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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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JUSTIÇA

Apuração tem origem em depoimento de ex-estagiária, que teria revelado supostos "fatos delituosos" ligados a Rocha Mattos

Juiz é alvo de investigação criminal do TRF

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, 54, titular da 4ª Vara Criminal em São Paulo, é alvo de investigação criminal sigilosa pelo TRF (Tribunal Regional Federal da 3ª Região).
A apuração tem origem numa fita cassete com depoimento prestado em abril de 2000 por ex-estagiária da Justiça Federal, ex-namorada do juiz, que teria revelado "fatos delituosos" supostamente praticados pelo magistrado.
Suspeita-se que ela tenha passado a procuradores, em gravação cuja licitude é questionada, informações sobre o patrimônio do juiz e eventuais relações com doleiros e advogados de doleiros.
A Folha apurou que Rocha Mattos mora num apartamento duplex de cobertura na rua Maranhão, no bairro de Higienópolis, adquirido em 1998 por uma empresa "offshore" uruguaia. Trata-se da Cadiwel Company Sociedad Anonima, criada no mesmo ano e cujo procurador é o advogado paulista Carlos Alberto da Costa Silva, que defende doleiros.
Rocha Mattos costuma citar como endereço residencial um apartamento na praça da República, na região central de São Paulo, de propriedade de sua mulher, Norma Regina Emílio Cunha. Na lista telefônica, Norma aparece como usuária de telefones naquele endereço e no apartamento da rua Maranhão (a mesma rua em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso possui um apartamento). O zelador do prédio afirma que o juiz e sua mulher moram na cobertura.
O imóvel tem área real privativa de 347 metros quadrados e direito a cinco vagas na garagem.
Em outro inquérito que tramita no TRF-3, cuja relatora é a desembargadora Marli Ferreira, investiga-se o uso de placas reservadas da Polícia Federal em automóveis particulares de propriedade do juiz Rocha Mattos e da juíza Adriana Pileggi de Soveral, titular da 8ª Vara Federal Criminal.
Em represália, Rocha Mattos aproveitou a obstrução da eleição de novos desembargadores do TRF-3, no final de fevereiro, para oferecer representação criminal no STJ (Superior Tribunal de Justiça) contra 13 desembargadores que faltaram à votação, aos quais atribui o crime de prevaricação (deixar de praticar ato de ofício por interesse pessoal). O alvo principal do juiz é o ministro Jorge Scartezzini, do STJ, ex-presidente do tribunal (97-99), com quem tem antigas divergências.
Rocha Mattos diz que os desembargadores atendem aos interesses, "jurídicos ou não", de Scartezzini e de membros de sua família, que advogam junto ao TRF.
Num procedimento preliminar, o ministro-relator José Arnaldo da Fonseca, do STJ, fixou prazo de 15 dias para os desembargadores se manifestarem sobre as acusações do juiz. Foram intimados Diva Malerbi, Aricê Amaral, Baptista Pereira, Marli Ferreira, Fábio Prieto, Mairam Maia, Cecília Marcondes, Consuelo Yoshida, Carlos Muta, Nelton dos Santos, Johonson Di Salvo, Pedro Paulo Lazarano e Otávio Peixoto Júnior.

Segredo de justiça
Protegidas pelo segredo de justiça, as apurações contra o juiz são confirmadas no site do STJ a partir de despachos nos recursos e ações movidos por Rocha Mattos e Soveral contra os relatores das investigações que envolvem esses dois juízes.
Em outubro do ano passado, o ministro Garcia Vieira, do STJ, arquivou representação criminal oferecida por Rocha Mattos contra Baptista Pereira, a quem o juiz acusava de prevaricação.
Baptista Pereira assumiu a relatoria da investigação criminal contra Rocha Mattos quando o relator anterior, Paulo Theotonio Costa, foi afastado em dezembro de 2001, sob denúncia de favorecer narcotraficante. O ministro Vieira não viu "qualquer indício de ilícito penal" que pudesse ser imputado a Baptista Pereira.
Em 28 de fevereiro último, o ministro Gilson Dipp, do STJ, indeferiu pedido de liminar em habeas corpus impetrado por Rocha Mattos, que pretendia sustar a degravação da fita por uma entidade privada, perícia que havia sido determinada por Baptista Pereira.
Em 11 de fevereiro, o STJ arquivou reclamação da juíza Soveral contra a desembargadora Marli Ferreira, processo em que Rocha Mattos figura como co-autor.
Em novembro, o STJ já havia cassado liminar que suspendera o inquérito judicial sobre as placas dos veículos. Rocha Mattos alegou a suspeição de Scartezzini, que participara do julgamento desfavorável aos juízes.
Ex-delegado da Polícia Federal e ex-procurador da República, Rocha Mattos foi acusado de agir com parcialidade beneficiando os ex-governadores Orestes Quércia e Luiz Antônio Fleury Filho nos processos sobre as importações superfaturadas de Israel.
O juiz não disputou a eleição para o TRF-3 e diz que pretende se aposentar. Em 1992, ele teve promoção vetada para uma vaga no tribunal, por 15 votos a 1. Ele foi afastado do cargo (retornaria depois), acusado de enviar carta com ameaças ao então presidente do tribunal, Homar Cais.


Colaborou LILIAN CHRISTOFOLETTI, da Reportagem Local


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