São Paulo, segunda, 23 de março de 1998

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Entrevista de 2ª
Rainha quer trocar papel de invasor pelo de interlocutor

RAIO X

Nome: José Rainha Jr.
Idade: 37
Escolaridade: aprendeu a ler sozinho, aos 15 anos
Hobby: ler - leitura atual: "O povo brasileiro", de Darcy Ribeiro
Estado civil: casado com Diolinda Alves de Souza; um filho


PT
"Se o Lula quiser ter uma candidatura de esquerda, de oposição, tem que resgatar o apoio do PT ao MST em lutas concretas"

JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
da Agência Folha, em Mirante do Paranapanema

O líder do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) José Rainha Jr. diz que quer parar de comandar invasões de terra para se tornar o interlocutor dos que lutam pela reforma agrária com as autoridades.
Dois meses depois de conseguir o título definitivo de um lote de terra no Pontal do Paranapanema (extremo oeste de São Paulo), José Rainha Jr., 37, vai se mudar para o Norte ou o Nordeste.
"Minha proposta é trabalhar a reforma agrária na sociedade. Vou tentar abrir caminhos", disse Rainha em entrevista à Agência Folha.
A seguir, os principais trechos da entrevista.

Agência Folha - O sr. foi voto vencido, e o MST decidiu apoiar Lula. Agora, ao invadir prédios públicos, o MST é tachado de eleitoreiro. O sr. já temia isso?
José Rainha Jr. -
A investida de FHC contra as ações dos sem-terra, de ter jogado para a questão eleitoral, é o discurso que ele iria usar mesmo. Uma forma de ele combater o MST é essa. Esse tipo de ação (invasão a prédio público) é feito desde que o movimento sem terra existe, não é novidade. A novidade é que nós estamos organizados e mobilizados em 13 Estados. O governo pegou o "gancho" de o MST estar apoiando a candidatura Lula.
Agência Folha - O sr. considera FHC um adversário dos sem-terra?
Rainha -
O FHC está mal assessorado. Os assessores colocam na cabeça dele que o MST não está querendo a reforma agrária, que estamos disputando o espaço dele. Isso é um equívoco, somos um movimento social. O presidente está nos tratando como violentos, baderneiros. Ele tem que saber que é o processo democrático, que é preciso enfrentar esses problemas.
Agência Folha - De que forma o MST vai auxiliar Lula?
Rainha -
Já dissemos ao Lula que, se ele quiser ter uma candidatura de esquerda, de oposição, tem que resgatar o apoio do PT ao MST em lutas concretas. Antes do encontro nacional, eu dizia que o MST deveria continuar sua luta pela reforma agrária, sem se vincular a uma candidatura. O governo vai usar isso, e já está usando, dizendo que a nossa mobilização é para a candidatura Lula. Vai tirar proveito dessa posição. O governo vai jogar para derrotar o MST. Vai ser um jogo muito forte, que vamos enfrentar.
Agência Folha - Mas o governo já aceita negociar.
Rainha -
O governo já voltou a dialogar, sempre dialogou. Mas não tem moral para nos chamar de invasores, de foras-da-lei. A meia dúzia de engravatados que dá sustentação a esse governo está metida na corrupção. Olha o Sérgio Naya, a compra de votos, os precatórios. Quando os grandes não têm moral para governar, os pequenos têm direito de desrespeitá-los. Ocupar é uma forma de pressão, não de agressão. Temos direito de reivindicar. Se a gente não se mobilizasse, o ministro Raul Jungmann (Política Fundiária) não teria ido falar na televisão, nem o ministro Pedro Malan (Fazenda) iria nos receber. Não adianta colocar a gente na ponta da baioneta, tratar como se fosse uma quadrilha ou bando.
Agência Folha - O sr. se afastou da direção nacional do MST. A que vai se dedicar?
Rainha -
Temos que transformar a reforma agrária como bandeira na sociedade, como o "Fora Collor" e as "Diretas Já".
Agência Folha - Que grupos o sr. pretende mobilizar?
Rainha -
Os pequenos, que são desassistidos. Tanto é verdade que os programas de maior audiência são os de periferia, que tratam dos casos mais exóticos do país. É porque eles levam, mostram o que está acontecendo no Brasil. Você já viu esses pobres miseráveis terem assistência em alguma coisa? Daí, procuram esses programas na TV.
Agência Folha - O sr.diz que a questão agrária está solucionada no Pontal e, por isso, deve deixar a região. Para onde o sr. vai?
Rainha -
Eu vou voltar ao Nordeste e ao Norte, a partir do final do mês. No Pontal, os grandes conflitos estão resolvidos. Provavelmente, vou morar no sul do Pará. Lá tem muita terra, muito sem-terra. Vou trabalhar no Nordeste, quero passar minha experiência aos companheiros.
Agência Folha - O que o sr. vai fazer por lá?
Rainha -
Sou uma pessoa que representa alguma coisa para a sociedade. Vou contribuir para o avanço das negociações. O Nordeste é um lugar muito carente, os fazendeiros são terríveis.
Agência Folha - O sr. vai participar de invasões de terras?
Rainha -
Já existe quem faça isso lá. Minha proposta é trabalhar a reforma agrária na sociedade. Vou tentar abrir caminhos. Quando eu fui para o Nordeste, em 86, não existia o MST. Eu voltei em 91 e deixei núcleos em vários Estados. Hoje, é importante buscar os sindicatos, os movimentos de bairros. Vou me reunir com as lideranças para montar comitês de apoio nas cidades. E acelerar os processos no Incra e no governo. No Nordeste existe uma polícia muito violenta, e é possível discutir isso com os secretários da Segurança. Quero ser um interlocutor do movimento social com as autoridades.
Agência Folha - O sr. pretende voltar a morar em um barraco?
Rainha -
Se eu tiver que morar na cidade, vou ter muitas dificuldades. É possível fazer meu trabalho morando em um acampamento ou um assentamento. Minha profissão é mexer com a terra. Vou morar e trabalhar no campo.
Agência Folha - Sua mulher aceita a mudança?
Rainha -
A decisão é de família. Eu estou indo, e a Diolinda tem compreensão disso. Ela tem clareza e consciência. É uma líder, uma dirigente. Também posso me fixar aqui e rodar o país, passar meses viajando.
Agência Folha - O MST deseja tomar o poder?
Rainha -
Se isso vai acontecer, é outra história. Ninguém faz as coisas planejando, as circunstâncias é que obrigam. Queremos a reforma agrária que é possível fazer, no Brasil, dentro do capitalismo. A reforma agrária é uma medida capitalista.




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