São Paulo, domingo, 23 de julho de 2006

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PSOL quer rever privatizações e aperfeiçoar o Bolsa-Família

Vice de Heloísa Helena, César Benjamin afirma que "adoraria" reestatizar Vale

Responsável pelo programa do partido diz que país precisa uma revolução na educação e de fórmula de reajuste do salário mínimo

Ricardo Moraes/Folha Imagem
O economista César Benjamin, vice na chapa de Heloísa Helena


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Enquanto Heloísa Helena está nas ruas, pavimentando o crescimento de sua candidatura a presidente do Brasil registrado pelo Datafolha na semana passada (subiu de 6% para 10% em menos de um mês), seu vice passa a maior parte do tempo trancado em casa.
O economista carioca César Benjamin, 52, é o coordenador do programa de governo da senadora. No início de agosto, ele divulgará as propostas do PSOL para o país. "Será um documento curto, de 30 a 40 páginas, e não um vômito de números", diz ele, autor de livros sobre economia, política, ecologia e dono da editora Contraponto.
Em entrevistas à Folha por e-mail e telefone, Benjamin apresentou pela primeira vez os principais pontos do programa. Entre eles estão a redução rápida da taxa de juros, as auditorias da dívida externa e das privatizações de empresas públicas, a reavaliação do Bolsa-Família e a criação de uma fórmula de reajuste do salário mínimo. Há temas em aberto, como a segurança pública.
Benjamin é um ex-militante do MR-8 que passou cinco anos e meio preso durante a ditadura militar, sendo mais de três anos em uma solitária. Um dos fundadores do PT em 1980, abandonou o partido em 1995, muito antes da crise do mensalão. "Quando Silvinho [Pereira] e Delúbio [Soares] entraram na direção do partido, eu disse: "o jogo mudou, estou fora"."
A seguir, as propostas em que se concentra para o programa de Heloísa Helena.
 
PRIMEIRAS MEDIDAS
"Serão rapidamente alijados do poder dois grupos que comandam o Estado brasileiro há muitos anos. O primeiro são os especuladores ligados ao mundo financeiro, que controlam o Ministério da Fazenda e o Banco Central. Eles abocanham cerca de 40% dos recursos do governo federal. Entre janeiro de 2002 e junho de 2006, o governo Lula destinou R$ 530 bilhões para remunerar os detentores dos títulos da dívida pública, enquanto usou R$ 30 bilhões no Bolsa-Família.
O segundo são os grupos políticos que vivem de lotear e parasitar as instituições. No primeiro mês de governo completaremos o número mínimo de nomeações necessárias para consolidar o núcleo dirigente do novo governo, algo entre 200 e 250 pessoas."

JUROS EM 4%
"Boa parte do mundo, hoje, mantém taxas reais anuais próximas de zero (Inglaterra, 1,57%; Rússia, 1,27%; Chile, 0,44%; China, 0,29%) ou negativas (Estados Unidos, -1,09%; zona do Euro, -1,89%; Japão, -2,6%; Argentina, -3,66%). Não há outro motivo para as taxas brasileiras a não ser o de promover uma colossal transferência de renda do mundo do trabalho e da produção para a especulação financeira. Os juros brasileiros reais podem e devem cair rapidamente para algo em torno de 4% ao ano."

SUPERÁVIT PRIMÁRIO
"Vamos reduzir dramaticamente até acabar com ele. O conceito é espúrio. Ele não pertence ao corpo teórico da macroeconomia. É inventado em 1993, dentro do contexto do Consenso de Washington, para dizer o seguinte: juros do sistema financeiro são intocáveis; agora vamos construir outra contabilidade. Mas isso não tem estatuto teórico."

DÍVIDA EXTERNA
"Vamos fazer uma auditoria. O Brasil tem que saber o que aconteceu."

BOLSA-FAMÍLIA
"Tem dois aspectos positivos: a própria renda que se entrega a famílias pobres, em média R$ 60 por mês, e o efeito desse gasto em municípios e regiões que têm uma economia estruturalmente deprimida. Mas também há aspectos negativos. Primeiro: o aumento da alocação de recursos para o Bolsa-Família tem ocorrido junto com a queda dos demais investimentos nessas regiões.
Segundo: a história brasileira é uma longa transição do mundo do favor para o mundo do direito; o Bolsa-Família é um passo atrás nessa transição. É máquina de clientelismo.
Terceiro: a transferência de renda que o programa produz é bem menor do que se pensa. O conjunto de programas de transferência conduzidos pelo Estado brasileiro movimenta 4,1% do PIB, e o Bolsa-Família responde por 0,3%. O quarto problema é que o programa não retira ninguém da pobreza. Ele precisará ser cuidadosamente reavaliado e aperfeiçoado."

SALÁRIO MÍNIMO
"Proporemos uma lei de aumento do salário mínimo. Ela poderia estabelecer que o reajuste será calculado pela soma da taxa de inflação do ano anterior, mais a taxa do crescimento do PIB, mais um fator de aumento, por exemplo, de 5% ao ano. Pelas nossas simulações, isso significaria a duplicação do poder de compra do salário mínimo em um horizonte de oito a dez anos. A lei poderia valer por dez anos, quando seria rediscutida a questão."

EDUCAÇÃO
"Talvez não possamos fazer muita coisa se formos governo, mas uma revolução educacional vamos fazer. O nosso ministro da Educação vai ser muito mais importante do que o ministro da Fazenda. O problema do ensino fundamental não é mais de expansão. Há é um problema dramático de qualidade. Tem que parar o país para mudar isso. Não é necessário estatizar escolas privadas. Se tiver uma boa escola pública, ou a escola privada fecha ou fica boa. Ninguém vai pagar se pode ter bom ensino de graça."

PRIVATIZAÇÕES
"O processo de privatizações levado adiante pelo governo Fernando Henrique foi criminoso. Basta lembrar que a Vale do Rio Doce, a maior mineradora do mundo, foi vendida por R$ 3 bilhões. O lucro líquido da empresa, no ano passado, foi de R$ 12 bilhões. Eu defendo que a economia brasileira precisa reconstituir um núcleo endógeno de desenvolvimento, centrado em conglomerados estratégicos de base nacional. Não tenho nada contra a criação de novas estatais, onde elas forem necessárias, como em biotecnologias ou em energias renováveis. E adoraria reestatizar a Vale, mas não posso prometer o que não posso entregar. Não sei como fazer. Mas com certeza haverá auditorias e reavaliações."

REFORMA AGRÁRIA
"A reforma agrária é viável. Em primeiro lugar, porque a urbanização diminuiu o peso político do latifúndio.
Em segundo lugar, porque se ampliou enormemente a área total em condições de ocupação produtiva. A Constituição tem que ser usada, para desapropriar terras."

COTAS
"Esse debate deve prosseguir. O racismo, evidentemente, precisa ser repudiado, mas não acho que adoção de cotas e a criação de identificações raciais seja um bom caminho."


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