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Brasil e Argentina assinam pacto para enriquecer urânio
Plano prevê começar até junho negociação para constituir empresa binacional
Acordo entre os dois países
aponta ainda início entre julho e agosto do sistema
de pagamento em moedas locais no comércio bilateral
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES
Brasil e Argentina puseram
ontem no papel duas expressões estrategicamente explosivas ao assinarem acordo para
"constituir uma empresa binacional de enriquecimento de
urânio". "Enriquecimento de
urânio" é uma dessas expressões. A outra é "projeto comum
na área do ciclo do combustível
nuclear".
O acordo é parte de um substancioso pacote de cooperação
assinado ontem, na Casa Rosada, a sede do governo argentino, pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Cristina Fernández de Kirchner.
"Enriquecimento de urânio"
e "ciclo de combustível nuclear" são expressões que os
países que já têm armas nucleares costumam associar à bomba atômica.
O chanceler brasileiro Celso
Amorim afasta qualquer especulação nesse sentido com argumentos sólidos: primeiro, a
Constituição brasileira veda o
uso não-pacífico da energia nuclear; segundo, "os países que
têm programas militares não
fazem programas conjuntos de
bomba [atômica]".
O ministro acha que o acordo
com a Argentina "será mais
uma demonstração de que o
uso que ambos os países farão
da energia nuclear é pacífico".
O argumento é reforçado por
Rodrigo Baena Soares, da embaixada brasileira em Buenos
Aires, que lembra o acordo quadripartite firmado em 1991 por
Brasil, Argentina, a Agência Internacional de Energia Atômica e pela ABACC (Agência Brasil/Argentina de Controle e
Contabilidade de Material Nuclear), que garante o uso pacífico do átomo.
Todos esses fatos podem não
impedir desconfianças, de que
dá prova a queixa dos Estados
Unidos sobre o fato de o Brasil
não ter assinado o chamado
"Protocolo Adicional" ao TNP
(Tratado de não-Proliferação
Nuclear). Por esse protocolo, as
agências internacionais podem
fazer visitas de inspeção sem
aviso prévio à instalações nucleares dos países firmantes.
O Brasil alega que as inspeções poderiam expor segredos
tecnológicos. Mas os EUA contra-atacaram afirmando que
era um péssimo exemplo em
um momento em que há pressão dos países ocidentais para
inspeções completas no Irã.
O acordo nuclear ontem assinado pelos dois países é ambicioso: prevê o desenvolvimento
de "um modelo de reator nuclear de potência que atenda às
necessidades dos sistemas elétricos dos dois países e, eventualmente, da região".
Enquadra-se, portanto, na
tese de que o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva defendeu
ontem: a questão energética regional não pode se limitar à discussão sobre quanto gás a Bolívia pode ou tem que exportar
para Brasil e Argentina. Deve
ser tratada "estruturalmente",
acha o presidente.
Em discurso no Senado argentino, Lula foi mais específico, ao defender uma "estratégia
conjunta" dos países sul-americanos que leve em conta o potencial hídrico da região, os biocombustíveis e o potencial nuclear, além do gás, obviamente.
"Temos que construir juntos
um projeto sem que cada qual
abra mão de sua soberania",
disse Lula.
O acordo com a Argentina na
área nuclear estabelece prazos
curtos: até fim de junho, devem
começar as negociações para a
constituição da empresa binacional de enriquecimento de
urânio.
Prazos, aliás, são uma constante no pacote de acordos ontem assinado pelos dois presidentes, cujos pontos principais
são estes:
- Desdolarização: iniciar
ainda em 2008 a implementação do sistema de pagamento
em moedas locais do comércio
bilateral, substituindo o dólar.
O acordo prevê que as operações do novo sistema comecem
entre julho e agosto.
- Satélite: até julho deve estar o cronograma principal para o desenvolvimento de um
satélite de fabricação conjunta
destinado à observação costeira e oceânica.
- Nanotecnologia: até a segunda quinzena de maio deve
estar pronto o programa de trabalho conjunto para o Centro
Nacional de Nanotecnologia.
- Hidrelétrica de Garabi:
antes de abril, os dois presidentes querem a conclusão dos estudos preliminares para a
construção dessa usina no rio
Uruguai, na fronteira.
- Veículo militar "Gaúcho':
o projeto é definir este ano a
demanda de cada país que permita "a produção industrial no
primeiro semestre de 2009 do
veículo leve de transporte militar batizado já de "Gaúcho".
- Livre circulação de pessoas: os estudos que permitirão a livre circulação de pessoas
deverão ser apresentados na
próxima cúpula bilateral, em
setembro, em Brasília.
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