São Paulo, segunda, 23 de março de 1998

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ANÁLISE
O legado de Albuquerque

LUÍS NASSIF
do Conselho Editorial

"Não me sinto só. Há outros brasileiros querendo o Brasil melhor". O desabafo é do ex-ministro da Saúde Carlos Albuquerque, ontem, enquanto arrumava a bagagem para retornar ao seu Estado.
Na semana passada, quando completou-se a cota de 3.300 municípios que aderiram ao Piso de Atenção Básica (PAB), a municipalização já se tornara algo irreversível, cravando um marco fundamental na história do incipiente federalismo brasileiro.
O projeto, já em implementação, consiste em transferir para cada município valores correspondentes a R$ 10,00 per capita. E deixar por conta do município -com a fiscalização da Secretaria Estadual da Saúde e do ministério- a definição das formas de aplicar o dinheiro.
O ex-ministro Adib Jatene deixou pronto o conceito do Piso de Atenção Básica, mas que envolvia recursos para assistência médica. Muitos gestores estaduais acusam Albuquerque de ter demorado na implementação do programa.
Ele sustenta que conseguiu ampliar a municipalização, acabando com o controle de grupos de poder sobre os programas de saúde do ministério. "O que fiz", diz ele, "foi desarticular esse sistema, retirar o dinheiro dos fundos e repassar para as prefeituras que aderirem ao PAB".
Agora montou-se um sistema gerencial objetivo, onde as responsabilidades estão claramente definidas, diz ele. O cidadão vai saber que atendimento básico, pré-natal, vacinas e outros programas são de responsabilidade do prefeito, acabando com a diluição de responsabilidades, que impedia qualquer controle.
Ao mesmo tempo desarmou a estrutura de comando desses programas. Para cada um dos dez existentes, foi nomeado um conselho, composto por figuras de realce na vida nacional, sem direito de interferir na operação, mas com poder de definir as políticas e fiscalizar e controlar as aplicações de verbas.
Deu-se início à criação de um sistema de auditoria, constituído de controles estatísticos epidemiológicos, cruzamento de informações em vários níveis e um convênio com o Ministério Público Federal, para ajudar na fiscalização.
Também foi instituído um sistema de contas separadas no Banco do Brasil, às quais terão acesso não apenas o Ministério da Saúde, mas também os Conselhos Municipais de Saúde e as Câmaras de Vereadores.
Lições
Albuquerque leva para casa lições aprendidas nesse breve período como ministro:
1) mudar o Ministério da Saúde e administrar saúde no país não é tão difícil. O desafio é conviver com o meio ambiente do setor federal, os feudos e a estratificação de idéias;
2) o poder provoca um distanciamento da realidade e do povo. No final, são meia dúzia de jornais e jornalistas que fazem essa ponte entre povo e governo, e muitas vezes não expressam aquilo que é a realidade;
3) há a necessidade de toda ação pública sempre estar ligada a uma visão sistêmica do problema, para não dispersar. E nunca abrir mão dessa ação sistemática em troca de soluções parciais, que parecem mágicas mas que não tocam nas raízes do problema;
4) a imprensa tem papel fundamental na definição do novo modelo, levantando idéias e fazendo a fiscalização. Mas tem que se libertar do monopólio da agenda negativa. Tem que criticar os problemas, mas tem que ser um agente de discussões sobre os novos princípios, para ajudar no seu aprimoramento e disseminação.

Email: lnassif@uol.com.br



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