São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004

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VIAGEM AO ORIENTE

Segundo na pasta das Relações Exteriores afirma que país dá mercado aos produtos brasileiros e apóia o Brasil como membro vitalício do CS da ONU

China não deve ser temida, diz vice-ministro

CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM

A China apóia a pretensão brasileira de ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e considera ter uma relação "estratégica" com o Brasil, na qual a intenção comum de democratizar os organismos multilaterais ocupa um papel de destaque.
"A razão pela qual mantemos uma boa relação é que ambos consideramos que países diferentes têm capacidade diferente de participar na globalização", afirmou, em entrevista à Folha, o vice-ministro de Relações Exteriores da China, Zhou Wenzhong.
Segundo Zhou, a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China é o fato mais importante na relação bilateral desde a visita que o então presidente Jiang Zemin fez ao Brasil em 2001. O vice-ministro não deu detalhes sobre os acordos que serão assinados.
Para Zhou, o Brasil não deve temer a China. "Os países em desenvolvimento e o Brasil não precisam se preocupar com o nosso desenvolvimento econômico. [...] O desenvolvimento da China oferece grande mercado para seus produtos." A seguir, a entrevista:

Folha - Qual a importância do Brasil para a China no atual cenário internacional?
Zhou Wenzhong -
Embora exista uma grande distância entre a China e o Brasil, a amizade entre os dois países tem uma longa história, e nós já estabelecemos uma parceria estratégia. Nós compartilhamos iguais posições em relação a muitos assuntos importantes, regionais e internacionais.
Ambos defendemos a democratização da ordem internacional, a união e o desenvolvimento dos países em desenvolvimento e que os países desenvolvidos devem considerar mais os interesses do mundo em desenvolvimento. Defendemos que os conflitos internacionais devam ter soluções pacíficas por meio das negociações. Defendemos que todos os países, não importa se rico ou pobre, forte ou fraco, são membros iguais no cenário internacional.

Folha - Sob essa perspectiva, que tipo de colaboração pode haver entre China e Brasil nas negociações internacionais, especialmente na Organização Mundial do Comércio?
Zhou -
A razão pela qual mantemos uma boa relação é que ambos consideramos que países diferentes têm capacidade diferente de participar na globalização. E ambos consideramos que países diferentes enfrentam dificuldades diferentes na abertura de seu mercado. Por isso, ambos defendemos um tratamento diferenciado aos países em desenvolvimento. Só assim podemos refletir o lado justo e razoável do mecanismo multilateral de comércio. No G20 [grupo de países em desenvolvimento no âmbito da OMC liderado pelo Brasil], nós também tivemos boa colaboração. O Brasil tem papel muito importante nesse grupo, pelo qual gostaríamos de demonstrar nosso apreço.

Folha - Que tipo de resultados concretos se pode esperar da visita do presidente Lula à China?
Zhou -
A visita é muito importante na história do desenvolvimento das relações bilaterais. É o grande evento após a visita do presidente Jiang Zemin ao Brasil em 2001. Durante a visita, o presidente Hu Jintao terá uma reunião formal com o presidente Lula, que se encontrará também com o primeiro-ministro Wen Jiabao. Trocarão opiniões sobre temas de interesse comum. Os dois governos assinarão importantes documentos de cooperação que envolvem as áreas diplomáticas, da Justiça, de saúde e econômico-comercial, e um grande número de empresários vai acompanhar a visita.

Folha - Haverá anúncio de investimentos chineses no Brasil?
Zhou -
As negociações em relação a contratos ainda estão na fase final. Na visita, muitos deles estarão concluídos, e um grande número será anunciado. Mas posso dizer que as colaborações serão concretas e com visão de longo prazo. As duas partes estão se preparando para um comunicado conjunto. Não será só um retrospecto das relações do passado, mas descreverá perspectiva sobre o futuro do relacionamento.

Folha - Na área econômica, qual é o maior interesse chinês no Brasil?
Zhou -
Há ampla área para colaboração em agricultura, no desenvolvimento conjunto de recursos e na alta tecnologia. Temos um alicerce político sólido e uma complementaridade econômica.

