São Paulo, Domingo, 23 de Maio de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

QUESTÃO INDÍGENA
54 mulheres pataxós sofreram cirurgia de laqueadura, sobretudo durante a campanha eleitoral de 94
Esterilização de índias é investigada na BA

J.L.Bulcão
O cacique pataxó Jorge Francisco Filho, 52, carrega em seus braços filha recém-nascida de índia cuja mãe e irmã foram esterilizadas em 1994


JOÃO BATISTA NATALI
enviado especial a Itabuna (BA)

Uma rede de entidades e instituições está empenhada em identificar os responsáveis pela esterilização de 54 índias na Bahia. O Cimi (Conselho Indigenista Missionário), ligado à hierarquia católica, crê haver indício de "genocídio".
Investigam o caso o Cimi, a Procuradoria da República, a Polícia Federal, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara e o Conselho Regional de Medicina da Bahia.
A esterilização, por meio de cirurgias de laqueadura de trompas (que impede a chegada de óvulos ao útero, onde são fertilizados) foi sobretudo praticada na campanha eleitoral de 94, como um "favor" de candidatos, em troca do voto.
Das índias que possivelmente sofreram laqueaduras criminosas, 23 foram estimuladas por cabos eleitorais do deputado Roland Lavigne (PFL-BA), ex-proprietário de dois hospitais próximos a áreas indígenas. Foi o que elas disseram à Procuradoria da República em Ilhéus, aos advogados do Cimi e, no caso de cinco delas, em entrevistas à Folha.
Lavigne nega ter estimulado ou praticado a esterilização. Diz ser vítima de acusações infundadas de seus inimigos políticos.
As esterilizadas pertencem à nação pataxó -hoje com 6.000 pessoas, em 15 reservas no sul da Bahia. Uma de suas ramificações, os hã-hã-hãe, tornou-se conhecida há dois anos quando um dos seus, Galdino Jesus dos Santos Pataxó, foi queimado vivo por um grupo de jovens em Brasília.
Uma das irmãs de Galdino, Marilene Jesus dos Santos -ou Iaranauí, nome no idioma ancestral- está entre as esterilizadas.
Disse à Folha ter sido operada no município de Camacã, em hospital de Lavigne, para onde foi encaminhada por um de seus cabos eleitorais, chamado Daniel. Feita a laqueadura, recebeu material eleitoral do então candidato a deputado.
Nenhum testemunho colhido indica coação física. As índias dizem ter sido enganadas -melhorariam de vida se não tivessem novos filhos. Na aldeia de Barretá, foram operadas todas as dez mulheres em idade de procriar. Todas, no entanto, já tinham sido mães. Somavam 35 filhos. Mas tinham em média apenas 25 anos.
A denúncia de que a esterilização colocava em risco a densidade demográfica da população indígena -e a ocupação de suas terras, reduzidas nos últimos dois séculos pelas fazendas de cacau- partiu de três caciques, em carta enviada em agosto do ano passado ao Procurador da República em Ilhéus.
Um dos signatários, Gerson Souza Melo Pataxó, presidente do Conselho de Saúde de sua nação, relatava ter descoberto a extensão do problema em levantamento recente sobre a saúde nas aldeias.
A Procuradoria abriu inquérito civil público e determinou que a PF instaurasse inquérito criminal. O procurador José Leão Junior, que vem instruindo o inquérito, disse já terem sido ouvidas 14 índias. Afirmou também que cópia do inquérito será enviada ao corregedor da Câmara dos Deputados, responsável pela apuração de possível quebra de decoro parlamentar.
Nilmário Miranda (PT-MG), presidente da Comissão de Direitos Humanos do Congresso, recebeu denúncia iniciou investigação. Na PF, o delegado Rubem Patury Filho disse precisar de mais um ano para concluir seu trabalho.
Por fim, a possibilidade de o deputado Lavigne, que também é médico, ter cometido falta ética é investigada, em Salvador, pelo Conselho Regional de Medicina da Bahia, que ouvirá quatro índias dentro de dez dias. O médico Marco Aurélio Miranda Ferreira, encarregado do caso, diz que concluirá seus trabalhos em 60 dias.


Texto Anterior: TCU pede suspensão de obra do TRT-PI
Próximo Texto: Lei vigora desde 1996
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.