São Paulo, terça-feira, 23 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/PT X PT

Queda-de-braço entre grupos ligados a Palocci e a José Dirceu originou crise; advogado pretende contar detalhes para a CPI

Caso GTech foi disputa interna, diz Buratti

MARIO CESAR CARVALHO
RUBENS VALENTE
ENVIADOS ESPECIAIS A RIBEIRÃO

ROGÉRIO PAGNAN
DA FOLHA RIBEIRÃO

O advogado Rogério Tadeu Buratti, 42, vai acrescentar uma disputa interna dentro do PT, o braço-de-ferro entre o ministro Antonio Palocci (Fazenda) e o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil), entre os ingredientes que fizeram explodir o caso GTech, a disputa pela renovação de um contrato de R$ 650 milhões que se tornou o marco zero da crise em curso .
"O assunto da GTech é uma briga de governo. Foi o momento onde houve uma disputa entre o Palocci e o Zé Dirceu." São revelações como esta que Burattti, ex-assessor de Palocci, pretende fazer amanhã no segundo depoimento que prestará à CPI dos Bingos.
Buratti antecipou alguns dos pontos sobre a GTech, a multinacional que opera o sistema de loterias da Caixa Econômica Federal, no depoimento que deu à Polícia Civil de Ribeirão Preto, na última sexta-feira.
Nas quatro fitas de vídeo gravadas durante o depoimento, vistas pela reportagem da Folha, Buratti relata uma história diferente sobre a GTech, na qual diz ter sido usado como uma espécie de mensageiro entre a empresa e o ministro da Fazenda.

Acesso a Palocci
O advogado conta que foi procurado pela GTech por indicação de Ralf Barquete, então assessor da presidência da Caixa que fez parte do grupo político de Antonio Palocci.
A GTech, segundo a Folha apurou, queria chegar a Palocci porque a Caixa estava com as portas fechadas para o grupo político que a empresa tinha usado até então, o do ex-ministro José Dirceu. Diretores da Caixa descobriram que Waldomiro Diniz, então assessor de Dirceu, assediara a empresa com pedidos e temiam o estouro de um escândalo envolvendo a instituição financeira.
Barquete, morto em junho do ano passado, foi escolhido inicialmente como via de acesso ao ministro. Ele trabalhara com Palocci na sua primeira gestão na prefeitura de Ribeirão Preto, entre 1993 e 1996.
Em 2001, na segunda passagem de Palocci pela prefeitura, Barquete foi nomeado secretário da Fazenda. Quando Palocci foi para o ministério, ele foi para a Caixa. A instituição, no entanto, nega que ele tenha chegado ao cargo por indicação do ministro.
Buratti teve uma ligação institucional mais breve com Palocci. Era o principal secretário de Palocci na prefeitura de Ribeirão em 1993, mas foi afastado no ano seguinte sob suspeita de envolvimento em esquema de corrupção com empreiteiras.
No depoimento à polícia, Buratti relata que o diretor de Marketing da GTech, Marcelo Rovai, procurou Barquete na Caixa e lhe fez uma oferta de dinheiro para ajudar a empresa a renovar o contrato, assinado originalmente em 1997. A oferta inicial da GTech foi de R$ 6 milhões, diz o advogado.
Barquete não aceitou a oferta do diretor da GTech, diz Buratti. "O Ralf falou: "Sou um funcionário público". Estava começando na Caixa, estava empenhado em trabalhar no governo, tentar fazer carreira, se mostrar como profissional. Aí ele me pediu para que eu [o] recebesse".
Num encontro no hotel Blue Tree de Brasília, o advogado diz que o diretor da GTech apresentou uma segunda oferta.
Ele poderia receber honorários que variavam de R$ 500 mil a R$ 16 milhões -quanto melhores as condições que a GTech obtivesse na renovação do contrato com a Caixa, mais ele ganharia.
Buratti disse que levou a oferta da GTech ao assessor da presidência da Caixa, e esta foi recusada, ainda segundo ele. O advogado diz não saber se Barquete apresentou-a a Palocci. "Não sei com quem ele foi falar, se foi com o Palocci ou com outra pessoa. E me deu o retorno de que a Caixa não mudaria os termos do contrato."
Logo em seguida, porém, Buratti diz: "O Palocci na verdade não aceitou a negociação que a GTech queria. Porque a GTech fazia parte do grupo do Rio". Grupo do Rio é a forma como Buratti chama os empresários de jogos do Rio, os quais, de acordo com ele, seriam ligados a Waldomiro Diniz e a José Dirceu.
A CPI dos Bingos já tinha evidências da estreita relação entre o assessor da presidência da Caixa e Buratti na época em que a GTech discutia a renovação do contrato.
A quebra do sigilo telefônico dos dois, obtida pela CPI, mostrou que eles trocaram 99 telefonemas entre 12 de fevereiro e 15 de abril de 2003. O contrato da GTech com a Caixa foi renovado em 8 de abril. Nesse dia, há o registro de nove ligações entre Buratti e Barquete. No dia seguinte, há mais cinco ligações entre eles e três telefonemas entre Rovai da GTech e Buratti.
Rovai não quis comentar a versão de Buratti. Informou que só falará à CPI, na próxima semana, numa acareação com o advogado. A GTech nega ter buscado ajuda do assessor da presidência da Caixa. Diz que foi procurada por Diniz e que sofreu uma tentativa de extorsão de R$ 6 milhões por parte de Buratti.

Indicação de diretores
O confronto entre Palocci e Dirceu no caso da GTech não foi a primeira disputa entre eles envolvendo empresários de bingo e de jogos eletrônicos, segundo Buratti. O grupo de empresários de bingo do Rio de Janeiro, ligado a Waldomiro Diniz e Zé Dirceu, já conseguira uma vitória anterior. Logo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu, em janeiro de 2003, esse grupo conseguiu indicar a diretoria de jogos da Caixa, como relatou Buratti.
O grupo de São Paulo, afirma o advogado, tinha relações com Barquete. Foi o ex-secretário de Palocci quem levantou uma contribuição de R$ 1 milhão para a campanha de Lula em 2002, diz Buratti.
Waldomiro Diniz tinha exercido um papel similar junto ao grupo do Rio, segundo o depoimento de Buratti. Ele não soube, no entanto, precisar o valor levantado por Diniz. O ex-assessor de Dirceu foi exonerado em 2004.


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