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ENTREVISTA DA 2ª
CATHERINE COLES
Especialista de Harvard em segurança pública defende aproximação entre polícia e comunidades pobres
"É preciso combater pequenos delitos para reduzir a violência"
ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A polícia precisa subir os morros e entrar nas favelas. A ação,
num primeiro momento, não deve visar à prisão de criminosos. É
preciso entrar nas comunidades
mais pobres para ganhar a confiança dos moradores. O conselho
é da professora de Harvard especialista em segurança pública Catherine Coles, 56.
Co-autora do livro inédito no
Brasil "Fixing Broken Windows",
cuja tradução literal seria "Consertando Janelas Quebradas", Coles enfatiza a importância de combater pequenos delitos e comportamentos que provocam medo na
população como forma de controlar crimes violentos.
Seu livro, escrito em parceria
com o criminologista de Harvard
George Kelling, é considerado um
dos principais fundamentos teóricos da Tolerância Zero, regras
de segurança usadas em Nova
York para diminuir a violência.
Tolerância Zero significa combater com afinco pequenos delitos para sinalizar aos criminosos
que a sociedade aplicará com rigor a lei. Segundo Coles, aceitar
determinados comportamentos
na rua é um convite para que a
violência se instale.
A professora esteve em Brasília
para fazer palestras sobre segurança pública. A aproximação entre polícia e comunidades, pregada por ela, faz parte das políticas
de segurança em vários Estados,
entre eles Rio e São Paulo, onde há
bases de policiamento comunitário.
Em entrevista à Folha, ela fez
questão de declarar que não é
uma especialista em Brasil. Porém, afirmou que há evidências
em vários países de que suas teses
têm fundamento.
Folha - A senhora poderia começar com uma breve exposição da tese central do livro?
Catherine Coles - O objetivo era
mostrar que os pequenos delitos,
embora pareçam insignificantes,
não são. Combatê-los é fundamental para reduzir os crimes
violentos. O título "Fixing Broken
Windows" é uma analogia. Se
uma simples janela quebrada não
for consertada, sinaliza-se que
ninguém se importa com a área.
Se tivermos um ou dois comportamentos que provocam distúrbios e não nos importarmos,
em pouco tempo isso será um sinal para as pessoas de que ninguém se importa e de que o lugar
perdeu qualquer referência de segurança. A consequência é um convite para quebrarem mais janelas. É
um convite para
criminosos, pois
indica que eles estão livres para fazerem o que quiserem.
Nós propomos
uma sequência lógica. Se há crescimento dos pequenos distúrbios, há
um aumento do
medo. As pessoas
vêem a decadência
física da vizinhança, atos de mau
comportamento,
jovens intimidando
os mais velhos nas
esquinas ou pequenos traficantes em
espaços públicos.
Eles tomam conta
desses locais e os cidadãos não podem
usá-los.
Aí vem o medo.
Se os cidadãos ficarem com medo,
eles vão sair dos espaços públicos.
Deixarão de ir às
ruas. Passarão a ficar em casa e
colocarão grandes cadeados nas
suas portas.
Finalmente, quando pararem
de usar os espaços públicos, o
controle social será reduzido. É o
controle social que mantém nos
locais públicos o comportamento
civil. Com o fim do controle social, o que acontece é um convite
para os criminosos cometerem
crimes mais graves.
Folha - A senhora acredita que
sua hipótese se aplica ao Brasil?
Coles - Eu não fiz pessoalmente
pesquisas em outros lugares do
mundo. Mas conversei com policiais e promotores de outros países que dizem que a hipótese é
verdadeira nas suas sociedades.
Não posso dizer que isso se aplicará totalmente ao Brasil. Os brasileiros é que precisam fazer essas
determinações.
Folha - No Brasil, o
foco dos debates
são os crimes mais
violentos, como homicídios. A senhora
acredita que seria
proveitoso usar recursos escassos para
combater pequenos
delitos no país?
Coles - Muitas
pessoas se perguntam por que se deveria gastar recursos limitados no
combate aos crimes
menores, quando
se tem altos índices
de criminalidade.
Há duas boas razões. Uma é a sequência que descrevi. Se os cidadãos ficarem assustados, deixarão de
frequentar o espaço
público, e a situação vai piorar.
A outra resposta é
que há ligações entre os pequenos delitos e os índices de
crimes violentos.
Os dois são aparentemente relacionados e não há nenhuma outra explicação forte o
suficiente, no caso de Nova York,
para justificar a queda dos índices
de violência.
Folha - Em algumas cidades do
Brasil vivemos uma situação em
que as pessoas já deixaram o espaço público. É possível, no caso brasileiro, ao tentar controlar pequenos delitos, reconquistar esse espaço?
Coles - Eu estive no Rio, falei
com muitas pessoas. Percebi muito medo nas pessoas. A maioria
das pessoas estava deixando de
sair à noite ou não saía com tanta
frequência ou voltava mais cedo
para casa. O Rio ainda me parece
uma cidade com muita vida. As
pessoas ainda estão nas ruas. Mas
o nível de medo é alarmante.
Eu, no entanto, não tive a impressão de que os problemas fossem de tal magnitude que não tivessem solução.
