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ENTREVISTA DA 2ª
ROBERTO SETUBAL
Presidente do Itaú diz que "muitos" não acreditaram que presidente seguiria a "Carta ao Povo Brasileiro"
Lula "surpreende" ao cumprir o que prometeu, diz banqueiro
Pedro Azevedo - 05.nov.2002/Diario de São Paulo
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Roberto Setubal, que em 2002 dizia que a vitória de Lula não significaria ruptura econômica, em seu escritório, no centro de São Paulo |
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
Durante a campanha presidencial de 2002, o banqueiro Roberto Setubal, presidente do banco Itaú,
surpreendeu o mercado ao defender, na reta final da eleição, que a
vitória de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) não representaria uma ruptura. Ao analisar o desempenho
do primeiro ano do governo, Setubal diz que tomou a atitude correta naquele momento.
Para Setubal, 49, o governo está
fazendo tudo o que se havia comprometido a fazer no seu programa. "Pelo programa, pela "Carta
aos Brasileiros" e pela forma como
os membros do PT estavam interagindo com o setor privado, eu
entendia que não havia motivos
para aquela ansiedade exagerada
do mercado", afirmou.
A maior surpresa do governo,
segundo Setubal, foi, para muitos,
o fato de estar cumprindo o que
havia prometido. "Se olharmos o
programa do PT, tudo o que está
sendo feito agora, até a austeridade fiscal, estava lá", afirmou.
Sobre a possibilidade de as instituições financeiras aumentarem o
volume de empréstimos para investimentos privados, Setubal diz
que o problema não é que os bancos não queiram fazer isso. O problema é que os custos dessas operações são muito altos e só vão
baixar quando o governo reduzir
sua participação no mercado financeiro. "Na prática, o banco recebe um depósito [dinheiro] e vai
emprestá-lo a uma empresa ou ao
governo", disse Setubal. O governo precisa, então, reduzir a emissão de títulos para sobrar mais dinheiro para o setor privado.
Folha - Como o sr. avalia o primeiro ano do governo Lula?
Roberto Setubal - Avalio muito
bem. A situação de crise em que
terminamos o ano passado e começamos este ano está totalmente
controlada. As expectativas foram
alinhadas. Foi implementada
uma política econômica com sucesso, a meu ver. Apesar de ter sido amargo, o remédio adotado foi
necessário e vai dar alegria nos
anos à frente.
Folha - Quais seriam os pontos altos dessa política?
Setubal - O primeiro ponto, sem
dúvida, foi o controle da inflação.
É sempre bom lembrar que o controle da inflação é mais importante para as classes mais baixas, já
que os salários mais baixos são os
que mais sofrem com esse problema. O controle macroeconômico
também está permitindo a visualização de um juro real cada vez
menor para o ano que vem e para
os próximos anos. No ano que
vem, nós teremos o menor juro
real dos últimos 15 anos.
Folha - E os pontos baixos?
Setubal -Eu não vejo pontos baixos. Para enfrentar a situação que
encontrou, a área econômica teve
de fazer opções. As escolhas foram corretas, mas o remédio foi
amargo e teve efeitos colaterais.
Esse seria o aspecto que eu poderia entender como negativo, mas
eu acho que faz
parte da escolha.
Como a escolha tinha de ser aquela,
eu não o vejo, de
fato, como um
ponto negativo.
Folha - O sr. não
acha que o remédio foi amargo demais?
Setubal - Não,
acho que não. Dado o objetivo de
reduzir a inflação,
o nível de juros é
consequência da
meta que foi fixada. Se a política
monetária tivesse
sido mais suave, a
inflação certamente teria sido
maior. Como foi
proposta uma
meta de 8,5% por
ano, estamos fechando em torno
de 9% e a expectativa em certo
momento era de 15%, eu acho que
a política teve um sucesso fantástico. Eu não concordo que o Banco Central demorou a derrubar os
juros. A meta foi fixada, o BC conseguiu atingi-la, chegou até a ultrapassá-la um pouco, e o efeito
colateral era esse, a situação era
previsível.
Não acho que a política tenha sido enérgica demais. O país ainda
terá crescimento positivo no ano,
o que, na situação em que nos encontrávamos, pode ser considerado um resultado muito bom. Se
olharmos o exemplo de outros
países, eu acho o resultado muito
positivo. Se quiséssemos um crescimento maior, teríamos de ter
aceitado uma inflação maior,
mas, nesse caso, a política monetária deveria ter sido diferente.
Foi definida uma meta de 8,5%
ao ano e a política monetária foi
uma consequência dessa meta.