Folha - Nessa relação estratégica, não há o risco de o Brasil se transformar em exportador de produtos agrícolas e matérias-primas e perder mercado para a própria China na área de produtos de maior valor agregado e alta tecnologia?
Zhou -
Disse que há grande complementaridade justamente em relação a isso. Na China, a perspectiva é que, durante um longo prazo, a economia manterá uma tendência de rápido desenvolvimento. Com isso, a abertura é cada vez maior, e hoje a China já importa mais do que exporta. No primeiro trimestre, a China teve déficit comercial de mais de 10 bilhões de reminbi (US$ 1,2 bilhão).
Com o desenvolvimento da urbanização, da industrialização e a redução da terra arável, a produção agrícola está diminuindo. Por outro lado, muitas empresas transnacionais colocam suas fábricas e centros de Pesquisa e Desenvolvimento aqui, e a China vem sendo chamada de a fábrica do mundo. É claro que esse é um título exagerado, mas é verdade que a capacidade industrial de processar os materiais vem aumentando muito, e nós precisamos de matérias-primas.
Os países em desenvolvimento e o Brasil não precisam se preocupar com o desenvolvimento econômico da China. Pelo contrário. O desenvolvimento da China oferece um grande mercado para os seus produtos. O Brasil tem, de um lado, recursos naturais e, de outro, vantagens tecnológicas, e não precisa se preocupar.
O comércio entre a China e a América Latina se duplicou nos últimos quatro anos e chegou a US$ 26,8 bilhões. Esperamos manter essa tendência e, em mais quatro ou cinco anos, duplicar o atual nível mais uma vez.

Folha - No âmbito da democratização dos organismos internacionais, o Brasil reivindica presença permanente no Conselho de Segurança da ONU. A China apóia isso?
Zhou -
A China apóia uma reforma adequada e necessária do Conselho de Segurança e a prioridade é corrigir a situação de desequilíbrio na sua composição. A reforma deve seguir o princípio de distribuição justa das regiões e o aumento da representatividade dos países em desenvolvimento.
Qualquer plano que exclua os países em desenvolvimento é inaceitável. O Brasil é o maior país em desenvolvimento no hemisfério ocidental, e atribuímos muita importância ao papel do Brasil nos assuntos regionais e internacionais e compreendemos o desejo do Brasil em desempenhar um papel ainda maior nos assuntos multilaterais, como nas Nações Unidas. A China está disposta a intensificar as colaborações com a parte brasileira na questão de reforma do Conselho de Segurança.

Folha - Uma questão importante para a China é o reconhecimento do status de economia de mercado. A China espera que esse reconhecimento seja dado pelo Brasil?
Zhou -
As reformas e a abertura da China começaram há mais de 20 anos. Um dos temas mais importantes da abertura é estabelecer o mecanismo da economia de mercado socialista. Os que conhecem a realidade chinesa devem reconhecer que a economia já está funcionando num sistema de mercado em grande escala.
É injusto que outros países ignorem esse fato em processos de divergências comerciais e tratem a China como uma economia não de mercado. A Nova Zelândia foi pioneira em reconhecer o status de economia de mercado da China. Também esperamos que nossos amigos brasileiros adotem posição favorável em relação a isso.

Folha - A China passou por um grande processo de transformação econômica nos últimos 20 anos, mas com poucas mudanças na área política. É razoável esperar mudanças também na política ou vão continuar concentradas na economia?
Zhou -
Primeiro, deixe eu corrigir um pouco a pergunta. As reformas no sistema político sempre vêm ocorrendo. A nossa reforma começa no setor econômico, mas a reforma política nunca parou. Em geral, temos os seguintes aspectos: reforçar o sistema de representantes populares, porque o sistema da assembléia popular é fundamental no sistema político da China, desenvolver a democracia socialista e construir o regime legal no sistema socialista.
Fizemos várias reformas nos setores judiciais e de legislação. Em relação aos direitos humanos, a última emenda à Constituição colocou o princípio de respeitar e proteger os direitos humanos na Constituição. A China é signatária de 18 tratados internacionais na área de direitos humanos.
Como a China tem uma população de 1,3 bilhão de pessoas e grande parte dessa população vive abaixo da linha da pobreza, sempre colocamos o direito de sobrevivência como direito humano básico. O nosso trabalho na área de redução de pobreza teve resultado muito significativo. A população que ainda vive na pobreza foi reduzida para pouco mais de 20 milhões de pessoas.


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