São Paulo, segunda, 23 de fevereiro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

REGIME MILITAR
Imagem não mostra marcas de pneus na pista, dado usado por peritos para defender versão de acidente
Foto contradiz laudo do caso Zuzu Angel

Reprodução
Pista sem marca de derrapagem na saída do túnel Dois Irmãos


MÁRIO MAGALHÃES
da Sucursal do Rio

Uma fotografia tirada pela perícia da Polícia Civil do Rio no local onde a estilista Zuzu Angel morreu no dia 14 de abril de 76 contradiz o laudo oficial emitido pelo Instituto Carlos Éboli. Os peritos responsáveis pelas fotos chegaram ao local 20 minutos depois do horário da batida registrado pela Polícia Civil no inquérito -3h.
A imagem mostra que não havia na pista da saída do túnel Dois Irmãos as marcas de pneus descritas pelos peritos como um elemento fundamental do laudo.
A morte de Zuzu Angel é um dos episódios mais controversos do regime militar. Autoridades disseram que ela dormiu ao volante. Para a família, houve um atentado realizado por órgãos de segurança. Ela acusava o governo de ter assassinado em 71 seu filho, Stuart Angel Jones, militante do grupo guerrilheiro MR-8, sob tortura.
Dormindo
O laudo diz que a estilista morreu acidentalmente, provavelmente por ter dormido, na saída do túnel, em São Conrado (zona sul), quando se dirigia à Barra da Tijuca, com velocidade superior a 80 km/h (veja quadro ao lado).
Seu Karmann-Ghia viria pela esquerda da pista. O carro teria batido no meio-fio esquerdo da pista, no canteiro central, e se desviado para a direita. Por 28 m, em derrapagem, teria deixado marcas de pneus até chegar ao acostamento direito e bater no meio-fio.
O carro, com leve inclinação à esquerda, teria seguido em frente por 9 m, até bater na mureta direita do viaduto Mestre Manoel, de onde rolou por um barranco, até parar, capotado, na rua abaixo.
Segundo a perícia, Zuzu Angel estava fora de si e não reagiu, nem sequer freando.
O laudo oficial diverge do testemunho do advogado Marcos Pires, segundo o qual o carro vinha pela direita quando foi abalroado, empurrado sobre a mureta e jogado para o barranco. Ele disse à Folha ter visto o suposto atentado da janela do seu apartamento, no edifício Tiberius, em São Conrado.
O eixo do laudo -batida à esquerda, derrapagem e choque à direita- é negado por 1 das 16 fotos que compõem, com um desenho, um anexo às sete páginas redigidas pelos peritos.
Ela mostra a pista iluminada, de madrugada, com imagem feita possivelmente a partir do ponto em que, conforme o laudo, o carro teria colidido pela primeira vez.
Os 28 m à frente não mostram as marcas de pneus em derrapagem citadas pela perícia como elemento fundamental do acidente. A única marca mais forte de pneu aparece à direita da pista, o que é incompatível com a versão oficial.
"Estranho"
A Folha levou a foto ao perito relator do caso, Elson Rangel Lopes, ainda na ativa, e perguntou-lhe sobre as marcas de pneus. "É, estranho, não tem", afirmou Rangel, como é conhecido.
Ele disse que as marcas deveriam aparecer em outra foto do laudo, o que não ocorre -a Folha teve acesso a todas. Na descrição das 16 imagens feita por Rangel no laudo não há referência a esse aspecto.
A Folha levou a foto ao legista Nelson Massini, professor da Universidade Federal do Rio. A pedido da família de Zuzu Angel, ele elaborou um parecer sobre o caso. Escreveu que, se estivesse dormindo, ela teria morrido devido a ferimentos no alto da cabeça, e não do lado esquerdo, como ocorreu. Ao analisar a foto, disse não ver as marcas de pneus descritas no laudo. "Eu já tivera acesso às fotos, mas não havia reparado nisso."
De autoria do perito Celso Nenevê, do Instituto de Criminalística do Distrito Federal, o parecer afirma: "(...) A causa determinante do acidente foi o desvio de direção à esquerda, por motivo que não se pode precisar materialmente, resultando nas colisões com obstáculos fixos (meios-fios) e subsequentemente contra a mureta".
O perito Walter Machado, do Instituto de Criminalística de São Paulo, disse que impressões de pneus podem ser apagadas depois de horas, caso vários carros passem por cima, ou por chuva. O laudo informa que não chovia. Machado não teve acesso à foto.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.