso saber que ele terá o seu preço. Tudo tem o seu preço.

Folha - Como foi o ano para os bancos?
Setubal
- O mercado financeiro trabalha com expectativas. Nós fechamos o ano calendário de 2002 com uma expectativa bastante nebulosa em relação ao que viria pela frente, apesar de uma expectativa que já vinha num ritmo de melhora. O momento pior foi setembro do ano passado. Depois houve uma melhora. Nesse processo, houve uma valorização dos ativos financeiros. Houve valorização dos títulos, o que reflete uma expectativa de juros menores, e valorização da Bolsa. Tudo isso é muito positivo para o mercado financeiro e continuamos com essa expectativa para o ano.
Agora, os bancos estão fazendo um esforço muito grande para controlar custos, já que as margens vão cair com a redução dos juros. Foi um ano bom para o sistema financeiro, assim como foi bom também para as indústrias. O crescimento do lucro das indústrias foi muito grande neste ano. Há várias empresas cotadas em Bolsa com rentabilidade superior à do mercado financeiro, o que acho absolutamente natural. Neste momento, nós voltamos a uma situação normal, em que as empresas bem administradas, bem como os bancos bem administrados, vão obter retornos altos. Enfim, uma situação normal de mercado.

Folha - Qual é a sua expectativa para os juros?
Setubal
- O Copom continua reduzindo rapidamente a taxa de juro. Acho que há condição de reduzi-la mais ao longo do ano que vem. A nossa expectativa é que o juro [Selic] termine o ano que vem entre 14% e 15%.

Folha - E os juros para empréstimos praticados pelos bancos?
Setubal
- Os juros para empréstimos, de uma forma geral, têm caído. Os spreads, como o Banco Central tem divulgado, têm caído, o que significa que os bancos têm repassado aos empréstimos mais do que a redução que o Copom tem feito. O processo vai continuar. Os bancos vão continuar reduzindo os juros na ponta do empréstimo mais do que o Copom.

Folha - Isso é possível?
Setubal
- Isso é possível porque os volumes de crédito estão aumentando e porque a expectativa de inadimplência é menor, enfim, tudo isso faz parte de uma equação que vai se ajustando ao longo do tempo.

Folha - O volume de crédito tem aumentado?
Setubal
- De uma forma geral, o crédito tem aumentado bastante neste final de ano, seja para o financiamento de automóvel, seja para os empréstimos para as pequenas empresas.

Folha - Os bancos têm condições de participar mais do processo de financiamento para a volta do investimento do setor privado?
Setubal
- Os bancos estão dispostos a participar, mas o que ocorre hoje é que os custos para o tomador que os bancos podem oferecer são altos, o que não viabiliza o investimento. Portanto há poucos investimentos financiados pela rede bancária porque o custo dos empréstimos é elevado, não porque os bancos não queiram emprestar. À medida que os juros vão caindo e as expectativas continuem sendo de queda dos juros, os prazos dos empréstimos vão se alongando e os custos dos financiamentos vão-se reduzindo -e isso irá provocar um aumento da oferta de crédito. Mas essa oferta de crédito, a queda dos juros e a estabilidade estão intimamente ligadas à redução da presença do Tesouro brasileiro [governo] no mercado financeiro.
Ou seja, o Tesouro tem de reduzir sua dívida com o mercado financeiro de tal forma que sobre mais dinheiro para ser emprestado, a custos mais baixos, para investimento, consumo e capital de giro para o setor privado. Esse processo está intimamente ligado à capacidade do Tesouro de repagar a dívida e à situação fiscal.

Folha - O esforço fiscal ajudaria nesse processo?
Setubal
- Esse esforço fiscal que está sendo feito é absolutamente necessário para que o Tesouro tenha capacidade de reduzir sua dívida. A redução da emissão de títulos por parte do Tesouro vai fazer com que sobre mais dinheiro para o setor privado. Na prática, o banco recebe um depósito e vai emprestá-lo a uma empresa ou ao governo. Se o governo começa a abater sua dívida, o banco vai emprestar mais para a empresa. Ou seja, não tem como aumentar esse depósito. O que eu posso fazer é tirar de um e passar para o outro. Por isso é muito importante a redução do déficit e a manutenção de uma política fiscal bastante rigorosa.