Muitas pessoas
diziam que parecia
não haver mais esperança. Não seria
possível fatiar o
problema aparentemente sem solução em problemas
menores, para que
se pudesse obter
sucesso em determinados espaços?
Primeiro tentaria-se restabelecer a ordem numa determinada região e depois se avançaria
para outra.
Folha - O Congresso estuda proibir o
porte de armas no
Brasil. Esse tipo de
medida é eficiente
contra o crime violento?
Coles - Não sou
especialista em
controle de armas.
Mas é plausível argumentar que controle de armas pode
reduzir crimes.
Em Nova York, o
departamento de
polícia queria reduzir o número de pessoas que portavam armas. A polícia percebeu
que, quando a política foi implementada com firmeza, o número
de tiroteios e os índices de violência caíram rapidamente. O controle fez com que não houvesse
armas para usar quando havia
conflitos.
Folha - Muitos autores relacionam violência à desigualdade social. O que a senhora acha?
Coles - A pobreza e a desigualdade são muitas vezes razões para as
pessoas dizerem que não podem
diminuir as taxas de crimes. Certamente existe uma relação. Mas
nem todos os pobres violam as
leis. Eles merecem segurança.
Enquanto a solução de longo
prazo precisa resolver a pobreza e
a desigualdade, ao longo do caminho há muito que a aplicação da
lei pode fazer. Não vamos usar isso [a desigualdade]
como uma desculpa para não fazer
nada. O desenvolvimento não pode
ocorrer sem segurança.
Folha - Como resolver o problema
de segurança nos
bairros pobres se
falta confiança dos
moradores na própria polícia?
Coles - Uma das
melhores mudanças que podem
acontecer é a criação de polícias comunitárias. A polícia precisa ter mais
contato com as pessoas das comunidades mais pobres,
as mais violentas. A
polícia precisa começar a ter laços
próximos com essas comunidades,
precisa ouvir a
prioridade dessas
áreas.
O primeiro passo
é simplesmente ganhar a confiança
dessas comunidades. A polícia terá de provar que é
confiável. Uma vez que seja estabelecida a relação de confiança, a
polícia e os cidadãos podem concordar sobre quais são as prioridades e a presença policial poderá
crescer.
A polícia, pelo que ouvi, tem
medo de ir às favelas. Ela tem medo, os cidadãos têm medo. Existe
uma falta de confiança dos cidadãos na Justiça. Isso tem de ser
restabelecido.
Folha - Como restabelecer a confiança entre comunidades pobres e
policiais?
Coles - Nos anos 60 e 70, nos
EUA, as condições eram tão graves em certas áreas que a polícia
não podia entrar. A polícia mandava oficiais especialmente treinados para se envolver com as comunidades. Estavam lá para conhecer os cidadãos.
Eles ofereciam às
crianças um lugar
para fazerem o dever de casa. Conseguiam um voluntário da comunidade
para trabalhar no
local. Os policiais
participavam das
reuniões de bairro.
O primeiro passo
era conhecer os cidadãos e ser conhecido. Gradualmente, a presença policial pode ser aumentada.
Outra solução foi
o trabalho de policiais com associações de moradores.
Algumas vezes, eles
entraram como
agentes do serviço
social ou faziam palestras nas escolas.
Folha - Nesses
exemplos, a polícia
não entra para combater crimes, pelo
menos no primeiro
momento, correto?
Coles - Eles entram para ouvir.
Para perguntar para as pessoas quais
são suas prioridades, qual é o problema, o que eles querem para o
seu bairro. É preciso escutar muito. Eles não serão capazes de fazer
nada antes de terem o apoio dos
cidadãos.
Folha - Isso significa que a polícia
precisará aceitar alguns tipos de
crimes antes de atuar?
Coles - Até ter a confiança do
bairro, sim. Se você entrar e ninguém o conhecer, os moradores
vão pensar em termos de nós contra eles: "Nós somos os cidadãos e
vocês da polícia são um grupo
hostil vindo de fora". Quando a
polícia começar a tomar atitudes
contra o crime, eles precisam ter o
apoio da comunidade. Eles estarão tomando medidas contra as
ofensas que a própria comunidade estabeleceu como prioridade.
Folha - Especialistas relacionam
altos índices de criminalidade no
Brasil com a impunidade. A senhora
concorda?
Coles - Uma maneira é desenvolver
uma estratégia em
que criminosos
muito perigosos
possam ser tratados de maneira especial, em que seus
casos possam ser
julgados de maneira rápida.
Outro importante aspecto é o papel
dos promotores na
solução de problemas e ações de prevenção. Eles podem trabalhar com
a polícia e com os
cidadãos para encontrar outras maneiras de enfrentar
crimes, que não seja um processo penal. Podem abrir
processos civis, podem fechar um
ponto de venda de
drogas usando códigos de segurança,
que são leis civis.
Um promotor
pode chamar um
inspetor que encontrará falhas no
sistema de segurança contra o fogo ou falta de pagamento de taxas.
Então fecha-se a casa e se despeja
os traficantes. Assim se pode acabar com uma atividade ilegal num
prazo de duas semanas, quando
um processo criminal, com toda a
investigação e o processo judicial,
poderia levar de oito a dez meses.
Nesse intervalo, quantos cidadãos
poderiam estar mortos?
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