São Paulo, quarta-feira, 23 de agosto de 2000


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ELIO GASPARI

A ofensiva ética da TucaNet

O plano anticorrupção anunciado por FFHH terá o mesmo destino do plano nacional de segurança anunciado por FFHH. Mal não vai fazer. Vai fazer nada. Nada fará porque destina-se a iludir a boa-fé do público por meio da parolagem e da falta de aplicação a serviço da ausência de propósito.
Seu pau de circo é o uso indevido da palavra transparência. De uma hora para a outra, começa-se a dizer que as coisas se resolvem tornando-se transparentes. Não faz sentido. O juiz Lalau roubava com a transparência de um cristal tcheco. O que aconteceu no leilão das teles foi transparente como uma tarde de maio no Rio de Janeiro. Transparência é o que não falta. É por excesso de transparência que estão satanizando os procuradores. As relações do poder público brasileiro com os gastos e os investimentos pouco têm a ver com a transparência. Seu problema é de propósito.
Em alguns aspectos a operação anticorrupção chega a ser risível. Aos exemplos:
Criará o JurisNet e a ObrasNet. Um sistema informatizado permitirá ao contribuinte acompanhar os custos das obras públicas. Vai aqui um aviso: sempre que o governo anunciar um projeto ligado à informatização, a choldra pode ter certeza: alguma empresa prestadora de serviços vai descolar seu dinheirinho. É a GranaNet.
A esse respeito, cabe lembrar que o governo de FFHH é o que mais casos de corrupção produziu na nova economia. Enquanto o juiz Lalau roubava na velha prática da construção de pirâmides, havia em Brasília uma rede que enriquecia com a informática. O Vale do Silício, na Califórnia, produziu a maior transferência legal de renda da história da humanidade. Pois a TucaNet -com o Serpro, as empresas que contratavam o doutor Eduardo Jorge e seus Gremlins- produziu o maior arranjo de tráfico de influência informatizada da história desde que Marcian Hoff inventou o microprocessador, em 1969. O Brasil dos tucanos foi da velha economia para a novíssima corrupção sem produzir uma só linha respeitável de programação.
O Código de Conduta da Alta Administração Federal é uma piada. A começar pelo nome. O que é alta administração? Seria o doutor Marco Maciel? Há a baixa? O prédio do Banco Central é mais alto que o Planalto. A turma que trabalha nos anexos subterrâneos de Brasília forma a baixíssima administração? Só a disposição de empulhar a patuléia pode justificar a presunção de que a administração deve ter uma conduta por ser alta e outra porque é baixa.
Noves fora a ridícula proibição das caronas, seu ponto presumivelmente sério é aquele que proíbe ex-autoridades de prestar serviços de consultoria nos quatro meses seguintes ao dia em que deixaram os cargos. Basta um neurônio desligado para perceber o absurdo da proposição. Admita-se que um banco quer contratar os serviços de um hierarca. Contrata-o e paga-lhe a quarentena ao fim do ano, sob a forma de bônus.
Quem vive no mundo dos meses não é o pessoal chamado para serviços de consultoria. São os servidores públicos que o governo de FFHH humilha e esfola. A turma da consultoria ganha por ano. Se o governo estivesse falando sério, poderia copiar aspectos da legislação americana. Coisas simples. Por exemplo:
1) Todo cidadão que deseje defender interesses estrangeiros junto a órgãos do governo deve se registrar num cadastro público, onde se pode saber o que faz e quanto ganha pelo que faz.
2) Quem quiser representar interesses de empresas junto ao Congresso deve proceder de maneira semelhante.
3) Quem tiver ocupado uma função no Poder Executivo pode ir trabalhar onde quiser, na hora em que quiser. Não poderá, nos dois anos seguintes à sua saída do governo, tratar de assunto de sua empresa relacionado com o Executivo com nenhuma pessoa da administração. Pelo prazo de um ano não poderá oferecer serviços de consultoria (entendendo-se que consultores não tratam de negócios, o que não é o caso no Brasil).
Se o governo quer falar sério, não precisa criar a TucaNet. Basta que trabalhe e estude. Pode recorrer à velha Internet (http://www.usoge.gov/usoge007.html). Neste endereço, encontrará tudo o que precisa para montar um programa sério de ética oficial. Se quiser trabalhar mais um pouco, poderá ir ao conjunto de leis e atos administrativos do Executivo americano (http://www.usoge.gov/usoge006.html#other). Se estiver com uma preguiça macunaímica, pode ler um único texto, o da lei que trata dos conflitos de interesses (http://www.usoge.gov/publaws/18usc207.html).
A administração americana é protegida por uma rede capilar de servidores encarregados de zelar pela conduta de seus pares. O tucanato está mortificado porque há meia dúzia de petistas nos conselhos dos fundos de pensão. Prefere depenar-se a pensar numa coisa dessas.
O problema da corrupção não está na alta administração. Está nos gordos administradores, nos seus amigos e nos amigos de seus amigos.


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