Folha - Não há mágica para baixar a dívida.
Setubal
- Milagre não existe. É como se fosse uma empresa ou uma pessoa física. Como se paga uma dívida? A saída é cortar despesas e pagar a dívida. Teoricamente, mantendo o mesmo nível de gastos, seria possível aumentar impostos, mas nós já estamos no limite. A gritaria no Brasil contra o aumento da carga tributária é brutal. Não há espaço nenhum para aumento de impostos.

Folha - Como o sr. vê as reformas tributária e da Previdência?
Setubal
- A reforma da Previdência está sendo concluída. A emenda paralela mantém o espírito original, como algumas pequenas correções que não têm efeito macroeconômico. Na parte tributária, o processo, como já se sabia, é muito complicado mesmo e, provavelmente, teremos uma reforma que será feita por etapas. Acho até que é uma medida inteligente deixar a reforma tributária para ser feita ao longo dos próximos anos, já que, com o crescimento da economia, será mais fácil fazê-la do que teria sido num ano como este, em que não houve crescimento. À medida que a economia cresça, haverá aumento de receita fiscal, o que tornará mais fácil a aprovação da reforma no Congresso.

Folha - Qual é a sua previsão para 2004?
Setubal
- Nós estamos imaginando um crescimento de 3,5% e juros entre 14% e 15%. Não esperamos nenhum choque externo, as coisas devem caminhar bem no cenário internacional e isso nos vai ajudar a obter esse crescimento, que poderá ser sustentado ao longo de 2005. Outra coisa importante a que temos de estar atentos é a questão energética. O marco regulatório do setor elétrico precisa ser bastante e rapidamente discutido para que se criem regras claras, o que é essencial para que o processo de crescimento sustentável não seja interrompido por falta de capacidade energética. Se crescermos entre 3% e 4% em 2004 e 2005, vamos correr o risco de enfrentar uma falta de energia em 2006 -até por uma pequena redução das chuvas.

Folha - Os bancos vão, nesse ritmo de afrouxamento dos juros, perder terreno na economia?
Setubal
- Os bancos vão ter uma performance como qualquer outro setor da economia. Os bancos vão ter uma rentabilidade média próxima de 15% -como, aliás, está ocorrendo neste ano-, que não é muito diferente da rentabilidade da indústria. Evidentemente, há quem esteja abaixo disso e quem esteja acima. Na média, o sistema vai se acomodar num nível de rentabilidade parecido com o da indústria. Eu acho que uma rentabilidade de 15% no Brasil, com uma inflação de 5%, é bastante razoável.

Folha - A rentabilidade dos bancos foi muito maior nos últimos anos?
Setubal
- Oscilou muito. Não foi tão maior assim. Se computarmos os bancos que tiveram prejuízos, o nível de rentabilidade em geral foi um pouco maior do que o da indústria, mas não houve rentabilidade excepcional.

Folha - Agora, com juros menores, os bancos terão de ser um pouco mais eficientes para poderem continuar ganhando como antes?
Setubal
- O sistema financeiro, com 15% de rentabilidade média, terá um padrão normal para qualquer setor. E acho que os bancos podem continuar tendo esse nível de rentabilidade, o que não significa que não haverá bancos e algumas empresas com rentabilidade acima desse nível. O Itaú tem tido rentabilidade acima desse nível, bem como empresas muito bem administradas, como a Vale do Rio Doce, a Votorantim e várias outras. Neste ano, por exemplo, a CSN está apresentando resultados fantásticos.

Folha - O sr. foi um dos primeiros empresários a manifestar apoio ao Lula no ano passado. O sr. tomou a atitude correta?
Setubal
- Tudo o que falei no ano passado, no momento da crise, se mostrou absolutamente correto. Na época, eu procurei mostrar que, pelo programa do PT, pela "Carta aos Brasileiros" e pela forma como os membros do PT estavam interagindo com o setor privado -o tipo de conversa, o tipo de idéias-, eu entendia que não havia motivos para aquela ansiedade exagerada do mercado. Eu acreditei que tudo o que estava no programa e nos discursos seria cumprido.
E foi isso o que ocorreu. Na realidade, o governo do PT está fazendo exatamente aquilo a que se propôs no seu programa do governo. Se olharmos o programa do PT, tudo o que está sendo feito agora, até a austeridade fiscal, estava lá. Do ponto de vista econômico, a surpresa foi, para muitos, o PT cumprir o que havia sido prometido.



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