No ano que vem, a meta será de
5,5%. Se tivéssemos escolhido,
por exemplo, uma meta de 7%, a
política monetária talvez pudesse
ter sido mais frouxa. Não dá para
querer o melhor de tudo. Quando
se opta por um caminho, é preciso
saber que ele terá o seu preço. Tudo tem o seu preço.
Folha - Como foi o ano para os
bancos?
Setubal - O mercado financeiro
trabalha com expectativas. Nós
fechamos o ano calendário de
2002 com uma expectativa bastante nebulosa em relação ao que
viria pela frente, apesar de uma
expectativa que já vinha num ritmo de melhora. O momento pior
foi setembro do ano passado. Depois houve uma melhora. Nesse
processo, houve uma valorização
dos ativos financeiros. Houve valorização dos títulos, o que reflete
uma expectativa de juros menores, e valorização da Bolsa. Tudo
isso é muito positivo para o mercado financeiro e
continuamos com
essa expectativa
para o ano.
Agora, os bancos estão fazendo
um esforço muito
grande para controlar custos, já
que as margens
vão cair com a redução dos juros.
Foi um ano bom
para o sistema financeiro, assim
como foi bom
também para as
indústrias. O crescimento do lucro
das indústrias foi
muito grande neste ano. Há várias
empresas cotadas
em Bolsa com
rentabilidade superior à do mercado financeiro, o que acho absolutamente natural. Neste momento, nós voltamos a uma situação
normal, em que as empresas bem
administradas, bem como os bancos bem administrados, vão obter
retornos altos. Enfim, uma situação normal de mercado.
Folha - Qual é a sua expectativa
para os juros?
Setubal - O Copom continua reduzindo rapidamente a taxa de
juro. Acho que há condição de reduzi-la mais ao longo do ano que
vem. A nossa expectativa é que o
juro [Selic] termine o ano que
vem entre 14% e 15%.
Folha - E os juros para empréstimos praticados pelos bancos?
Setubal - Os juros para empréstimos, de uma forma geral, têm
caído. Os spreads, como o Banco
Central tem divulgado, têm caído,
o que significa que os bancos têm
repassado aos empréstimos mais
do que a redução que o Copom
tem feito. O processo vai continuar. Os bancos vão continuar reduzindo os juros na ponta do empréstimo mais do que o Copom.
Folha - Isso é possível?
Setubal - Isso é possível porque
os volumes de crédito estão aumentando e porque a expectativa
de inadimplência é menor, enfim,
tudo isso faz parte de uma equação que vai se ajustando ao longo
do tempo.
Folha - O volume de crédito tem
aumentado?
Setubal - De uma forma geral, o
crédito tem aumentado bastante
neste final de ano, seja para o financiamento de automóvel, seja
para os empréstimos para as pequenas empresas.
Folha - Os bancos têm condições
de participar mais do processo de
financiamento para a volta do investimento do setor privado?
Setubal - Os bancos estão dispostos a participar, mas o que
ocorre hoje é que os custos para o
tomador que os bancos podem
oferecer são altos, o que não viabiliza o investimento. Portanto há
poucos investimentos financiados pela rede bancária porque o
custo dos empréstimos é elevado,
não porque os bancos não queiram emprestar. À medida que os
juros vão caindo e as expectativas
continuem sendo de queda dos
juros, os prazos dos empréstimos
vão se alongando e os custos dos
financiamentos vão-se reduzindo
-e isso irá provocar um aumento da oferta de crédito. Mas essa
oferta de crédito, a queda dos juros e a estabilidade estão intimamente ligadas à redução da presença do Tesouro brasileiro [governo] no mercado financeiro.
Ou seja, o Tesouro tem de reduzir sua dívida com o mercado financeiro de tal forma que sobre
mais dinheiro para ser emprestado, a custos mais baixos, para investimento, consumo e capital de
giro para o setor privado. Esse
processo está intimamente ligado
à capacidade do Tesouro de repagar a dívida e à situação fiscal.
Folha - O esforço fiscal ajudaria
nesse processo?
Setubal - Esse esforço fiscal que
está sendo feito é absolutamente
necessário para que o Tesouro tenha capacidade de reduzir sua dívida. A redução da emissão de títulos por parte do Tesouro vai fazer com que sobre mais dinheiro
para o setor privado. Na prática, o
banco recebe um depósito e vai
emprestá-lo a uma empresa ou ao
governo. Se o governo começa a
abater sua dívida, o banco vai emprestar mais para a empresa. Ou
seja, não tem como aumentar esse
depósito. O que eu posso fazer é
tirar de um e passar para o outro.
Por isso é muito importante a redução do déficit e a manutenção
de uma política fiscal bastante rigorosa.
Folha - Não há mágica para baixar a dívida.
Setubal - Milagre não existe. É
como se fosse uma empresa ou
uma pessoa física. Como se paga
uma dívida? A saída é cortar despesas e pagar a dívida. Teoricamente, mantendo o mesmo nível
de gastos, seria possível aumentar
impostos, mas nós já estamos no
limite. A gritaria no Brasil contra
o aumento da carga tributária é
brutal. Não há espaço nenhum
para aumento de impostos.
Folha - Como o sr. vê as reformas
tributária e da Previdência?
Setubal - A reforma da Previdência está sendo concluída. A
emenda paralela mantém o espírito original, como algumas pequenas correções que não têm
efeito macroeconômico. Na parte
tributária, o processo, como já se
sabia, é muito complicado mesmo e, provavelmente, teremos
uma reforma que será feita por
etapas. Acho até que é uma medida inteligente deixar a reforma
tributária para ser feita ao longo
dos próximos anos, já que, com o
crescimento da economia, será
mais fácil fazê-la do que teria sido
num ano como este, em que não
houve crescimento. À medida que
a economia cresça, haverá aumento de receita fiscal, o que tornará mais fácil a aprovação da reforma no Congresso.
Folha - Qual é a sua previsão para
2004?
Setubal - Nós estamos imaginando um crescimento de 3,5% e
juros entre 14% e 15%. Não esperamos nenhum choque externo,
as coisas devem caminhar bem no
cenário internacional e isso nos
vai ajudar a obter esse crescimento, que poderá ser sustentado ao
longo de 2005. Outra coisa importante a que temos
de estar atentos é a
questão energética. O marco regulatório do setor
elétrico precisa ser
bastante e rapidamente discutido
para que se criem
regras claras, o
que é essencial para que o processo
de crescimento
sustentável não
seja interrompido
por falta de capacidade energética.
Se crescermos entre 3% e 4% em
2004 e 2005, vamos correr o risco
de enfrentar uma
falta de energia
em 2006 -até por
uma pequena redução das chuvas.
Folha - Os bancos vão, nesse ritmo de afrouxamento dos juros,
perder terreno na economia?
Setubal - Os bancos vão ter uma
performance como qualquer outro setor da economia. Os bancos
vão ter uma rentabilidade média
próxima de 15% -como, aliás,
está ocorrendo neste ano-, que
não é muito diferente da rentabilidade da indústria. Evidentemente, há quem esteja abaixo disso e
quem esteja acima. Na média, o
sistema vai se acomodar num nível de rentabilidade parecido com
o da indústria. Eu acho que uma
rentabilidade de 15% no Brasil,
com uma inflação de 5%, é bastante razoável.
Folha - A rentabilidade dos bancos foi muito maior nos últimos
anos?
Setubal - Oscilou muito. Não foi
tão maior assim. Se computarmos
os bancos que tiveram prejuízos,
o nível de rentabilidade em geral
foi um pouco maior do que o da
indústria, mas não houve rentabilidade excepcional.
Folha - Agora, com juros menores, os bancos terão de ser um pouco mais eficientes para poderem
continuar ganhando como antes?
Setubal - O sistema financeiro,
com 15% de rentabilidade média,
terá um padrão normal para qualquer setor. E acho que os bancos
podem continuar tendo esse nível
de rentabilidade, o que não significa que não haverá bancos e algumas empresas com rentabilidade
acima desse nível. O Itaú tem tido
rentabilidade acima desse nível,
bem como empresas muito bem
administradas, como a Vale do
Rio Doce, a Votorantim e várias
outras. Neste ano, por exemplo, a
CSN está apresentando resultados fantásticos.
Folha - O sr. foi um dos primeiros
empresários a manifestar apoio ao
Lula no ano passado. O sr. tomou a
atitude correta?
Setubal - Tudo o
que falei no ano
passado, no momento da crise, se
mostrou absolutamente correto.
Na época, eu procurei mostrar que,
pelo programa do
PT, pela "Carta
aos Brasileiros" e
pela forma como
os membros do
PT estavam interagindo com o setor privado -o tipo de conversa, o
tipo de idéias-,
eu entendia que
não havia motivos
para aquela ansiedade exagerada
do mercado. Eu
acreditei que tudo
o que estava no
programa e nos
discursos seria cumprido.
E foi isso o que ocorreu. Na realidade, o governo do PT está fazendo exatamente aquilo a que se
propôs no seu programa do governo. Se olharmos o programa
do PT, tudo o que está sendo feito
agora, até a austeridade fiscal, estava lá. Do ponto de vista econômico, a surpresa foi, para muitos,
o PT cumprir o que havia sido
prometido.
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